Geração slash está ganhando espaço no mercado de trabalho
Profisisonais da área de educação sinalizam como capacitar os “slashers” de acordo com as exigências atuais de mercado
Hoje em dia, ao olhar um perfil no Linkedin, é bem comum observar profissionais preencherem seu cargo da seguinte maneira: “desenvolvedor/escritor/designer/produtor”. Esse é um exemplo aplicável àqueles que se enquadram em múltiplas tarefas, conhecidos por fazer parte da geração slash.
De origem inglesa, slash (“barra” na tradução em português) é uma palavra que ganhou este novo significado devido a um estilo de vida diversificado com várias ocupações. Por isso, este tipo de grupo geralmente se apresenta utilizando as barras (/).
Este fenômeno acontece há décadas, porém, nos últimos anos, obteve mais evidência frente às novas demandas do mercado de trabalho. Conforme resgata o designer de experiências de aprendizagem, Edu Valladares, o termo foi batizado a partir de um livro “One Person / Multiple Careers: The Original Guide to the Slash Career”, de 2012, de autoria da especialista em futuro do trabalho, Marci Alboher.
Valladares, que palestrou recentemente sobre “Aprendizagem Intencional e Desenvolvimento de Habilidades: Construindo Novos Futuros” no Congregarh 2024, da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (ABRH RS), diz que ser slash depende de como essa pessoa encara o seu trabalho. Ele argumenta que existem determinados profissionais que têm mais prazer com uma tarefa do que com suas atribuições.
No entanto, ele não considera que esse fenômeno se encaixe em todas as áreas. Na maioria dos casos, são profissionais com habilidades com olhar para inovação, capacidade de organização para gerenciar vários projetos e não se prendem a uma rotina regular. “Ao mesmo tempo, isso, com certeza, vai depender totalmente da necessidade e desejo que aquele profissional está apresentando diante de um contexto ou cenário de vida”, pondera.
A psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade IDEAU de Passo Fundo, Mayara Galvan dos Santos, amplia a discussão informando que estes profissionais se dedicam a diferentes funções laborais, que não têm necessariamente relações diretas entre si. Por exemplo, um arquiteto que também é chef de cozinha.
Os slashers podem combinar habilidades, conhecimentos, interesses pessoais e hobbies, e produzem oportunidades e inserções profissionais diversificadas, todas remuneradas. “A partir disso, é fundamental retomar o entendimento do trabalho, enquanto atividade central na vida das pessoas. Por meio do trabalho, o ser humano não somente recebe uma remuneração por aquilo que faz, mas produz transformações, tanto para o trabalhador, quanto para a sociedade na qual está inserido”, contextualiza.
Vantagens de ser um slasher
De acordo com a professora da Escola da Indústria Criativa da Unisinos Paula Visoná a vantagem de ser um slash está em atender diferentes necessidades do mercado. Aliás, Paula é uma profissional multifacetada, pois, além de professora, é sócia de uma empresa de design e branding e co-fundadora da startup Radar ESG. “Este profissional consegue trabalhar em diferentes dimensões dentro da individualidade, da nossa maneira de compreender as informações”, comenta.
Segundo Valladares, a capacidade de relacionar múltiplas experiências adquiridas, a visão mais ampla e carregada de diversidade de olhares e correlacionar diferentes pontos são características que distinguem o slasher no mercado de trabalho. Em geral, ele acredita que este profissional apresenta mais apetite pelo risco, pela ousadia, pelas incertezas e também pelas inovações. “São pessoas mais entrosadas com o erro, com a tentativa, o ajuste e a experimentação”, argumenta.
A coordenadora do curso de Psicologia da Factum, Lisnéia Fabiani Bock, pontua como vantagem a flexibilidade para transitar entre diferentes oportunidades de trabalho, o que aumenta a segurança no emprego e a possibilidade de crescimento. Além disso, os slashers conseguem agregar valor por meio da combinação de conhecimentos distintos, o que pode ser um diferencial competitivo no mercado.
No contexto acadêmico, ela diz que essa multifuncionalidade é particularmente vantajosa. Profissionais que conseguem equilibrar atividades de ensino, pesquisa e extensão estão mais bem posicionados para atender às demandas da Educação Superior. “Na psicologia, essa multifuncionalidade amplia a compreensão do ser humano em diferentes contextos. Psicólogos que atuam tanto em clínicas quanto em organizações, escolas ou hospitais trazem uma visão mais rica e integrada das interações sociais e emocionais, possibilitando uma atuação mais completa e eficaz”, exemplifica.
Mayara destaca que, se até pouco tempo almejava-se a construção de uma carreira sólida em único lugar por um longo período de tempo, nos dias atuais, não é este o cenário desejado pelos jovens que ingressam no mercado de trabalho. Ela aponta que os slashers buscam a experimentação e a conciliação entre um formato considerado mais tradicional daquilo que é entendido como trabalho. “Um formato alternativo que incentiva seus processos criativos e que advenha, principalmente, daquilo que gera prazer e maior sentimento de realização pessoal”, sustenta.
Contrapartidas de um multifacetado
Administrar as diferentes agendas é um dos grandes desafios dos slashers, conforme sinaliza Paula. “Posso te dar esse relato por mim mesma. Nesse exato momento da entrevista, estou vivendo uma situação de quatro agendas sobrepostas. Isso gera um estado de ansiedade grande. Quem atendo está preocupado com aquilo que me demandaram e, claro, vou construir algum alinhamento, mas existe uma sobrecarga”, relata.
Outro percalço é a falta de compreensão do mercado quanto ao profissional multifacetado. Muitos departamentos de Recursos Humanos ou áreas similares costumam dar ênfase à especialidade e à especificação. “É difícil para o RH trabalhar com essa perspectiva de contratação de pessoas com diferentes habilidades e capacidades”, frisa.
