Transtorno do Espectro Autista: dicas para uma educação inclusiva e eficiente

Características inerentes a quem convive com a condição exigem atenção especial dos educadores. Formação continuada e adaptação dos espaços de aprendizagem estão entre as soluções

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

Normativa do Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS) publicada no Diário Oficial em março deste ano ratifica a oferta de educação especial em todas as instituições escolares. Na prática, pouco muda. O que também não é novidade para os educadores é o desafio de desenvolver atividades curriculares que atendam de forma inclusiva os alunos público-alvo da Educação Especial, como os que apresentam o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

No Rio Grande do Sul, segundo o Censo Escolar, a rede privada de ensino conta com 5,2 mil alunos com deficiências, transtorno do espectro autista e altas habilidades/superdotação em classes comuns, dos quais 2,1 mil convivem com o TEA. Já nas classes exclusivas, a rede privada gaúcha atende quase 11 mil alunos, sendo 1 mil com TEA.

Desde janeiro de 2022, o transtorno consta como um diagnóstico unificado na nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, a CID-11, lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Agora, todos os transtornos fazem parte do espectro de autismo – entram nessa lista autismo infantil, Síndrome de Rett, Síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância e o transtorno com hipercinesia.

O TEA pode ser classificado em três níveis, de acordo com a quantidade de apoio que a pessoa necessita para desempenhar a maior parte das atividades do seu dia a dia. “Aquela que apresenta maior capacidade de realizar suas funções de forma autônoma apresenta nível 1, ou leve, e a que necessita de apoio para quase todas suas funções apresenta nível 3, ou grave”, explica a médica psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento Ana Soledade Graeff Martins.

Entre as principais características do TEA estão dificuldades na interação e na comunicação social e uma gama de sintomas, que correspondem a um apego muito grande a rotinas e a comportamentos repetitivos, que podem ser tanto movimentos quanto interesses específicos e exagerados por algum assunto. Outras maneiras que podem estar presentes e vêm sendo mais estudadas são os déficits de processamento sensorial: hipo ou hipersensibilidade a estímulos auditivos, visuais e táteis, entre outros.

Em relação a como inserir crianças e adolescentes na escola regular, é necessário que se identifique que tipo de apoio é preciso, pois as demandas são muito variadas. “A maioria dos jovens necessita de adaptação no currículo escolar”, ressalta Ana Soledade.

Experiências de um autista: aluno e professor

Mestrando em Informática na Educação, Willian Chimura apresenta TEA leve, antes intitulado Síndrome de Asperger. Ele também é programador e youtuber – em 2019, criou o canal que leva seu nome, onde apresenta o “universo do autismo”. É uma maneira de facilitar a compreensão de como agem as pessoas com TEA.

Com o olhar de professor, Chimura acredita que cada aluno merece atenção e é preciso uma maior articulação entre escola, profissionais de saúde e família. “Não envolve somente o autista, é difícil separar só saúde ou educação. Para acolher melhor o autista é preciso dessa união da família e de quem lida com a saúde e a educação das pessoas com TEA”, sugere.

Chimura acredita que a tecnologia pode auxiliar os alunos em sala de aula – e não precisa ser a mais sofisticada, basta algo convencional como o uso de uma impressora ou um software básico de edição. “Considerando que os interesses dos autistas são muito restritos e intensos por um determinado tema ou personagem, o professor adapta uma atividade em sala de aula. Quem sabe, em um futuro próximo, possam ser inseridas as mesas digitais”, projeta.

A forma de lecionar e o ambiente de sala de aula

Para a terapeuta ocupacional e psicopedagoga Viviane de Leon, primeiramente é de suma importância promover uma capacitação aos professores e orientação aos pais. “O TEA de base neurobiológica e genética afeta a forma como a criança aprende e se desenvolve. Portanto, uma série de estratégias de suporte precisa ser aplicada na escola e em casa, com a devida orientação de equipe transdisciplinar especializada no tema”, explica.

Autora de diversos livros sobre autismo, Viviane acredita que todos devem promover a psicoeducação desde as habilidades mais iniciais de interação social. “Desde olhar e apontar, passando por ensinar a brincar e, na escola, procurar também o avanço em habilidades acadêmicas. Em casa, a ênfase deve ser na autonomia”, completa.

São necessárias diversas adaptações para deixar a sala de aula apta a receber alunos de diferentes espectros – como o ajuste do tamanho de mesas e cadeiras, promoção de espaços sensoriais e de relaxamento. “Crianças com extrema hiperreatividade sensorial podem usar dispositivos como mordedores, óculos, coletes de peso, abafadores sensoriais e momentos de pausa fora da sala. Desde que haja recomendação da equipe especialista”, ressalta Viviane de Leon.

Formação continuada para docentes

O Instituto Rodrigo Mendes (IRM) mantém uma plataforma de Ensino a Distância (EAD) com cursos (alguns gratuitos) sobre educação especial. O objetivo é promover a formação de educadores e gestores sobre educação na perspectiva inclusiva em larga escala, oferecendo um catálogo de cursos. A iniciativa permite a consolidação e a ampliação de portfólio de soluções e estratégias pedagógicas, bem como o fortalecimento da rede de boas práticas.

“A ideia veio com o intuito da formação continuada em serviço na área da educação. Já estamos com mais de 110 mil docentes inscritos em todo o país até o momento. Essa foi uma maneira de inserirmos a educação inclusiva. Você não muda a forma de pensar de uma hora para outra, com apenas uma lei. Existe todo um processo e demos o pontapé inicial para isso”, explica o Luiz Conceição, coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes.

Sala de aula adaptada aos autistas 

Desde 2016, o Colégio Concórdia de Porto Alegre criou o seu plano pedagógico para o atendimento de crianças da Educação Infantil aos jovens do Ensino Médio. Muitas famílias procuram o colégio para o acolhimento dos seus filhos devido ao modo de aprendizagem: dos 45 alunos de inclusão matriculados na instituição, 36 se enquadram no TEA.

Um dos grandes diferenciais do Concórdia é a sala de recursos multifuncionais, onde são realizadas atividades no turno inverso. Equipada de um espaço sensorial, que regula sons e luminosidade, além de jogos e brinquedos, o local busca realizar atividades que complementam o trabalho da sala de aula regular.

A média de uso deste espaço é de uma a duas vezes por semana, com acompanhamento de um professor. “É o momento de organização motora desses estudantes. Podem usar de maneira individual ou em grupo, de acordo com a faixa etária e seus interesses. Tudo é realizado dentro de uma rotina, com previsibilidade do que vai acontecer. Se houver imprevisto, os preparamos para isso”, comenta a coordenadora de inclusão do Colégio Concórdia Porto Alegre, Cristiane de Lorenzo.

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) já demonstra resultados. A implementação desse processo mostrou ganhos acadêmicos efetivos, com jovens com TEA ingressando em universidades – e também benefícios na vida em geral, tornando-os pessoas mais preparadas para situações como atravessar a rua ou fazer refeições em locais públicos de grande circulação.

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