2022: o ano de colocar o novo Ensino Médio em prática

A partir da implementação dos itinerários formativos e do aumento da carga horária, instituições vivem a expectativa de implantar projeto melhorar a qualidade do ensino

por: Tatiana Py Dutra | tatianapydutra@padrinhoconteudo.com
imagem: Deposit Photo

O ano escolar começou, trazendo para muitas escolas brasileiras o desafio de implantar um novo modelo de Ensino Médio. A missão não se restringe apenas a uma grande mudança curricular, mas vem com o compromisso de tornar o ensino mais atraente para os estudantes, de forma que isso impacte positivamente no aprendizado.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) está em um patamar muito baixo desde 2011. Em 2019, a média nacional ficou em 4,2, enquanto a meta era 5. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil figura entre os 10 últimos colocados em matemática, e a nota melhorou naquele ano em relação a 2015. Embora no caso da rede privada o recorte sinalize uma situação melhor, esses dados mostram que há alguma coisa errada no nosso Ensino Médio.

“O grande desafio é tornar o Ensino Médio significativo para os estudantes. É preciso conter a evasão na escola pública e, tanto na esfera pública quanto privada, fazer com que o ensino dialogue com os interesses dos estudantes, vinculando-se aos seus Projetos de Vida e auxiliando-os nas suas escolhas profissionais. Para isso, é preciso que o Novo Ensino Médio saiba reconhecer a complexidade do mercado de trabalho, trazendo para os componentes curriculares uma dimensão maker, de experimentação e de aprendizagem criativa, que inclua as perspectivas de adaptabilidade e de dinamicidade, que são as marcas da configuração contemporânea nas relações pessoais e profissionais”, avalia a orientadora pedagógica do Ensino Médio do Colégio Anchieta, Maria Isabel de Freitas.

Para promover essa renovação, o primeiro movimento foi aumentar a carga horária de 2,4 mil para 3 mil horas em três anos e mexer na grade de componentes curriculares. As disciplinas obrigatórias da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) passam a ocupar 60% do espaço de estudo, trabalhadas como áreas de conhecimento – idênticas às do Enem –, de forma interdisciplinar.

Mas são os outros 40% das atividades que mais despertam a curiosidade de estudantes e familiares. São os chamados Itinerários Formativos. Deles surgem as disciplinas de aprofundamento e optativas, que os estudantes escolhem estudar a partir de suas preferências. A disciplina de Projeto de Vida também torna-se componente obrigatório nas escolas.

“A ideia é trabalhar o protagonismo do jovem na escola, ajudando-o a desenvolver estratégias para colocar seus planos em prática”, explica o coordenador de Ensino Médio do Movimento Pela Base.“

 Carlos Lordelo, coordenador de Ensino Médio do Movimento pela Base

De acordo com os referenciais apresentados pelo Ministério da Educação, os Itinerários Formativos organizam-se a partir de quatro eixos: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo. A partir dessas ideias, cada escola estrutura seus itinerários, sobre os quais se apoiarão as novas disciplinas. A meta é fazer um cardápio atraente de disciplinas para que os alunos se empenhem em aprofundar seus conhecimentos.

A Escola Educar-se, de Santa Cruz do Sul, começou o primeiro semestre de 2022 oferecendo aulas de Educação Financeira, Educação para as Mídias e Cultura Brasileira. Mas o novo currículo da instituição já prevê a implantação de um curso de “Cena do Crime”, na qual o aprendizado dos estudantes estará relacionado a práticas investigativas.

“Nesse momento, preferimos não colocar um cardápio de eletivas muito grande. Precisamos sentir mais o que vai ser esse Novo Ensino Médio e fazer uma oferta de acordo com o interesse dos alunos”, explica a diretora, Cristiane Iserhard Machado.


