TDAH em adultos: quando o diagnóstico chega na fase adulta

Especialistas apontam que a detecção do transtorno na infância é fundamental para uma melhor trajetória de vida

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, indicam que entre 5% e 8% da população mundial sofre do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Na vida adulta, os sintomas mais presentes são desatenção, impulsividade e hiperatividade.

Conforme ressalta a neuropsicóloga e pesquisadora do Instituto do Cérebro (InsCer), Danielle Costa, o TDAH é complexo e heterogêneo. “O conjunto de sintomas é extenso e pode variar bastante de um indivíduo para o outro e de acordo com a faixa etária”, aponta.

Ela ainda indica que há diferenciações na expressão deste transtorno em adultos. A apresentação hiperativa, por exemplo, é mais frequente e intensa entre as crianças, ou seja, no início da infância os sintomas motores têm maior prevalência, enquanto na vida adulta ficam mais evidentes as questões mentais. “Alguns pacientes continuam a ter hiperatividade na vida adulta, a qual pode se manifestar como sensação subjetiva de ‘pensamento acelerado’ ou de inquietação”, pontua.

Como se trata de um transtorno do neurodesenvolvimento, ainda se considera que os sintomas devem estar presentes na infância – antes dos 12 anos de idade (de acordo com os critérios estabelecidos). Passando esta fase, é possível considerar que o diagnóstico está sendo realizado mais tardiamente (adolescência ou idade adulta).

Para detectar o TDAH, o diagnóstico clínico é realizado a partir de uma avaliação minuciosa em que se investigará se os sintomas apresentados são compatíveis com o transtorno. “Não há um exame de neuroimagem ou laboratorial para o diagnóstico, nenhum marcador biológico é diagnóstico para o transtorno, embora estes possam ser realizados buscando descartar outras condições”, pondera Danielle.

Em geral, o diagnóstico é realizado na infância, quando acontece a entrada na escola e demandas acadêmicas e sociais passam a representar desafios para a criança. Entretanto, muitas vezes, ele não ocorre nesta etapa, pois os sintomas são leves ou não limitam o cotidiano do indivíduo de forma perceptível. “Já na fase adulta há um aumento de demandas e aqueles sintomas, antes muito discretos, podem começar a se tornar mais explícitos e a impactar na funcionalidade do sujeito. Também é de se considerar se o indivíduo estava em tratamento ou não, pois isto impacta nesta flutuação dos sintomas”, enfatiza.

O chefe do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Luis Augusto Paim Rohde, reforça que é muito presente em adultos as dificuldades atencionais e de função executiva. Podem se manifestar por meio da procrastinação, da dificuldade de poder executar as coisas do dia a dia e da impulsividade cognitiva. 

Rohde também é coordenador-geral do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade (ProDAH) e destaca que é possível entender, com mais evidências, os porquês do aumento de casos de TDAH em adultos. Atualmente, o programa atende e pesquisa cerca de 1,3 mil crianças e adolescentes e 1,5 mil adultos. “Em nosso programa, quando vamos avaliar com mais detalhes uma mulher, por exemplo, essa tem uma história de vida característica de TDAH que nunca foi pensado. Esse acréscimo de casos deve-se porque não era avaliado tanto o transtorno em adultos, muito menos em mulheres”, enfatiza.

Ainda, segundo o especialista, certos comportamentos passam despercebidos ainda na infância. “Os meninos costumam apresentar mais o componente de hiperatividade em casa e na escola, sendo levados ao tratamento. Já as meninas não, são vistas como desatentas, ficam quietinhas na sala de aula, não são tão percebidas”, explica.

A importância de diagnosticar

A psicóloga e especialista em Neurociência e Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rosana Vieira de Souza, pontua que o diagnóstico, mesmo na fase adulta, é importante para que seja possível o melhor planejamento terapêutico. Este pode incluir uma eventual necessidade de medicações e intervenções não farmacológicas. 

Com a adequada orientação da equipe de saúde, a pessoa pode desenvolver estratégias que vão auxiliá-la nas demandas do cotidiano, tendo em vista os principais prejuízos e dificuldades enfrentados. “A psicoterapia de orientação cognitivo-comportamental, por exemplo, pode ser um importante aliado para o aprendizado de estratégias de resolução de problemas, manejo do tempo e automonitoramento, entre outras”, aponta.

