Pandemia estimula salto nas matrículas de graduação no Ensino a Distância

Em 2020, modalidade superou a educação presencial pela primeira vez, com 53% dos alunos novos matriculados em EaD, contra 47% do presencial

por: Tatiana Py Dutra | tatianapydutra@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

O Censo da Educação Superior, divulgado em fevereiro deste ano, revelou que, em 2020, o número de ingressantes na graduação na modalidade educação a distância (EaD) ultrapassou o total de matrículas do presencial pela primeira vez. Conforme os dados apurados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 3,7 milhões de alunos novos, 53% se matricularam em cursos EaD, contra 47% no presencial. Do total, 3,2 milhões (86%) foram para instituições privadas.

Essa superação já era aguardada, mas aconteceu mais depressa que o imaginado. Em 2019, quando o índice de ingressantes EaD era de 43,8%, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) projetava que o número ultrapassaria o presencial em quatro anos, mas a pandemia ajudou a acelerar o processo. Levantamento da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) aponta que a pandemia ajudou na consolidação do modelo, já que a oferta cresceu e o número de matrículas foi quase 50% maior. Isso, aliado a preços baixos, flexibilidade nos horários e locais de estudos e a economia com recursos em transporte público, incentivou a entrada de milhares de estudantes no Ensino Superior.

“O aluno perdeu a resistência ao ensino on-line e tem gostado deste novo modelo virtual, porque pode fazer uma aula teórica do conforto de sua casa, sem gastar com combustível, condução. Para quem trabalha e estuda, há mais comodidade, menos estresse com perda de tempo nos deslocamentos. As aulas virtuais contribuem para amenizar essa correria e contam com interação do professor e, também, do aluno. É um presencial-virtual”, declara o diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas.

O Censo Escolar, aliás, atribui exclusivamente à modalidade o aumento no volume total de matrículas entre 2019 e 2020. Nesses dois anos, o EaD teve uma variação positiva de 26,2% enquanto os cursos presenciais recuaram 13,9%. Entre 2010 e 2020, o crescimento do EaD foi de 428,2%. Porém, revezes também foram diagnosticados pelo levantamento da Abed, que apurou que em 21,6% dos cursos oferecidos a inadimplência cresceu em até 50% – mesma taxa de evasão escolar reportada em 27,5% dos cursos analisados. Entre os inadimplentes, 70% culparam a crise econômica pelo atraso dos pagamentos; e  47,1% dos desistentes afirmaram ter dificuldades de adaptação ao modelo.

Autonomia, mas com condições

É em alguns dos que seriam os principais trunfos da formação a distância que a PhD em Política Educacional Catarina Almeida dos Santos, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), identifica as principais fraquezas da EaD. Primeiro, por depositar nas mãos do estudante uma responsabilidade que o brasileiro não é “treinado” para ter.

“Esse negócio de autonomia não existe. Algumas pessoas são autodidatas, mas até para aprender sozinhos, é preciso ter condições.”

Catarina Almeida dos Santos, PhD em Política Educacional e professora da UnB

Catarina observa que boa parte do público da educação a distância são pessoas com menor renda, que vivem em locais distantes e que cresceram sem acesso a muitos bens culturais. Esses estudantes podem ter dificuldade de acesso à boa internet ou a dispositivos de informática adequados, e até mesmo carecer de cultura para usar essa tecnologia, acessar esses ambientes.

“Depois dessa barreira, eles ainda precisam compreender o processo. Nós não temos cultura de estudar sozinhos, na verdade, nós não temos cultura de estudar. Desde a Educação Básica, somos levados a usar o material da disciplina para fazer a prova, o trabalho. Não nos é incentivado ou dadas as condições para ler e pesquisar sozinhos. O Brasil não criou autonomia nos nossos sujeitos no processo de ensino-aprendizagem. Então imagine o que é chegar numa plataforma sem poder fazer uma pergunta ao professor, sem ter auxílio direto. E mandar uma mensagem para o professor não é a mesma coisa. Às vezes, o aluno tem tanta dificuldade, que nem consegue explicar sua dúvida”, avalia.

