Caminhos para a implementação do ensino computacional nas escolas

Estudo traz recomendações para instituições de ensino se adequarem à BNCC Computação até 2026; especialistas apontam perspectivas para as escolas

por: Jean Peixoto | jean@padrinhoconteudo.com
imagem: Gemini

Até o próximo ano, o Brasil deve implementar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Computação. Na prática, isso significa que o ensino de conteúdos e habilidades relacionadas à Educação Digital será obrigatório em todas as etapas da Educação Básica. Para se adequar à BNCC Computação, as redes de ensino passaram a elaborar novos currículos e planos de formação docente sobre educação digital e midiática.

Tendo em vista essa urgência das escolas em se adaptar à nova realidade, a Fundação Telefônica Vivo e Movimento pela Base promoveu o estudo “Currículos de Computação: Levantamento e Recomendações”, que foi executado pela consultoria de inteligência educacional Vozes da Educação. Realizado entre novembro e dezembro de 2024, o estudo traz uma série de recomendações para apoiar redes de ensino na implementação da BNCC Computação dentro do prazo previsto.

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Além da análise realizada em escolas das 27 unidades federativas brasileiras, o levantamento também analisou iniciativas em oito territórios internacionais: Austrália, Canadá (Ontário), Chile, Estados Unidos (Arkansas e Nevada), Nova Zelândia, Portugal e Reino Unido, para identificar como o ensino de Computação vem sendo incorporado aos currículos escolares. Foram observados quatro aspectos: currículo, formação docente, recursos de apoio e avaliação da aprendizagem.

No Exterior

Nos territórios analisados, a Computação aparece como componente curricular e também como competência transversal, com variações conforme a etapa de ensino e o grau de obrigatoriedade. Na Austrália, Chile, Estados Unidos, Portugal, Nova Zelândia e Reino Unido, a Computação é tratada como disciplina específica, com conteúdos próprios, em diferentes etapas da Educação Básica. Em outros locais, como Ontário (Canadá), há integração transversal, em que as habilidades da área dialogam com Matemática, Ciências e Linguagens.

No Estado do Arkansas, nos EUA, a Computação é obrigatória desde a pré-escola até o Ensino Médio, sendo requisito para a conclusão da Educação Básica. Na Nova Zelândia, a Computação é um componente obrigatório presente desde os anos iniciais, dentro da disciplina de Tecnologia. O estudo também aponta que todos os territórios analisados oferecem algum tipo de formação continuada de professores para apoiar a implementação do currículo.

Com relação a avaliações, Austrália, Chile e Estados Unidos aplicam provas nacionais amostrais em tecnologia, para monitorar o progresso dos estudantes e subsidiar políticas públicas.

Parâmetros de implementação

As experiências internacionais e as normativas nacionais demonstram que a inclusão da Computação na Educação Básica, seja pela transversalidade ou como componente específico, é essencial para garantir a equidade e ofertar aos estudantes uma formação mais aderente às necessidades e transformações no mundo do trabalho e vida pessoal.

O Parecer CNE/CEB nº 2/2022, ao tratar da implementação da Computação na Educação Básica, menciona um conjunto de parâmetros mínimos necessários nesse processo. O estudo da Fundação Telefônica Vivo aponta uma série de recomendações para cada um dos referenciais curriculares:

Formação de professores

  • Fortalecimento da formação inicial, com ampliação da oferta de graduação específica e inclusão de conteúdos de Computação em cursos de pedagogia e licenciaturas;
  • Promoção de políticas institucionais de formação continuada, alinhadas à BNCC Computação.

Currículo

  • Revisão e alinhamento dos referenciais curriculares à BNCC Computação;
  • Inclusão de orientações alinhadas à BNCC Computação para todas as etapas de ensino;
  • Coerência e intencionalidade na abordagem transversal da Computação;
  • Estabelecimento de uma progressão das aprendizagens por etapa de ensino.

Recursos Didáticos

  • Produção e distribuição de materiais pedagógicos alinhados à BNCC Computação: (plataformas; ferramentas; guias; kits e equipamentos).

Avaliação

  • Disponibilização de recursos que apoiem os docentes no desenvolvimento de instrumentos avaliativos de Computação;
  • Desenvolvimento de avaliações em larga escala na área de Computação.

Gestão da implementação

  • Desenvolvimento de um plano de apoio à implementação do currículo de Computação.
  • Estabelecimento de estratégias e mecanismos de acompanhamento da implementação do currículo de Computação.