Lisnéia salienta que a pressão por assumir várias responsabilidades pode levar ao acúmulo de tarefas e ao aumento das expectativas em relação à produtividade, que, com o tempo, pode resultar em esgotamento físico e emocional.
Outro desafio é o risco de dispersão de foco, pois estes profissionais que transitam entre diferentes áreas podem acabar desenvolvendo um conhecimento mais superficial em cada uma delas, comprometendo a profundidade necessária para a excelência em determinados campos. “A tentativa de conciliar múltiplos papéis, muitas vezes, resulta em uma perda de qualidade no desempenho, já que o profissional precisa dividir sua atenção entre várias demandas simultâneas”, conta.
Na visão de Mayara, o acúmulo de funções e a flexibilidade podem gerar maior precarização das atividades para o trabalhador, ainda que “mascaradas” com saídas criativas e/ou autônomas. “A possibilidade de vivenciar um trabalho em um formato mais livre provoca rompimentos com certas noções tradicionais, o que torna fundamental olhar e analisar esse fenômeno”, pontua.
Já Valladares sinaliza que, apesar do slasher se preparar mais para um mundo incerto e imprevisível, ao mesmo tempo, tem um lado desvantajoso. “Essa imprevisibilidade esbarra em muitas questões ligadas à saúde mental. Saber controlar a ansiedade, as dúvidas, os diferentes focos e concentrações, em um mundo cada vez mais imediatista, requer uma preparação gigantesca”, revela.
Porém, ele acredita que a vulnerabilidade é uma potência, que acarreta em não ter medo de buscar fazer aquilo que faz bem. “De uns seis anos para cá, aprendi sobre a importância da expressão ciclos de aprendizagem e passei a usá-la, principalmente, quando faço referências à minha experiência profissional. Gosto de aplicá-la para apresentar a visão de que todos nós não precisamos ter, necessariamente, uma única carreira a ser seguida”, destaca.
Afinal, como formar estes profissionais?
Diante deste panorama, a preparação do slasher, muitas vezes, é no modo “on the job”, ou seja, por meio de trocas, experiências, conexões, pessoas e criação de redes. Em outras palavras, aprender com a “mão na massa”, conforme sustenta Valladares.
Para ilustrar melhor, ele cita o futurista e consultor de empresas, o norte-americano Ian Beacraft. Ele defende o desenvolvimento de habilidades para cada situação contextual em detrimento de cargos e profissões. “Entendo que, para se viver diante de um novo sistema operacional do trabalho, considerando que estamos imersos em uma realidade baseada na Inteligência Artificial, vamos precisar, cada vez mais, de uma aprendizagem intencional. Ao invés de uma formação específica, é uma visão de PARA / COMO se aprende”, sentencia.
Na percepção de Paula, este profissional possui uma conexão muito forte com as áreas e os fazeres daquilo que é considerado indústrias culturais e criativas, como também com as áreas e os fazeres da economia da tecnologia. “São profissões que envolvem design, moda, fotografia, artes visuais, turismo, arquitetura, games e softwares”, completa.
Ela complementa que, atualmente, existe um alto apelo pela criatividade e inovação, algo que foi associado à perspectiva do slash de experimentar coisas em relação a conhecimentos práticos. “Tem muito mais a ver com abrir para possibilidades e experimentando possibilidades a partir dos interesses e da curiosidade de cada um do que com qualquer outra coisa”, ressalta.
Como exemplo, Pauta cita que a Unisinos possui o Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, Artes e Tecnologia (BIHAT). O curso não é focado somente em humanidades, artes e tecnologia, mas sim em perpassar estes conhecimentos para formar pessoas que possam lidar com a multiplicidade. “Ainda não é o nosso carro-chefe na universidade, porque as pessoas e o mercado ainda não compreenderam e se conectaram com esta ideia”, constata.
Lisnéia aponta que existe uma discussão sobre como as instituições de Ensino Superior podem se preparar para formar profissionais aptos a atender a essas novas exigências. Ela acredita que a introdução de disciplinas optativas e módulos complementares podem ampliar o repertório de habilidades dos estudantes, permitindo que eles adquiram competências em diferentes campos de atuação.
Esse tipo de flexibilidade permite que os estudantes construam percursos formativos personalizados, de acordo com suas aspirações profissionais e desenvolvam uma mentalidade aberta a novas oportunidades. “Um exemplo prático seria a inclusão de disciplinas relacionadas ao empreendedorismo, gestão de projetos ou habilidades digitais, que complementariam formações nas áreas de saúde, humanas ou exatas, potencializando a versatilidade do profissional slasher”, sugere.
Dada a velocidade com que novas tecnologias e práticas emergem no mercado, Lisnéia destaca o lifelong learning como indispensável para os slashers. “Programas de extensão, cursos de curta duração e módulos de atualização são exemplos de iniciativas que podem ser oferecidas para capacitar os profissionais de forma contínua. Além disso, o uso de plataformas digitais permite que essas ofertas de aprendizado sejam flexíveis, acessíveis e personalizáveis”, cita.
Além da formação técnica, ela aponta que o Ensino Superior deve focar no desenvolvimento de competências transversais, essenciais para a multifuncionalidade. Habilidades como liderança, comunicação eficaz, inteligência emocional e gestão do tempo são cada vez mais demandadas por empresas que valorizam profissionais capazes de lidar com múltiplos desafios de maneira eficiente e integrada. “O desenvolvimento dessas competências não só prepara o profissional para assumir diferentes funções, mas também para gerenciar a si mesmo em um contexto de múltiplas responsabilidades”, conclui.
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