Como aprendem os alunos com Síndrome de Down
Especialistas comentam como funciona o cérebro destas crianças e adolescentes, bem como as formas de explorar suas habilidades no ensino-aprendizado
Se tornar um médico, um engenheiro, um advogado ou um chef de cozinha. Conquistar um diploma e atuar em uma profissão é um sonho comum entre muitas pessoas, inclusive aquelas com Síndrome de Down. Cada vez mais, as evidências demonstram que os limites estão sendo quebrados e as conquistas vão além do que se imaginava.
Ao questionar a especialista em neuropsicologia escolar e pesquisadora no Instituto do Cérebro (InsCer), Adriana Costa, se um jovem com essa síndrome pode se tornar uma pessoa independente, a resposta é categórica: “claro que sim!”.
Ela complementa, informando que a aquisição de níveis cada vez mais elevados de autonomia pessoal sempre deve estar presente no projeto de vida desse jovem. “Ao longo dos anos devemos dotar-lhes de competências e habilidades para que possam trilhar o seu desenvolvimento de forma cada vez mais autônoma possível”, diz.
Caracterizada pela presença de um cromossomo 21 extra, esta alteração genética pode ser de três formas: Trissomia Simples, Mosaico e Translocação. Embora as diferentes formas de manifestação da trissomia possam provocar variações físicas, clínicas e nas capacidades cognitivas, existem poucos estudos comparativos que possam atestar as reais diferenciações existentes entre estes três grupos. É o que comenta o neurologista infantil e professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRGS, Josemar Marchezan.
Em relação ao tratamento para a trissomia, o neurologista infantil relata que não existe um específico, porém, o cuidado com esse tipo de pessoa é individualizado, de acordo com suas características e necessidades. A atenção se modifica ao longo da infância, da idade adulta e no idoso, como algumas patologias como cardiopatias e doenças da tireoide, que são mais comuns nesta população. “Existem protocolos de cuidado que o médico pode utilizar tanto para a busca ativa dessas complicações, quanto para organizar os cuidados de prevenção”, esclarece.
Além de exames que permitem diagnosticar a síndrome antes do nascimento, Marchezan ressalta que existe uma grande evolução no entendimento das pessoas com a síndrome. Nos últimos anos, foram construídos instrumentos específicos de acompanhamento, como escalas de desenvolvimento e crescimento, bem como protocolos que aprimoraram o cuidado global a este tipo de público.
Nas últimas três décadas, conforme Adriana, houve um avanço da medicina em relação à síndrome. Também evoluíram as áreas paramédicas, entre elas, a fonoaudiologia, a psicopedagogia, a terapia ocupacional, a fisioterapia e a neuropsicologia, que têm desempenhado um papel importante no aumento da expectativa de vida dos indivíduos com T21. “Com isto, hoje se sabe, que um atendimento especializado eficaz, atualizado com as últimas informações disponíveis sobre a trissomia 21 e personalizado em cada caso, é de vital importância para continuar melhorando a expectativa e a qualidade de vida”, afirma.
Por fim, a inclusão de pessoas com a síndrome nos mais diversos ambientes (família, escola, lazer, mundo do trabalho) ampliou o seu leque de relações interpessoais, ao mesmo tempo que melhorou suas competências socioemocionais.
Não é à toa que 21 de março, data que se comemora o Dia Internacional da Síndrome de Down, é escolhida justamente por representar numericamente esta alteração genética, e ressaltar a evolução de pessoas com T21.
Como funciona esse tipo de cérebro?
De acordo com Adriana, as crianças com T21 costumam apresentar dificuldades de aprendizagem devido à alteração de algumas funções cerebrais. Estas estão relacionadas ao córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelos processos cognitivos superiores necessários à aprendizagem no ambiente escolar, tais como: atenção, memória, linguagem e funções executivas.
A atenção é a porta de entrada para todas as aprendizagens, é um processo cognitivo básico e essencial para selecionar estímulos relevantes do ambiente. “A memória é o centro do conhecimento. Muitos estudantes com T21 apresentam limitações significativas na memória de curto e longo prazo ou, dito de outra forma, apresentam dificuldades em reter, processar, consolidar e recuperar a informação que recebem”, ressalta.
Já a linguagem é uma função um pouco mais complexa que possibilita a comunicação, a expressão de ideias e sentimentos. Os alunos com T21 comumente apresentam déficits de linguagem, tanto no nível do som/fala quanto da comunicação.
Por fim, as funções executivas, que são processos cognitivos mais complexos que possibilitam a todos os estudantes a autorregulação, o planejamento e a adaptação a situações complicadas e novas. “Esses processos são essenciais para um desenvolvimento pleno no contexto educativo”, complementa.