Mudanças mantendo uma sólida formação

O investimento das escolas na criação de uma oferta atraente de novos conteúdos deve acirrar a competitividade entre os projetos pedagógicos na disputa de novos alunos. Para Maria Isabel de Freitas, isso é “parte do jogo”. Porém, adverte sobre uma ameaça maior. Em tese, a reforma permite que os alunos façam algumas disciplinas eletivas em uma instituição e complementem os créditos ou realizem disciplinas em outra, o que pode comprometer o processo educativo. E esse não é o único risco.

“Essa possibilidade pode transformar algumas escolas em um ‘varejo’ imprudente de disciplinas, em que não se fidelizam alunos ou em que não se garante uma formação continuada e consistente à luz de um Projeto Formativo. Neste sentido, é preciso que as escolas se unam e evitem, em nome de uma facilitação da venda de seus ‘produtos educacionais’, que se desvirtue e comprometa o espírito da lei”, destaca.

Mas a grande preocupação com as novidades do Ensino Médio é promover todas essas mudanças sem abrir mão de uma formação sólida dos alunos, assegurando as habilidades e competências básicas previstas na Base Comum Curricular. É fundamental que as escolas dimensionem o tempo e a qualidade das atividades de instrução e promovam a formação dos professores, imprescindível para avanços no Ensino Médio.

“A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que entra em vigor este ano, trouxe também a Base Nacional Comum para a Formação Continuada e Inicial dos docentes. Se queremos que a escola dialogue com o mundo do aluno, o professor é o meio. O profissional precisa estar comprometido com seu desenvolvimento profissional e estar aberto a novos conhecimentos, conteúdos e práticas que o façam olhar o futuro do aluno”, afirma Mozart Neves Ramos, relator do tema no Conselho Nacional de Educação (CNE) e professor titular da cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP Ribeirão Preto.


O que está sendo feito
Confira a seguir como algumas escolas gaúchas organizaram as novidades do novo Ensino Médio:


ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA EDUCAR-SE

Foi estudando, criando e analisando as preferências dos alunos que o corpo docente da Escola de Educação Básica Educar-se, de Santa Cruz do Sul, projetou o cardápio dos Itinerários Formativos do novo Ensino Médio.

“Criamos um grupo de estudos. Todos os professores do Ensino Médio estavam focados. Fizemos cursos, livres, acompanhamos a trajetória de outras escolas, e fomos escrevendo o que pensávamos. No fim, fizemos um combinado das opções que podemos dar mais respostas para a comunidade escolar”.

Cristiane Iserhard Machado, diretora na Educar-se

A professora explica que os Itinerários Formativos serão divididos em Núcleo Comum, Eletivas e Trilhas, com ofertas diferentes a cada ano do Ensino Médio. O primeiro é composto por unidades curriculares obrigatórias a todos os estudantes, como Projeto de Vida, Leitura e Produção de Textos e Prática e Produ(A)ção Científica.

“Serão aulas semanais, nas quais os alunos poderão despertar esse senso, a curiosidade para a pesquisa, e exercitar a parte de produção textual e leitura, muito importantes para bons resultados na prova do Enem”, valoriza Cristiane.

Já as duas Trilhas de Aprofundamento ofertadas pela Educar-se são integradas às áreas do conhecimento da Formação Básica, garantindo a expansão do aprendizado inicial. Assim, dentro das eletivas relacionadas a Ciências da Natureza e suas tecnologias e Matemática e suas tecnologias, por exemplo, abriga a criação de uma disciplina eletiva de Educação Financeira; e a de Linguagens e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, às disciplinas de Educação para as Mídias e Cultura Brasileira, por exemplo.

Nos próximos semestres serão implantadas as eletivas de Investigações experimentais em Ciências da Natureza, Empreendedorismo e Cena do Crime – na qual os estudantes serão desafiados a chegar a conclusões lógicas a partir da análise de evidências.

“Percebe-se que a comunidade está muito na expectativa, com muita curiosidade sobre o início dessa nova etapa, em 21 de março. Como nossa escola fica junto à Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), estamos fazendo parceria com as incubadoras tecnológicas e ainda poderemos usar os laboratórios nas produções de sala de aula. Isso permitirá que os alunos se lancem num lugar diferenciado”, projeta a diretora.


