Como aplicar a neurociência em sala de aula
Estudos que relacionam a compreensão do cérebro humano com o desenvolvimento do processo educacional ganham cada vez mais espaço. Especialistas explicam como colocar todo esse conhecimento em prática
Aprender nada mais é do que obter novas informações, entender como processá-las e armazenar tudo isso na cabeça. Parece lógico, então, que compreender o funcionamento do cérebro ajude a transmitir conhecimento de forma acessível e estimulante. Mas não é o que se tem visto ao longo dos séculos: apenas recentemente a neurociência intensificou a aproximação com a educação, explicando fenômenos que ajudam a aprimorar o processo de ensinar.
Como a aprendizagem acontece justamente no cérebro, à medida que se conhece como ele funciona, as práticas pedagógicas são aprimoradas. “A neurociência vem trazendo a importância da alimentação, do sono e o impacto da relação professor-aluno na aprendizagem. Comprovando coisas que, muitas vezes, a gente observa empiricamente, mas as evidências científicas agora contribuem para a educação”, explica a doutora em psicologia e professora da Feevale Caroline Cardoso, sócia-fundadora da clínica Conectare NeuroPsi. Ela estará no 17º Congresso do Ensino Privado, na tarde de 19 de julho, o primeiro dos três dias de evento, para falar sobre as possibilidades de desenvolvimento da educação a partir dessa intersecção com o estudo da neurociência. As inscrições para o evento estão abertas e têm descontos especiais até o dia 18/06. Saiba mais.
“Então, temos de inovar para que a aprendizagem não fique limitada a um processo de aprovação ou reconhecimento social. É um processo de realização pessoal. O professor tem um desafio para motivar, de forma que conteúdos muitas vezes distantes e desconexos façam sentido”
Ana Luiza Neiva Amaral – doutora em Educação e pesquisadora do Sesi
Essa percepção vem fazendo com que os gestores e educadores olhem com mais atenção para o tema. A chamada neuropsicologia escolar, uma área relativamente nova, busca fazer essa conversa. Ela leva o que a ciência tem descoberto até as salas de aula e, ao mesmo tempo, traz demandas para que os cientistas pesquisem mais a fundo.
Com 86 bilhões de neurônios e uma jornada de trabalho ininterrupta, o cérebro é uma verdadeira máquina e, como tal, precisa ser cuidado. O problema é que ninguém vem com um manual de instruções, como ilustra a doutora em Educação e pesquisadora do Sesi Ana Luiza Neiva Amaral. “Não é tão simples relacionar esse conhecimento científico com cotidiano da sala de aula, impactando na aprendizagem dos alunos. Então, temos de ampliar esse diálogo entre neurocientistas e pais, professores, diretores, gestores públicos que atuam na educação”, defende.
Razão e emoção
Premissa importante: razão e emoção não são antagônicas. Segundo Ana Luiza, embora sejam comumente atrelados, os sentimentos e a cognição funcionam juntos. As pesquisas mais recentes têm revelado que não existe oposição, já que essa dualidade não reflete a arquitetura do cérebro. Ou seja: não há um hemisfério racional e outro intuitivo. As emoções influenciam diretamente no quê, como e quão efetivamente os alunos aprendem.
“Funções mentais recrutadas durante o processo de aprendizagem, como memória e raciocínio lógico, estão intrincadas com o processo emocional. Precisamos fazer a transição de um paradigma educacional, voltado apenas ao cognitivo, para que se reconheça o papel fundamental dos componentes emocionais e sociais para a aprendizagem”, sustenta a especialista do Sesi.
Estímulo
Um dos temas vinculados à emoção é a motivação, onde reside um dos principais desafios do professor, atualmente. Com um processo educativo menos atrativo do que os recursos que a maioria dos alunos utiliza fora da sala de aula, é natural que se tenha um estudante focado em passar de ano, entrar em uma graduação e seguir o processo estabelecido sem, no entanto, desenvolver o genuíno interesse em estar sempre aprendendo.
“Então, temos de inovar para que a aprendizagem não fique limitada a um processo de aprovação ou reconhecimento social. É um processo de realização pessoal. O professor tem um desafio para motivar, de forma que conteúdos muitas vezes distantes e desconexos façam sentido”, observa Ana Luiza.
A saída pode estar no Projeto de Vida, previsto no Novo Ensino Médio. O cérebro precisa de um motivo para se colocar em ação. No momento em que o jovem coloca desejos, necessidades, metas e planos de forma estruturada, isso faz com que ele se organize e constitua sentido sobre o que está fazendo. Isso cria um vínculo muito diferenciado com o que ele está aprendendo.
