Violências sexual e física infantil: o papel da escola para combater o problema

Iniciativas de conscientização e proteção às crianças e aos adolescentes, bem como formas de denúncias, estão disponíveis. Os educadores são peças-chaves para ajudá-los

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

O ambiente escolar pode se transformar em um instrumento importante de prevenção e combate às violências física e sexual contra crianças e adolescentes. Um reduto para ajudar os jovens a evitar ou sair de perigos provocados por adultos. E falamos de uma realidade preocupante, na qual repressão e submissão podem se tornar recorrentes.

Um dos dados alarmantes é o da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que aponta que uma em cada cinco estudantes de 13 a 17 anos dizem já terem sido tocadas, beijadas ou expostas contra a vontade. Quase 9% afirmaram terem sido forçadas ao sexo. Os meninos também são vítimas: 9% relataram já terem sidos importunados sexualmente; e 3,6%, obrigados a fazer sexo. 

Várias ações de proteção às crianças e aos adolescentes foram criadas e podem ser mais estimuladas. As atitudes preventivas ou propositivas podem e estão fazendo a diferença.

Uma campanha de estímulo à defesa das crianças

Ampliar a discussão sobre uso mais seguro da internet e prevenção de riscos por parte de crianças e adolescentes. É com esses princípios que a campanha Defenda-se, do Grupo Marista, é desenvolvida desde 2014. 

“Notamos uma evolução no aumento de denúncias, a percepção das pessoas sobre o que é uma violência sexual, mas ainda tem muito para avançar. Em muitas vezes, a violência é utilizada como repressão a uma criança, tem uma raiz cultural e histórica”, relata a responsável pelo Programa Defenda-se, do Centro Marista de Defesa da Infância, Cecília Landarin Heleno.

A iniciativa possui animações que trazem mensagens sobre o acesso precoce à tecnologia, cuidado com o compartilhamento de imagens e informações pessoais. Há também uma mensagem para pais e responsáveis sobre a importância de acompanhar e monitorar o acesso. 

As histórias apresentam situações em que os protagonistas têm condições reais de agir preventivamente para sua defesa, especialmente pelo reconhecimento de estratégias que dificultam a ação dos agressores. Abordam sentimentos, conhecer o próprio corpo, privacidade, formas de carinho, direitos de crianças e adolescentes e como denunciar situações de violência. 

Para serem acessíveis a todos, os vídeos da campanha Defenda-se possuem versões em inglês, espanhol, audiodescrição e tradução para Libras.

Outra ação elaborada é o jogo de cartas Revelação Espontânea. A proposta é orientar os múltiplos profissionais da escola e dos espaços de educação não formal sobre a revelação espontânea de violência. O material pode ser utilizado em momentos de reunião de equipe, diálogos com as famílias dos educandos, formações, dinâmicas, estudos de caso ou mesmo como fonte a ser consultada quando situações de violência surgirem nos espaços educativos.

O Defenda-se também estimula colégios maristas em ações de prevenção ao abuso sexual. Livros contaram com o suporte desse do programa, como o “Mina e suas Luzinhas” e “Um bairro contra o Silêncio”. 

Para Cecília, o ensino tem papel fundamental nessa desconstrução da cultura de que as crianças não dispõem do direito de opinar ou errar. “As crianças também possuem direitos à fala, precisam ser assistidas em suas vidas”, conclui.

Um protejo educativo para a prevenção da violência

Com o intuito de servir de apoio a famílias e educadores em conversas com as crianças sobre seus corpos e como protegê-los, foi criada a ação Eu Me Protejo. Totalmente independente e voluntária, a iniciativa foi pensada justamente para oferecer materiais fáceis de serem usados pelos docentes em todo o país. 

No portal estão disponíveis vários recursos lúdicos. Com conteúdos gratuitos, o site disponibiliza livros, cartilhas, músicas, entre outros materiais em linguagem simples e com acessibilidade. O foco é para crianças com e sem deficiência de zero a oito anos e os conteúdos são para serem lidos junto com os pais, parentes ou educadores. Também dispõe de uma seção com diversas recomendações para os adultos de como conversar sobre assuntos envolvendo abusos.

