Adolescência em série: o papel da escola na educação dos nossos filhos
Inspirado no drama produzido pela Netflix, artigo propõe como as redes de ensino podem ser aliadas no enfrentamento da violência de gênero e da cultura misógina entre os jovens
Mariana Brito, coordenadora Pedagógica do Colégio Lumiar Porto Alegre
O lançamento da série Adolescência, que bateu recordes de audiência na Netflix, trouxe à tona reflexões urgentes sobre o conflito de gerações e os desafios contemporâneos da parentalidade. Pais que cresceram em um mundo analógico agora se veem lidando com filhos imersos em redes sociais e expostos, dentro de casa, a riscos que antes se restringiam à rua. A série levanta uma pergunta inquietante: como acompanhar o que crianças e adolescentes acessam, sem invadir sua privacidade, mas ainda assim exercendo o cuidado necessário?
Essa discussão, que tem mobilizado famílias, precisa urgentemente ultrapassar os muros das casas e alcançar os corredores escolares. Por ser um espaço central na formação dos jovens, é necessário ampliar o debate sobre o papel da escola diante das temáticas levantadas pela série — especialmente a violência de gênero e a cultura da misoginia que atravessa a vida dos adolescentes.
No segundo episódio da série, a morte violenta de uma aluna cometida por um colega provoca comoção. No entanto, a escola da vítima é retratada como um espaço alheio ao luto. As aulas seguem normalmente, professores continuam com os conteúdos programáticos e gestores tentam se isentar de responsabilidade. Um professor chega a dizer que não teria como perceber sinais de sofrimento no agressor, pois ele “apenas ensina História”, reforçando a ideia de que o papel docente se limita à transmissão de conteúdos.
Essa visão reducionista do papel da escola precisa ser urgentemente questionada. Quando professores e gestores não se afetam pelas dores que atravessam seus alunos, quando não se sentem responsáveis por criar espaços de escuta e acolhimento, estamos diante de uma instituição que se desumaniza. A escola, nesse cenário, deixa de ser um espaço de formação integral para se tornar apenas um centro de preparação para provas.
É claro que não se trata de transferir toda a responsabilidade para a escola, assim como não se deve culpabilizar as famílias. Como afirmou o criador da série, Stephen Graham, em entrevista recente, estamos diante de uma responsabilidade coletiva. A misoginia, a violência e o sofrimento juvenil não são problemas isolados, mas sintomas de uma sociedade que precisa se repensar — e nisso, todos os atores sociais têm um papel: a família, a escola, o Estado e os meios de comunicação.
Ainda assim, é urgente que as instituições de ensino assumam a parte que lhes cabe. Educar vai além de ensinar a escrever, calcular ou interpretar textos. Significa também formar cidadãos capazes de refletir sobre o mundo em que vivem, entender suas emoções, respeitar as diferenças e agir com empatia. A escola precisa ser espaço de diálogo, de construção de comunidade, de transformação de violências naturalizadas em práticas de cuidado.
É animador ver famílias baixando aplicativos para acompanhar os filhos no ambiente digital. Mas nos perguntamos: elas compreendem que a escola também educa? E que tipo de educação esperam dela? Uma voltada apenas à aprovação no vestibular ou uma que forme sujeitos críticos, conscientes e sensíveis à realidade?
A escola precisa ser esse lugar que acolhe, que se posiciona, que propõe debates difíceis e que, principalmente, reconhece que ensinar é também afetar e ser afetado. Afinal, só há sentido na educação se ela estiver comprometida com a construção de uma sociedade mais justa, humana e plural.
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