Além da #Zoeira: memes também são ensino e aprendizado
Para publicitário e pesquisador em linguagens digitais, o uso de memes em sala de aula devem ser equilibrados e alinhados aos objetivos educacionais, para contribuir com o aprendizado de maneira efetiva
Publicado em 01/02/24 às 09:53 - Atualizado em 20/02/2024 às 10:21
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Freepik
Carlos Henrique da Costa Barreto
Publicitário Bacharel, Mestrando em Ensino de Humanidades e Linguagens na Universidade Franciscana (UFN); pesquisador em educação, inovação, tecnologia e linguagens digitais com foco em memes e coisas estranhas da internet. Colaborador adjunto do Laboratório de Pesquisa em Comunicação (LAPEC) da UFN desde 2017, primeiro semestre de graduação. Também é guitarrista e power metaleiro nas horas vagas.
Os memes da internet certamente são um dos formatos mais populares da nossa atualidade hiperconectada, imediata e caótica: basta uma fala polêmica do político x, um comentário confuso de uma celebridade, um conselho (exagerado) de mãe, uma semana de calor intenso, uma receita de bolo que deu errado, o Enem… e uma enxurrada de memes rapidamente aparece retratando esses fatoscom muito humor.
Mas como definir memes, afinal? Em termos simples, memes são basicamente essas peças de humor que viralizam e são replicadas na internet pelas pessoas. O termo surgiu pela primeira vez no livro “O Gene Egoísta”, de um cara chamado Richard Dawkins, ainda em 1976, muito antes da internet. Dawkins cunhou essa palavra a partir do grego Mimeme que significa imitação/replicação, para definir unidades transmissoras de informação cultural, assim como genes em nossos organismos. Nas nossas culturas, o que seriam essas unidades? Músicas, receitas, vestuários, confecção de objetos, rituais, idiomas, gírias, essas coisas que são passadas de pessoas para pessoas. Resumindo, na visão de Dawkins, genes transmitem genética, memes transmitem culturas. Simples assim.
De lá para cá, a Memética – campo de estudo dos memes (porque sim, isso existe e é muito importante) – tem ganhado força e olhares aos diferentes comportamentos meméticos nas diferentes esferas da sociedade, sobre seus diferentes formatos. A ciência adotou um conceito chave para alguma coisa e isso viralizou? Comportamento memético; o conceito, o meme. Uma grande onda de influenciadores passou a produzir um conteúdo X no Instagram? Outro comportamento memético… e assim vai.
Chegando, então, nos memes de humor da internet, geralmente eles se apresentam no formato imagem + texto, mas também podem ser gifs, vídeos, áudios, fotografias ou diversas outras montagens, com elementos diferentes. A qualidade e a estética dessa “obras” não são fatores importantes (muitos memes são “feios”) visto que seu propósito realmente é a transmissão da mensagem em si sob a determinada perspectiva de humor criada pelo memeficador.
E para criar um meme, não é preciso muito além de um simples editor de imagens e um perfil para postar em algum lugar. Numa busca rápida pelo Google, uma infinidade de sites e páginas fazem isso. E assim entendemos o porquê de seu comportamento viral e replicante: porque são fáceis de produzir e fáceis de compartilhar. Já em seus conteúdos, podemos encontrar diversas referências da cultura pop, das mídias, do cinema, super heróis, novelas, apresentadores de TV, futebol, escola ou trabalho.
Memes nada mais são do que a experiência de mundo das pessoas retratada com humor, na internet. Por isso alguns deles podem parecer confusos: porque precisamos dessas referências. A riqueza de um meme está nas entrelinhas do seu conteúdo, nas intertextualidades exploradas pelo memeficador para construção de sua mensagem e produção de sentido – que, por sua vez, geram os efeitos de identificação com o meme e com suas temáticas.
Considerando que, no Brasil, acontecem muitas coisas no campo da política, da educação, da saúde, da vida em geral, de natureza de crítica ou interesse do brasileiro, é claro que essas mesmas coisas serão retratadas na internet pela linguagem humorística dos memes. Esse é um comportamento da massa da nossa comunicação digital (em sites, páginas, redes sociais, plataformas, etc). Para um pesquisador chamado Carlos Barreto (esse que vos fala) e que publicou sua monografia de graduação sob essa mesma temática, nós literalmente vivemos uma Cultura de Memeficação. As coisas não terminam mais em pizza. As coisas viram meme.