Pensando na formação de professores, foram elaborados conteúdos online. Pelo Youtube estão disponíveis aulas para assistir.

Conforme destaca uma das idealizadoras do Eu Me Protejo, Patrícia Almeida, os conteúdos foram baseados justamente nas necessidades dos educadores. “Eles podem mandar suas dúvidas por e-mail ou Instagram. Adoramos receber retorno, sugestões e experiências. Já fizemos ajustes nas cartilhas e incorporamos ideias enviadas por professores”, frisa.

Os materiais foram elaborados seguindo as diretrizes da Linguagem Simples e do Desenho Universal para a Aprendizagem, tem versão em Libras e com audiodescrição, podendo ser usado em escolas inclusivas por ser acessível a crianças e pessoas com e sem deficiência.

Os personagens criados no Eu Me Protejo refletem a diversidade humana, com diferentes características, cores de pele, deficiência, crianças com óculos, com sobrepeso. A identidade visual foi desenvolvida para ser compartilhada nas redes sociais como YouTube e TikTok.

Os docentes podem ajudar usando, sugerindo melhorias e compartilhando os materiais desenvolvidos. “Incorpore o assunto no dia a dia da escola. Vamos fortalecer as crianças com informação para que elas cresçam saudáveis e felizes, se protegendo, tendo orgulho do seu corpo e respeitando o próprio corpo e os corpos do outros”, diz Patrícia.

Órgão público cria iniciativas online de proteção aos jovens 

Dentro do contexto no meio digital, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS) promove diversas iniciativas voltadas à proteção da criança e do adolescente: o MP On. No espaço constam materiais sobre os riscos a que crianças e adolescentes estão expostos na internet.

Entre as ações, está a campanha de prevenção ao abuso sexual infantil, o FALE, uma parceria com a ONG Internet Watch Foundation (IWF) com a proposta de auxiliar pais e cuidadores a lidarem com este problema. Uma cartilha serve como um guia para pais e educadores a participarem da vida online de crianças e adolescentes, prevenindo que se tornem alvo de aliciadores sexuais na internet. 

Outro serviço, com foco no público infantil, é o Fale com a Manú, disponível no Facebook. Por inteligência artificial, a personagem orienta jovens que podem estar se sentindo vulneráveis, para tirar dúvidas e oferecer informações. 

As escolas têm a missão de notificar as autoridades sobre qualquer suspeita de violência sofrida por crianças e adolescentes. “Muitas vezes, essas violências não deixam marcas, mas é preciso que se verifiquem pernas, braços, sinais de automutilação. Sempre com delicadeza, sem intromissão na vida privada. Sabemos que, normalmente, a porta de entrada do sistema de garantia é a escola. É na escola que crianças e adolescentes se sentem mais seguros para trazer alguma situação”, frisa a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do MPRS, Luciana Cano Casarotto.

A revelação espontânea é algo que os educadores podem acolher. “Não fazer muitas perguntas diretas sobre o que aconteceu, mas acolher aquilo que a criança e o adolescente trouxeram de uma forma aberta para, então, encaminhar o relato às autoridades competentes, ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público”, indica a coordenadora.

Especialista alerta sobre as mudanças de comportamento 

Muito devido à vergonha e à falta de percepção do que é certo ou errado, os educadores precisam estar com a atenção redobrada às mudanças de comportamento dos jovens e, após notarem algo diferente, sinalizarem para a orientação pedagógica. “Uma queda no rendimento escolar, não prestar atenção nas aulas, quando é algo muito acentuado, um fato grave pode ter ocorrido. É importante sinalizar uma investigação e acompanhar o que houve”, salienta a coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade La Salle, Michelle Bertoglio Clos. 

No caso de crianças, existe mais dificuldades de verbalizar, pois muitas vezes a família não acredita ou não entende aquilo que tentou ser externado. “A criança é muito exposta, pois necessita de cuidados de outros. Já com os adolescentes é algo velado, podem ser pessoas do seu convívio ou muito próximas. Tanto meninas, como meninos (não tão relatados) sofrem essas violências”, contextualiza.

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