Reforçar a qualidade

Em entrevista recente ao jornal O Estado de Minas, o presidente da Abmes, Celso Niskier, celebrou o aumento de ingressantes no EaD, mas apontou para um desafio:

“Agora, como educadores, temos a responsabilidade de garantir que a modalidade EaD ofereça a mesma qualidade que os cursos presenciais”, afirmou.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, prevê a oferta de cursos à distância (exceto para o Ensino Fundamental), mas não há normativa que estabeleça todos os parâmetros para funcionamento. A lei determina que o governo promova, credencie e difunda a modalidade, mas que normas para produção, controle e avaliação dos programas caberão aos respectivos sistemas de ensino. A qualidade da oferta não entra em questão, e isso, para a professora Catarina Almeida dos Santos, é um grande motivo de preocupação.

“A EaD é uma modalidade que pode ou não ter qualidade, assim como o presencial. O processo de qualificar custa caro”, diz.

Apesar de as modalidades presencial e a distância terem naturezas diferentes, a professora alerta que as instituições que oferecem EaD precisam ter preocupações semelhantes às tradicionais antes de expandir a oferta de vagas. Conforme o Censo, a maioria dos docentes de cursos presenciais é composta por doutores (57,3%), enquanto na EaD, a maior parte é de mestres (49,5%). Para Catarina, a contratação de professores qualificados e bem remunerados, que atendam a um número limitado de alunos, é essencial para um bom ensino. 

Além disso, segundo ela, é preciso assegurar que os estudantes tenham acesso a outros insumos, como biblioteca, laboratório, pesquisa e extensão.

“Hoje, vamos estudantes de uma mesma instituição que são atendidos de forma muito diferentes, muito massificada. E essa massificação não vem acompanhada das condições de qualidade que lutamos que existam no presencial”, argumenta.

E garantir o aprendizado dos alunos ainda passa pela qualidade do conteúdo disponibilizado ao estudante.

“Há plataformas que oferecem um ambiente virtual de aprendizagem que é um repositório de materiais, com montes de PDFs, links com materiais disponíveis no YouTube. Não pode se resumir a isso. É preciso pensar em processos mais interativos e pedagógicos, gamificados, com itinerários formativos, perspectivas explicativas, e isso dá muito trabalho. Requer tempo e um conjunto de profissionais para produzi-los, ter gente assessorando os alunos para que ele possa se desenvolver sem tanto contato com o professor. Por isso, uma EaD de qualidade nunca é barata”.

Presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS), Bruno Eizerik chama a atenção para o fato de a educação à distância ser uma vital porta de ingresso para que o Ensino Superior cumpra as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Porém, se diz preocupado com o tipo de competição que está sendo travada entre as instituições.

“Assistimos anúncios de mensalidade de Ensino Superior por menos de R$ 50 e começamos a nos questionar sobre a qualidade. Por mais que seja uma modalidade que aposta em um número grande de alunos, será que vamos oferecer uma educação de grande qualidade com esse valor?”, indaga.

O presidente, porém, alerta que para avaliar qual tipo de profissional essas instituições estão formando, seriam necessários estudos que mensurem os resultados dos concluintes e em exames e, também, avaliem sua atuação no mercado de trabalho.

“Quem é o cliente do Ensino Superior? A sociedade. Estamos formando jovens e adultos para que tenham uma formação melhor e que façam um país melhor. Falta esse estudo para avaliar”, finaliza.

Diversificação para qualificar

Conforme a Abmes, a pandemia não só impulsionou a alta no número de alunos, mas também a diversificação do uso das mídias digitais no EaD. Conforme a instituição, 77% dos cursos usam vídeos e 55% podcasts nas aulas. Recursos para melhorar o usabilidade e acessibilidade das plataformas de ensino EAD, assim como outras estratégias para a realização de aulas on-line, também têm sido implementados. A meta é desconstruir a ideia de que cursos a distância são inferiores.

“Com a tecnologia e digitalização do mundo atual, as modalidades de ensino a distância são, absolutamente, capazes de ter a mesma efetividade que as presenciais. Mas, para isso acontecer, os educadores precisam compreender e diversificar as ferramentas disponíveis neste novo universo de ensino digital”, informa a Abmes.

O CEO da plataforma de cursos Clube Share, Rafael Martins acredita que a entrada no mercado de produtos de conhecimento on-line com carência de preparo pedagógico ou didáticos ajudou a criar uma má impressão sobre o modelo de ensino. Diferenciar-se da maioria e enfrentar a competição exige ações bem planejadas.

“Metodologia de ensino bem pensada, professores altamente qualificados, dinâmicas de aula que facilitem o aprendizado e entrem na rotina dos alunos e uma plataforma que seja intuitiva são pontos importantes para se diferenciar no mercado”, afirma.

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