Relações étnico-raciais no chão da escola

A pedagoga Fernanda Oliveira apresenta reflexões sobre a consciência negra nos espaços públicos e destaca a necessidade das crianças pretas poderem ser quem são

imagem: Freepik

Fernanda Oliveira

Gestora e coordenadora pedagógica do Projeto Social Oorun – @espaço.oorun e associada da Odabá. É pedagoga licenciada pelo UFRGS em 2019 e se dedica a pensar sobre a educação para as relações étnico-raciais nos espaços educativos por onde passa. Fernanda é professora há mais de 20 anos, concursada no município de Novo Hamburgo há 11 anos, além de ter atuado em diversas escolas da rede privada do Vale dos Sinos. Ela sonha com espaços públicos em que as crianças pretas possam ser quem são, com sua subjetividade, memórias e ancestralidade.

Que projeto de sociedade estamos construindo em nossas escolas? Quem nos convida à reflexão, é a professora Dra. Petronilha Gonçalves, relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História Afro-Brasileira e Africana (2004).

Essa pergunta pode ser inicialmente respondida, quando entramos em uma escola e observamos a relação do espaço educativo com as identidades étnicas que compõem o nosso país. A escola toda comunica! 

“A obrigatoriedade de inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica além de lei é uma decisão política pedagógica importante que gera impacto dentro e fora dos muros da escola”

Essa descolonização dos olhares, é um exercício de todos, afinal, o sujeito que nela passa, deveria aprender a se relacionar com conteúdos, ideias e concepções que o leve para o desenvolvimento de uma sociedade ética e democrática, e sem a inserção da história dos povos negros e indígenas isso não ocorre.

Crianças e adolescentes negros precisam se ver na escola. Crianças e adolescentes não negros precisam crescer convivendo com a diversidade racial, aprendendo a valorizar, respeitar e contribuir com a luta antirracista na sociedade.

Estudantes negros e negras têm mais chance de sucesso em sua vida escolar quando encontram professores que lhes ouvem e que apresentam conteúdos afirmativos, rompendo assim, a longo prazo, com os índices de evasão escolar que são altíssimos entre adolescentes negros. 

Após a pandemia, aumentou a discrepância entre leitores negros e brancos. Dados do IBGE mostram que, ao todo, 47,4% das crianças pretas não estão plenamente alfabetizadas; entre as pardas, o índice é 44,5%. Já entre crianças brancas, o número atual é de 35,1%.

A inclusão da História afro-brasileira nas escolas deve ocorrer em todo o percurso letivo e levar a criança e o adolescente ao conhecimento de sua ancestralidade à medida em que desenvolve as habilidades almejadas para cada etapa escolar. 

O movimento negro brasileiro por décadas lutou e luta por espaços dentro e fora da escola. Trago a memória de Oliveira Silveira, professor e poeta gaúcho, referência para constituir a data do 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, trazendo  Zumbi dos Palmares como líder e referência da luta e da resistência negra. 

Além do 20 de novembro, que ações são realizadas na escola? Será que nossas escolhas pedagógicas só se dão para contenção de situações de racismo? A educação étnica se estrutura para além de ações pontuais; ela rompe com as narrativas únicas sobre a história do nosso povo, apresenta outras agências formativas que não sejam o que há décadas foram construídas em nossos sistemas de ensino. Não somos descendentes de escravizados, somos oriundos de uma África matriz gestora de conhecimento, tecnologia, religiosidade e cultura.

Nossas crianças precisam se sentir incluídas nas relações de cuidado, afeto e desenvolvimento de suas identidades, crescendo em espaços educativos cercados de elementos naturais, brinquedos e demais objetos pedagógicos que contribuam com a sua autoimagem afirmativa e com o conhecimento dos valores civilizatórios africanos.

Precisamos apresentar aos estudantes autores negros, cientistas, pesquisadores, descobrir a África que a mídia não mostra e que a história se encarregou de esconder por séculos.  A literatura, arte e a música através da cultura do hip-hop, por exemplo, podem estar no cotidiano escolar pois têm conexão com as identidades dos alunos.

A obrigatoriedade de inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica além de lei é uma decisão política pedagógica importante que gera impacto dentro e fora dos muros da escola. 

Uma das formas mais eficazes de implementação nas escolas é iniciar através das formações dos professores e equipes diretivas, pois, para além da letra da lei, a aplicação da mesma se dá no dia a dia, nas intervenções, no acolhimento e no combate aos silenciamentos.

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