Processo de aprendizagem
Os jovens atípicos podem ser considerados neurotípicos, ou seja, aqueles que possuem alguma deficiência ou dificuldade. “A convivência com as crianças e os adolescentes em qualquer circunstância ou condição faz com que cresçam e aprendam”, sinaliza a especialista em Educação Especial e Inclusiva e professora do curso de Pedagogia da UniRitter, Denise Costa Ceroni.
Denise aponta que muitas pesquisas indicam que crianças típicas que estudam em escolas inclusivas desenvolvem maior empatia, capacidade de dialogar e entendimento sobre as diferenças. “Essa convivência é muito positiva para a criança que tem qualquer tipo de deficiência ou condição neurotípica, como também para aquelas que não têm, pois todos ganham com a diversidade”, salienta.
Ela ressalta que cada criança e adolescente, neurodivergente ou não, apresenta sua diferença, podendo a deficiência intelectual ser muito leve ou mais acentuada. “Estudos mostram que para aprender é importante ter um ambiente favorável, agradável, de respeito e boa convivência. As crianças ou os adolescentes com Síndrome de Down precisam sentir-se acolhidos e, principalmente, valorizados nas suas características pessoais”, pontua.
Geralmente, a criança com esta síndrome é bastante sociável e comunicativa. Possui facilidade em estar na convivência com os outros, algo que é essencial para o processo de aprendizagem.
No entanto, existem casos de dificuldade de fala, sendo a escola um local importante nesse desenvolvimento dos jovens. “Esse aluno que está com mais dificuldade de se comunicar oralmente, é possível usar fichas, com pequenos cartazes com imagens e ações. O estudante pode aprender a se comunicar por desenhos e, em paralelo, ir treinando a sua forma de comunicação mais oral”, explica.
Na visão de Denise, há cerca de 20 anos atrás, existia um discurso que as crianças com Síndrome de Down nem seriam alfabetizadas, não aprenderiam de forma alguma. Atualmente, por pesquisas e experiências tanto internacionais quanto nacionais, as crianças têm condições de se desenvolver de forma integral dentro das suas possibilidades.
Sintonia família e escola
Aos educadores, Denise indica ser fundamental a possibilidade de conversar com a família da criança atípica, para saber do seu desenvolvimento, das suas potências e habilidades, dos seus medos e receios. O professor precisa fazer com que a turma entenda que esse é um colega que faz parte da classe. “Também trabalhar questões de autovalorização dessa criança atípica e realizar atividades com adequações, que sejam mais curtas, diretas, vocabulário simples e uma rotina para que se sinta mais segura”, sinaliza.
Seja com necessidade especial, deficiência ou síndrome, é uma criança que precisa de atendimentos especializados. Para isso, é importante que a família e a escola estejam de mãos dadas. “Se o professor souber que a criança tem fonoaudióloga e ver que está mais cansada na aula, vai compreender isso, pode pensar em atividades pedagógicas menores, atividades que a deixem mais desperta. Vai adequar seu planejamento conforme a realidade dela”, diz.
Explorar recursos visuais e sonoros
Conhecidas as características desse aluno atípico, é possível fazer uma adaptação curricular. O que não significa diminuir o currículo, mas sim torná-lo acessível. “Nós, enquanto professores, precisamos muito cuidar para que as crianças se sintam fortes, inteligentes e capazes de fazer a aprendizagem. Assim, elas vão desenvolvendo autonomia e confiança”, reforça.
Para ajudá-las, o uso de recursos visuais pode ser muito eficaz, pois demonstra, de maneira facilitada, os conteúdos. “Há muitos jogos digitais que são bons desenvolvedores de pensamento lógico e mais autônomo para tomar decisões e ajudam na memorização”, comenta.
Ela exemplifica. Uma aula matemática, quando estiver trabalhando com os cálculos de multiplicação com três ou quatro exercícios, para a criança atípica, pode endereçar dois, aliados com materiais concretos, como um jogo ou uma malha (quadro com linhas e colunas). “Existem ferramentas que podem ser utilizadas conforme a necessidade, por isso que o professor precisa conhecer bem esse estudante”, sugere.
Outro recurso eficaz são as músicas, esse método contribui muito para o desenvolvimento de uma criança, pois permite um poder de capacidade de “sentir” o cérebro. “A neurociência vai nos dizer que é uma ferramenta essencial nos processos de aprendizagem, além disso temos que pensar em metodologias que valorizem o desenvolvimento integral desse jovem. Isso quer dizer que a gente está pensando nas questões cognitivas, sociais e afetivas”, indica.
O neurologista infantil concorda com este argumento de que a música é uma facilitadora no processo de ensino-aprendizagem. “É um estímulo para o desenvolvimento da linguagem, coordenação motora, memória e habilidades sociais”, complementa Marchezan.
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