“Mas existem memes ofensivos, também”. Sim, de fato. Um ponto importante: humor e graça não são a mesma coisa. Memes são instrumentos de humor – não necessariamente de graça. Como tudo na internet, é comum que essa linguagem seja apropriada por muitos públicos para atacar, ofender ou invadir espaços alheios. Por isso mesmo, já diria um pesquisador chamado Viktor Chagas, memes são coisas sérias – é coisa além da zoeira.
Tendo em vista seu potencial comunicativo, memes podem ser pauta no cenário educacional, tanto para professores (no pólo do ensino) quanto para alunos (no pólo da aprendizagem) – resgatando termos de Piaget. No campo da Educação Midiática, que se destina ao estudo das mídias, suas linguagens e conteúdos, os memes são reconhecidos por serem peças de humor com várias camadas que produzem diferentes efeitos de recepção. E assim, no Guia de Educação Midiática, desenvolvido pelas educadoras Ana Claudia Ferrari, Daniela Machado e Mariana Ochs, do Portal Educamídia, três eixos principais norteiam essa prática: a [1] Leitura, a [2] Escrita, e a [3] Participação.
Em sala de aula, dinâmicas podem ser adaptadas pelo pressuposto de cada eixo:
Leitura: interpretação e crítica. Diferentes memes de diferentes temáticas podem ser coletados e analisados sob questionamentos como: “por que essa mensagem foi memeficada?”, “o quê ela está nos dizendo?”, “que intertextualidades ela explora?”, “que conhecimentos estão pressupostos?”,” quem o meme está defendendo?”, “quem ele está criticando?”, “que tipo de humor está sendo construído?”, “essa comunicação pode desrespeitar/ferir/atacar os direitos de alguém?”, “como, por quê?”. Assim como as crônicas, as charges e as fábulas, os memes também são um gênero carregado de conteúdos que podem ser absorvidos e aprofundados em um exercício de interpretação, e suas possibilidades, mesclando-se ao humor, são diversas. Além disso, com toda certeza, será uma atividade de bastante engajamento por parte dos alunos, considerando sua possível afinidade (diária) com a linguagem.
Escrita: expressão, posicionamentos e debate. Podemos também utilizar os memes para avaliar e democratizar a própria expressividade dos alunos produzindo memes sobre temáticas de suas afinidades, com seus posicionamentos e suas respectivas justificativas; podemos avaliar seus conhecimentos de aula e suas referências culturais através de memes criados, sintetizando tais conteúdos, com momento de apresentação para debate e explanação de ideias; podemos até fazer dinâmicas de auto apresentação em que os alunos se apresentam na forma de memes, dialogam na forma de memes, dentre outros. Escrever memes é como escrever poemas, pintar quadros ou até gravar TikTok: é uma síntese do que se quer expressar e falar. Se Bakhtin vivesse hoje, ele concordaria: memes nunca são neutros! (Ah, e provavelmente, também seria fã de memes).
Participação: cidadania e democracia. Unindo as habilidades e competências da leitura e da escrita de memes, os alunos também podem participar de seus contextos de atuação social ou educacional. A citar: a criação de memes educacionais pode promover a síntese de conhecimentos complexos trabalhados em aula, bem como a colaboração entre os alunos; discussões online moderadas por administradores educadores com criação de memes que abordem temas relevantes estimulando a expressão e a consciência social; projetos colaborativos promovendo a cooperação e reflexão sobre a natureza interativa da Cultura da Memeficação – dentre outros.
Abordagens com memes em contextos de ensino e aprendizagem não só tornam o aprendizado mais dinâmico, mas também preparam os alunos para uma participação informada e ética no mundo digital. O próprio humor dos memes contribui para o desenvolvimento descontraído e envolvente das atividades quebrando o velho paradigma de centralidade docente. Em uma aula com memes, professores e alunos tomam posições de diálogo e horizontalidade – o que, de pronto, vem a facilitar o ensino e o aprendizado.
Mas é claro, devemos ponderar: memes são ferramentas, apenas, para potencializar esses processos; seu uso deve ser dosado, como sal. Memes em sala de aula devem ser equilibrados e alinhados aos objetivos educacionais – para que a própria aula não se perca no humor em si. Além disso, nem todos os temas ou conceitos são adequados para abordagens humorísticas, e os educadores devem garantir que a utilização dos memes contribua de maneiraefetiva para o aprendizado, sem comprometer a seriedade e a integridade do conteúdo educacional. É necessário referência, planejamento e objetivo – e de preferência, bastante leitura.
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