Perspectivas 

O professor Sani Belfer Cardon, da Escola de Humanidades da PUCRS, comenta que a educação computacional deixou de tratar simplesmente sobre o modo como se utiliza o computador e agora aborda também meios de utilizar os princípios básicos da computação nos componentes curriculares da educação. Ele também alerta para os prazos apertados para a adequação à BNCC Educação.

“Os prazos estão bem apertados, então, para ter a garantia dessa adoção efetiva da educação computacional, eles precisam ser cumpridos. Como eu também sou conselheiro do Conselho Estadual de Educação, eu tenho observado que a presidência tem dado uma celeridade para que a gente consiga dar conta desses prazos e, a partir disso, então garantir essa implementação em 2026”.

A professora Fernanda Felix de Oliveira, também da Escola de Humanidades da PUCRS, pontua que, para compreender os desafios da computação como uma área obrigatória da BNCC, é preciso compreender que, para a sua implementação em todas as etapas da Educação Básica, há três eixos centrais: pensamento computacional (raciocínio lógico e resolução de problemas), cultura digital (uso ético e responsável das tecnologias) e mundo digital (compreensão de como a tecnologia funciona).

A especialista explica que o pensamento computacional traz uma abordagem de desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas de uma forma direta, simples, a partir de atividades que envolvam estratégias cognitivas, criativas, questões do pensamento lógico, da lógica, dos algoritmos. O pensamento computacional, pode utilizar tanto de atividades plugadas, com computadores, quanto atividades desplugadas, sem a utilização de computadores.

“Aqui é fundamental a formação continuada dos educadores para compreensão do pensamento computacional, para compreensão do que são atividades plugadas e desplugadas dentro do pensamento computacional. Isso é fundamental para pensar também nos diferentes contextos e nas diferentes realidades. É fundamental que existam recursos disponíveis para que os educadores possam proporcionar atividades práticas de aprendizagem, de desenvolvimento do eixo do pensamento computacional”, comenta Fernanda.

No eixo do mundo digital, a professora sublinha que é preciso pensar nas questões que envolvem as redes sociais e as mudanças na forma como as pessoas se comunicam em uma sociedade hiperconectada. Ela frisa que as relações interpessoais e a constituição da subjetividade se modificam no contexto da digitalização e que, portanto, é necessário pensar atividades no ambiente virtual incluindo o uso da internet e pensando sobre a Inteligência Artificial.

Já na questão da cultura digital, é importante pensar na criação, produção e disposição dos dados nas práticas, nas interações também que são desempenhadas no meio digital. Ela diz que é importante pensar no uso seguro das tecnologias computacionais e na proteção de dados, que são elementos fundamentais nesses eixos que perpassam toda a Educação Básica de forma progressiva.

Aprendendo na prática

O Ensino Computacional já é uma realidade para os estudantes do Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre. O professor de matemática e pensamento computacional Gabriel Gomes Rocha conta que a escola promove atividades que estimulam o desenvolvimento de conhecimentos tecnológicos nos alunos. Uma das iniciativas da escola é o GRIT (Grupo Rosariense de Inovação e Tecnologia), que desenvolve projetos relacionados à programação e resolução de problemas do cotidiano que frequentemente se conectam ao Festival Marista de Robótica (FMR).

“O FMR é um evento anual de destaque para nós. Este ano, conquistamos dois prêmios. Desenvolvemos um protótipo para automação de lavouras, um dispositivo equipado com sensores de umidade, temperatura, pH do solo e CO2. O dispositivo é capaz de prever, por exemplo, incêndios ou a necessidade de irrigação. Se houver previsão de chuva, a irrigação é suspensa. Caso contrário, uma bomba de irrigação é ativada automaticamente. O sistema é totalmente automatizado e possui um painel online, permitindo que o produtor monitore vários protótipos remotamente”, explica o professor.

O professor explica que o GRIT funciona no contraturno e é destinado ao Ensino Médio. Os participantes se reúnem semanalmente, nas tardes de quinta-feira, por dois períodos consecutivos.

A escola também oferece outras iniciativas, como um clube de programação. O pensamento computacional aparece também como um itinerário formativo optativo para o terceirão, reunindo cerca de 32 a 33 estudantes semanalmente nas tardes de quarta-feira. Além disso, o conteúdo aparece nos livros de matemática do segundo e terceiro ano, permitindo que todos os alunos tenham contato básico com o tema. Os tópicos incluem programação e algoritmos, culminando na criação de jogos como atividade curricular obrigatória. A robótica e o pensamento computacional tornam o aprendizado ainda mais dinâmico e dão clareza sobre a aplicabilidade do conhecimento.

“A gente consegue ver os estudantes resolvendo os problemas da vida deles na prática. Problemas que eles têm e querem resolver. Isso acaba sendo muito legal”, comenta o professor.

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