CAPITAL DO SABER

Desde o dia 14 de fevereiro os alunos do Ensino Médio da Escola Capital do Saber, de Feliz, experimentam as novidades do novo currículo. Entre elas, as disciplinas eletivas “Fechando a Conta: Desenvolvendo Consciência Financeira” e “Muito Além da Influência: Argumentação na Linguagem”.

“Na disciplina sobre consciência financeira serão trabalhadas muitas questões práticas sobre economia, contexto social atual e a importância da educação financeira. Em argumentação, o destaque é a importância de saber se fazer entender, trabalhar ideias. Isso tem a ver com jornalismo, publicidade, mas até com a tecnologia e redes sociais. O objetivo é que as aulas tragam vivência, prática”

Neucélia Meneghetti de Pieri, coordenadora pedagógica na Capital do Saber

Conforme a professora, as disciplinas são consequência de um trabalho elaborado desde o ano passado entre a coordenação pedagógica e o corpo docente, que levaram em consideração as curiosidades dos alunos que já estavam no Ensino Médio e os do e no 9º ano, que ingressariam na etapa em 2022.

“Em todo o ano passado ficamos estudando para saber como poderíamos atender nossos alunos da melhor forma possível. No segundo semestre, passamos nas turmas e mostramos as trilhas disponíveis e o que cada uma delas trabalhava. Os estudantes fizeram uma votação, separamos as vencedoras e, depois, só esperamos as matrículas para confirmá-las”, recorda Neucélia, acrescentando que já há outras duas optativas definidas para serem implementadas futuramente.


COLÉGIO ANCHIETA

No Colégio Anchieta, de Porto Alegre, o processo de construção do novo Ensino Médio começou em 2019 e envolveu a criação de um grupo de trabalho multidisciplinar, formado por gestores, representantes dos serviços e professores representantes das áreas do conhecimento. Nasceria dali o desenho de uma proposta afinada com os valores e princípios do colégio, envolvendo o compromisso com premissas fundamentais para a Instituição, como a preservação da identidade Inaciana e a garantia da qualidade da formação dos estudantes para vestibulares e Enem.

Em uma segunda etapa, o grupo escutou os alunos e as famílias, para elaborar um currículo flexível, que levasse em conta as aspirações dos alunos.

“Partimos de uma escuta dos interesses dos alunos e do histórico de escolhas dos estudantes do colégio nos últimos vestibulares e combinamos essa grande gama de possibilidades com as quatro áreas do conhecimento e com os eixos formativos constitutivos da Lei do Novo Ensino Médio, que são muito inspiradores: empreendedorismo, investigação científica, processos criativos e mediação sociocultural”

Maria Izabel Xavier, orientadora pedagógica do Ensino Médio no Anchieta

Desta combinação, foram criados quatro itinerários: Inovação, Tecnologias e Pesquisa Científica; Saúde e bem-estar social; Humanidades e Desenvolvimento Pessoal e Processos Criativos. Delas advém as disciplinas de Inteligência Financeira e Ciência e Tecnologia; Saúde Individual e Coletiva e Química do Cotidiano; Política, Direito e Sociedade e Cidadania Global (em inglês); e Linguagens Artísticas e Pensamento Computacional.

Conforme Maria Izabel, a ideia é que, ainda que enfatizem uma ou outra área do conhecimento, esses temas possam combinar diferentes habilidades previstas nos eixos, integrando organicamente as dimensões de pesquisa, de empreendedorismo, de intervenção social e de criatividade.

Além disso, foram elaboradas disciplinas eletivas alinhadas às aspirações pessoais dos estudantes e aos seus projetos de vida, como cinema, teatro, esportes, música e jogos digitais. Essas cadeiras são totalmente livres e não precisam estar vinculadas à trilha escolhida.

“O aluno acha que deve cursar Pesquisa Científica, mas à tarde poderá fazer Teatro, porque na verdade ele pode experimentar ou conhecer outras possibilidades”, exemplifica Maria Isabel Xavier.

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