O papel da escola diante da geração ansiosa

Pesquisas da Organização Mundial da Saúde já indicavam, antes mesmo da pandemia, o crescimento expressivo dos transtornos de ansiedade entre crianças e adolescentes


foto da psicóloga Daiane Gava, que está sentada em uma poltrona cinza e com braços cruzados

Daiane Gava

Psicóloga, especialista em psicologia cognitivo comportamental, em infância e adolescência, intervenções familiares e neurociência


Não é impressão. Nem exagero. Estamos diante de uma geração mais ansiosa. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde já indicavam, antes mesmo da pandemia, o crescimento expressivo dos transtornos de ansiedade entre crianças e adolescentes. No Brasil, após a pandemia um levantamento da UFMG apontou que 32% dos adolescentes entre 12 e 17 anos apresentam sintomas significativos de ansiedade.

Mas por que isso está acontecendo?

A resposta não é simples — e, definitivamente, não está na fragilidade da geração, como tantos gostam de alegar. O que temos é um acúmulo de fatores ambientais, sociais e emocionais que pressionam precocemente crianças e adolescentes, sem lhes oferecer os recursos necessários para lidar com tais demandas.

A infância e a adolescência de hoje acontecem em um cenário sem precedentes:

  • Vivemos uma hiperexposição a informações, muitas delas negativas, ameaçadoras e incontroláveis;
  • Existe uma pressão constante por desempenho, seja nas redes sociais, nas escolas ou nas comparações familiares;
  • A pandemia rompeu vínculos, alterou rotinas e intensificou medos, inseguranças e perdas — justamente durante um período crítico de desenvolvimento emocional;
  • Os espaços de pausa, silêncio e convivência genuína foram reduzidos drasticamente;
  • E, talvez o mais preocupante: as crianças cresceram em um mundo onde os adultos também estão ansiosos, exaustos e sobrecarregados — ou seja, sem modelos reguladores por perto.


O resultado disso tudo é uma sobrecarga emocional precoce. Não se trata de julgar essa geração por sentir mais — mas de entender que as condições históricas e culturais que a formam exigem de nós, adultos, uma nova postura educativa.

A ansiedade está aí. Está posta. E, como tudo que não é nomeado nem acolhido, ela vai se manifestar em comportamentos disfuncionais.

Cada vez mais comum, a cena se repete em muitas escolas: alunos que choram antes de uma prova, que travam na hora de apresentar um trabalho, que dizem estar com dor de barriga ou dor de cabeça nas vésperas de atividades avaliativas. Outros desistem antes de tentar, evitam desafios, ou se irritam com facilidade. Também há os que estudam horas, mas sentem que nunca sabem o suficiente. No fundo, há um ponto em comum entre todos esses comportamentos: a ansiedade.

E aqui está um ponto crucial: professores e famílias, mesmo bem-intencionados, muitas vezes alimentam esse ciclo sem perceber.

Frases como “essa prova vai ser muito difícil”, “quem não estudar vai reprovar”, ou “isso é coisa simples, vocês tinham obrigação de saber” ativam, nos alunos mais sensíveis ou exigentes, um estado de alerta constante. O medo do fracasso supera a motivação pela aprendizagem. Alguns paralisam. Outros disfarçam com desinteresse. Há também os que entram em rotinas exaustivas de estudo, sem prazer nem equilíbrio, apenas para evitar o sentimento de inadequação.

A escola, portanto, precisa entender que não se trata apenas de ensinar conteúdos, mas de criar condições emocionais para que eles possam ser aprendidos.

A psicologia já demonstra que o cérebro ansioso tem maior dificuldade de acessar funções como memória, raciocínio lógico e tomada de decisão — todas essenciais para o processo educativo. Quando o corpo está em estado de alerta, a prioridade inconsciente não é aprender, mas sobreviver. E isso vale tanto para crianças quanto para adolescentes.

Diante desse cenário, o que a escola pode fazer?

Primeiro, precisa reconhecer os sinais: ansiedade não aparece apenas como choro ou crise, mas também como evitação, silêncio, irritação, perfeccionismo, autocobrança. Segundo, é preciso formar professores e coordenadores para acolher essas manifestações com preparo, e não com julgamento ou ironia. A frase “isso é só uma prova” pode soar simples, mas para quem está ansioso, soa como indiferença.

Além disso, a escola precisa ensinar estratégias práticas de regulação emocional: organizar rotinas de forma mais previsível, oferecer espaços de escuta, ensinar respiração, reformular padrões de pensamento com os alunos, propor tarefas em etapas, flexibilizar quando necessário. E, acima de tudo, precisa abandonar o discurso da ameaça como método de motivação. Pressão e medo não educam. Paralisam.

Família e escola também devem caminhar juntas. Pais ansiosos muitas vezes passam seus medos aos filhos, mesmo sem perceber. O diálogo entre educadores e responsáveis é essencial para construir um ambiente coerente e protetivo.

Por fim, é necessário parar de tratar a educação socioemocional como um “extra”. A ansiedade não espera a aula temática sobre emoções. Ela se manifesta nas avaliações, nas relações, no recreio, nas expectativas. Ela já está no centro da escola — falta a escola estar no centro da sua compreensão e cuidado.

A geração ansiosa não precisa de mais pressão. Precisa de adultos preparados.

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