Validação das emoções pode prevenir o suicídio entre crianças e adolescentes

Para Marcela Pohlmann, médica psiquiatra e psicanalista, estabelecer vínculos de confiança entre pais e escola é fundamental no processo de sofrimento mental

imagem: Freepik

Marcela Pohlmann

Médica psiquiatra e psicanalista.

Sempre que pensamos em suicídio nos deparamos com um tema difícil de falar – e que por muito tempo foi tratado como tabu. O Setembro Amarelo tem o impacto de enfrentar este problema com a relevância que necessita. Porém, precisamos falar de prevenção ao suicídio durante todos os meses do ano. Quando ficamos sabendo de um suicídio, costuma ser uma imagem trágica em, imediatamente, nos perguntamos: “O que aconteceu?” Escaneamos os dias anteriores para tentar entender, mas o suicídio, muitas vezes, é transgeracional. 

Precisamos ligar o suicídio a um processo de uma condição de vida que começou desde o nascimento. A prevenção começa quando nasce um bebê. Hoje sabemos que a prevenção em saúde mental (cujo transtorno pode desencadear em depressão, dependência a drogas e outras doenças) começa no princípio. A base de uma boa saúde mental é o estabelecimento de um bom vínculo entre pais e bebê. Aí que começa a prevenção – não somente ao suicídio, mas de qualquer transtorno mental que possa levar ao suicídio. Pessoas com bons vínculos, sejam eles na família ou na escola, quando apresentarem algum sofrimento, vão saber a quem recorrer e pedir ajuda.

E os sintomas vão nos contar uma história. Se um adolescente começa a se isolar, se afastar dos amigos e ficar muito no quarto, o que ele quer nos dizer? Na maioria das vezes, a pessoa que está em sofrimento nos conta o que está sentindo, nem sempre com palavras. Precisamos estar atentos ao que aquelas pessoas ou aquele corpo está nos contando. E é muito importante valorizarmos o que ela nos conta e a maneira como ela está conseguindo manifestar aquela história, que tem a ver com o sofrimento que está aparecendo. 

Costumamos dizer que a puberdade e a adolescência são palco para o reativamento de emoções que já foram vividas, mas que, muitas vezes, não tiveram a oportunidade de serem compreendidas na época em que ocorreram. Traumas vividos pela pessoa na infância, muitas vezes são traumas sexuais, emocionais ou de negligência. Mas também, pode ser algo que escapa do conhecimento dos pais e que tem a ver com a vivência subjetiva da criança. Na concepção da mente, é tudo aquilo que excede o aparelho psíquico de poder processar. Às vezes, as emoções podem ser até mesmo de excitação, mas que aquela pessoa não estava preparada para viver determinada vivência naquele momento e fica como se fosse em stand by, esperando um outro momento para ser compreendido. 

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E na puberdade, com mudanças ocorridas no corpo e na mente, pode ser uma oportunidade para o psiquismo escoar aquilo que ficou represado. Às vezes, pode ser qualquer coisa, uma emoção qualquer pode puxar aquilo que ficou sem entendimento lá no passado. Se a pessoa que começa a sofrer se sente validada nas suas emoções, ela sente que pode confiar nas pessoas próximas. Talvez ela vá conseguir expressar aquilo que está se passando com ela e essa expressão nem sempre é feita por palavras. Porque na maioria das vezes, nem ela sabe o que se passa. Mas ela vai ficar mais grudada aos cuidadores, ou vai se afastar dos cuidadores, vai se ligar mais aos amigos próximos, ou até mesmo pedir para ser acompanhada por um profissional. Essas pessoas geralmente são as que conseguem se sair melhor das crises emocionais. 

O que nos preocupa é a criança ou o adolescente que não sente que pode manifestar o que pensa ou o que está sentindo. É a criança que quando caía ouvia “não chora, não foi nada”, ou que quando precisava ser acalmada os cuidadores apresentavam a ela indiferença ou ansiedade. Essa criança cresce acreditando que não pode mostrar o que sente. Como é que essa pessoa vai conseguir acreditar que em algum momento da vida ela será acolhida de forma diferente? Por isso é tão importante que a prevenção comece desde o nascimento. Pais que tiveram este tipo de relação com seus cuidadores nem sempre conseguirão entrar em contato com os seus próprios sofrimentos para poder mudar sua própria história e acolher sua criança interior para poder acolher seu filho ou filha de forma diferente do que fizeram com ele.

Uma coisa muito importante e essencial é, então, saber pedir ajuda o mais rápido possível quando se identifica um sofrimento, ou algo diferente do comportamento daquela criança ou jovem. Nem sempre o comportamento muda de forma brusca. Crianças podem começar a se machucar mais do que normalmente e adolescentes podem iniciar com cortes, comportamentos de risco como uso de álcool, afastamento dos cuidadores e dificuldades escolares. É importante sempre valorizar quando se fala em suicídio. Esta pessoa está chamando a atenção sim, mas para o seu sofrimento. Por isso, sempre precisamos encarar com um pedido de ajuda.

A principal forma de ajudar alguém, independentemente da idade, a passar por uma crise é estar próximo, não cobrar que melhore logo e que nos ajude a lembrar que aquilo que está sentindo vai passar. Uma pessoa que está com depressão só vai piorar se as pessoas que estão próximas duvidaram do que ela está sentindo. Uma pessoa que está com depressão nem sempre irá se apresentar da mesma forma todos os dias, o que, às vezes, sem conhecimento dos detalhes do transtorno, pode levar a comentários que fazem com quem está sofrendo se afaste ainda mais das pessoas para evitar sofrer. 

Temos que pensar que uma pessoa deprimida está com uma reserva emocional muito baixa, tentando dar conta do máximo que consegue, e quando precisa lidar com qualquer coisa a mais pode ter o seu desespero ou a desesperança potencializados. Por isso, é importante ficar ao lado e cuidar. Perguntar o que você está precisando. Estar ao lado sem cobrar por melhora. A pessoa deprimida ou com ansiedade está olhando a vida com uma lente de aumento sempre para o lado negativo, então é importante lembrar a pessoa que ela está pensando assim porque está deprimida, acolher o que a pessoa pensa e sente. 

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