Não identificar e tratar o TDAH pode trazer prejuízos sociais e emocionais, impactando na qualidade de vida destes adultos. O não tratamento pode favorecer o surgimento de outros sintomas ou transtornos, tais como depressão, ansiedade, uso de substâncias, entre outros. A autoestima também é um grande diferenciador do transtorno na fase adulta. “Ao perceber as próprias dificuldades, as pessoas, muitas vezes, sentem-se menos capazes ou competentes para lidar com as demandas laborais ou sociais. Sem o acompanhamento adequado, este adulto passa a ter comprometida sua percepção de autoeficácia, impactando na autoimagem”, salienta.

As alternativas para o transtorno

A tríade de atendimento (psiquiátrico, psicológico e psicopedagógico) funciona muito bem para adultos com o transtorno, segundo a especialista em Educação Especial e Inclusiva e professora na UniRitter, Denise Costa Ceroni. Para ela, cada profissional ficará dentro da sua esfera para potencializar aquela pessoa que seja capaz de aprender, se relacionar, viver bem a vida. No entanto, Denise alerta que esse atendimento não pode ser descontinuado de uma hora para outra. “Aos poucos, estamos desconstruindo preconceitos que envolvem a saúde mental, como havia com o TDAH”, salienta.

Rohde reforça que, por meio de evidências científicas, existe a necessidade de uma adequada psico-educação, ou seja, fazer com que este adulto entenda que seu comportamento não está associado à preguiça, à incompetência ou à falta de força de vontade, mas são apenas percepções e rótulos. “Outra evidência são as terapias cognitivo-comportamentais, que vão ajudar o adulto a criar estratégias para poder lidar com as suas deficiências por meio de planejamento e desenvolvimento de ferramentas que possam manter ele com menos esquecimento e enfrentar a procrastinação”, pontua.

O uso de medicação é indicado para muitos adultos que têm prejuízos funcionais importantes associados aos sintomas. “Essa é uma condição que tem uma base biológica e é preciso que a gente possa estruturar do ponto de vista neuroquímico o funcionamento cerebral”, diz.

A importância da escola

Na visão de Rohde é fundamental capacitar os professores para o reconhecimento do TDAH, isso para que estejam ainda mais aptos a desenvolverem estratégias para acolher melhor a criança e o adolescente com o transtorno. “Esse reconhecimento precoce vai amenizar uma série de desfechos negativos associados ao transtorno. Portanto, a detecção na escola durante a infância e a adolescência é fundamental para uma melhor trajetória desse indivíduo”, afirma.

Outro ponto levantado pelo especialista é quando este adulto chega ao ensino superior, sendo importante estratégias de acolhimento. “É reconhecer esses indivíduos e acomodá-los dentro das suas características”, ressalva.

Aliás, Rohde comenta sobre um estudo, desenvolvido pelo ProDAH, que está em andamento com universitários do primeiro semestre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da PUCRS, e com estudantes de pré-vestibular. “Estamos avaliando indivíduos com e sem TDAH, as estratégias de acomodação. Hoje em dia, as provas de vestibular e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) têm tempo estendido de uma hora para quem tem o transtorno. Precisamos nos basear em evidência científica e não simplesmente em uma determinação que vai ser uma hora para todo mundo com TDAH. A ideia é ver quais as estratégias que podem funcionar melhor para essas pessoas”, explica.

Já Denise acredita que o grande desafio é desmistificar ainda mais o pensamento sobre o TDAH, sendo que o ambiente escolar pode ajudar nesta causa. “Por exemplo, pode ter uma professora que se queixa de determinado aluno, afirmando que para correr no recreio está sempre bem, mas quando é para copiar um texto, não consegue. Os educadores devem ter seus conhecimentos atualizados sobre TDAH por meio das evidências científicas, e, assim, desenvolver uma maior paciência com essas crianças”, sugere.

Dentro da psicopedagogia, Denise cita as “modalidades de aprendizagem” em que é um olhar para a sala de aula e para os estudantes. “Independente da condição, com TDAH, TEA, bipolaridade, nada impede o sujeito de aprender. Somos seres de aprendizagem e é preciso reforçar positivamente os comportamentos, as atitudes e ter muito cuidado com a autoestima dessa pessoa”, diz.

Ela sugere desenvolver programas que possam mudar o comportamento em relação ao TDAH. “É saber que essa pessoa com transtorno é capaz de aprender. Não há impedimento de inteligência e má vontade, é uma questão neurológica. Temos que ter acolhimento, respeito, fazer com que essas pessoas possam confiar e entender como um parceiro, que vai estar ao lado para dar sustento às suas necessidades”, reforça.

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