Para avançar nessa direção, é preciso mudar o foco da reflexão: em vez de pensar sobre o que se está ensinando, a pergunta deve recair sobre como se está fazendo isso. Isto, no entanto, exige que se conheça melhor o aluno e, principalmente, se entenda como ele processa a aprendizagem. “Quem educa, muda o cérebro. Os pais e professores estão constantemente promovendo estímulos que alteram sinapses e ativam neurônios, levando ao desenvolvimento cognitivo, motor e emocional”, garante Ana Luiza.
Segundo ela, isso os torna peças fundamentais em todo esse processo. Portanto, precisam conhecer os princípios da neurociência, a fim de criar as condições para que a aprendizagem flua. Esse diagnóstico é fundamental para gerar estratégias e encaminhamentos de apoio.
Ambiental
Se cognição e sentimentos andam lado a lado, parte da missão dos gestores é oferecer clima favorável para o melhor rendimento do cérebro. Se já era um desafio, os níveis de ansiedade observados após a pandemia o tornaram ainda maior. Mas são os educadores e gestores que estão próximos aos alunos no dia a dia, observando questões emocionais e de neurodesenvolvimento, a ponto de ligar o sinal de alerta quando algo não estiver bem.
“O professor deve ser cada vez mais capacitado para essa identificação, que não é um diagnóstico, mas entender o quanto os aspectos emocionais impactam na aprendizagem. Às vezes não é Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, é alguma dificuldade emocional”, ilustra Caroline Cardoso.
Segundo ela, tudo começa na família: práticas parentais, sono e alimentação. Já a escola é uma parceira na socialização, na construção do indivíduo – por isso é necessária uma conversa muito clara e próxima entre as partes.
Em tempos de aluno-protagonista e ensino por meio de projetos e vivências, é fundamental que o professor trabalhe como um guia. No começo, ao apresentar novos conteúdos, ele deve tomar a frente e mostrar o caminho para que, aos poucos, os estudantes peguem as rédeas e assimilem, cada um do seu jeito e a seu tempo, aquelas informações.
“O que vem mostrando resultado é o professor tendo papel mais ativo no começo do processo e, conforme a criança adquire as habilidades, ele se retira de forma gradual, dando a oportunidade de o aluno criar, se tornando protagonista. O papel do professor vai mudando ao longo do processo. O aluno se sente mais seguro desta forma”, afirma a professora da Feevale.
Depositar expectativa de um aluno autônomo desde o começo da caminhada pode gerar ansiedade e medo, segundo ela, comprometendo a aprendizagem. Isso é necessário em todos os momentos: ao propor uma atividade, é preciso fazer essa construção.
“Não importa mais o volume de conhecimento que se acumula, até porque ele está disponível. O que importa, agora, é a capacidade de manejar esses conhecimentos de forma crítica e criativa. Isso nos coloca diante de um problema educacional completamente diferente”, pontua Ana Luiza, para quem o modelo de ensino “passivo-reprodutivo” não funciona mais.
Motivação
O antídoto para esse formato parece estar nas metodologias ativas – mas elas também demandam atenção. Ana Luiza vê muitos educadores com dificuldade para compreendê-las. “Não adianta apenas tirar os alunos das carteiras enfileiradas e propor projetos, se de fato não forem mobilizadas as funções mentais envolvidas na aprendizagem. Senão a gente corre o risco de ter um monte de cartolina colorida e pouco aprendizado”, alerta.
A solução está um pouco acima: mobilizar os processos de constituição de sentido na aprendizagem. É isso que vai dar motivação e fazer com que as metodologias tragam resultado.
As pesquisadoras concordam que não existe uma receita para colocar tudo isso em prática. Trata-se de compreender as contribuições da neurociência para, caso a caso, aplicá-las em sala de aula. Mas é possível assimilar os conceitos que dão sustentação a essa relação entre o estudo do funcionamento do cérebro e o processo educacional.
Em uma pesquisa promovida pelo Departamento Nacional do Sesi que perpassa nada menos do que 840 referências bibliográficas, a pesquisadora Ana Luiza Neiva Amaral e a neurocientista Leonor Bezerra Guerra abstraem 12 princípios para uma aprendizagem mais efetiva – cada um com quatro ações que podem ser levadas à prática.
A obra “Neurociência e Educação: olhando para o futuro da aprendizagem” está disponível para download gratuito, assim como os infográficos produzidos para esquematizar o conteúdo.
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