Como a sala de aula pode contribuir na educação midiática
Especialistas apontam a importância de encaixar a temática na formação de professores e no debate em sala de aula
“Excesso de censura”. Foi com esta justificativa que Mark Zuckerberg, presidente-executivo da Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou a decisão de encerrar o programa de verificação de fatos publicados nas redes sociais, no início de janeiro. Até o momento, a decisão vale apenas nos Estados Unidos. Zuckerberg, entretanto, disse ser apenas o começo e que a mudança valerá, futuramente, para todos os países.
A verificação dos fatos era feita por agências parceiras, que também auxiliavam na moderação de postagens. Segundo a Meta, com a mudança, os filtros de verificação serão ajustados e aprimorados para se tornarem mais eficientes e precisos nas análises antes de decidir pela remoção de um conteúdo. Em casos considerados pela empresa como de “menor gravidade”, os próprios usuários poderão adicionar notas, como complemento ao conteúdo, para corrigir alguma informação. Especialistas apontam ineficácia na verificação das informações, a partir desse novo formato. Para eles, as mudanças só irão contribuir para a desinformação e acesso aos fatos de forma limitada, ou seja, com apenas um viés.
Menos checagem, mais desinformação
Em qualquer país a mudança terá impacto no processo de informação. O coordenador pedagógico do Instituto Palavra Aberta, Bruno Ferreira, destaca que a desinformação é um tema desafiador para toda a sociedade e, no âmbito escolar, também terão reflexos. Ferreira comenta que nem todas as pessoas – inclusive da comunidade escolar – têm a cultura de verificar a informação ou de ter fontes variadas para fazer um comparativo entre as abordagens dos veículos de comunicação, ficando limitados a um discurso, que poderá ser reproduzido na sala de aula.
O professor de Jornalismo de Dados e Desinformação da PUCRS, Marcelo da Fontoura nota uma dificuldade no uso de ferramentas de busca. Fontoura destaca que redes sociais, como o Tiktok, têm conteúdo, mas não com a diversidade de fonte disponível em um site de busca. “Ou a busca via ferramentas de Inteligência Artificial, por exemplo, que não é uma ferramenta de busca, mas é usada como. Ele te dá uma resposta ali, pronta, então o uso acaba sendo mais limitado”, comenta o professor.
Ferreira também diz que a falta de tempo é um fator que contribui para a ausência de checagem por parte de quem recebe a informação. Por exemplo, ao verem um fato informado em uma determinada rede social, as pessoas o entendem como válido, o que nem sempre é. “O desafio está não apenas em entender essa questão, mas de estimular novos hábitos. A começar pelo próprio docente, que também precisa ter uma relação mais responsável com as mensagens da mídia que ele consome e, depois, para desenvolver práticas pedagógicas nesse sentido”, diz o coordenador pedagógico.
Trabalho de educação midiática nas escolas ainda mais necessário
Para contribuir no processo informacional, a educação midiática atua de base para a comunidade escolar e também na vida, como na elaboração do senso crítico. O primeiro passo, na visão de Fontoura, é trabalhar nas escolas o conceito de fonte confiável. “Isso é uma coisa que não tem uma resposta única, é algo que demora. É com o tempo que a gente vai identificando as melhores e as piores fontes e acho que esse é um papel importante das escolas”, pontua o professor.
Já Ferreira ressalta que, para muitos, a educação midiática e as metodologias ativas estão intrinsecamente associadas e que não é possível ensinar sem uma perspectiva ativa que estimule o estudante a investigar e a criar. Para ele, essa investigação se dá a partir das mídias que os estudantes utilizam, as fontes de informação disponíveis no mundo digital, para compreenderem melhor sobre um tema ou sobre um fato.
“E depois de levantarem essas informações, aí sim vem a parte crítica, que é analisar essas fontes, entender a confiabilidade delas para fazer uma curadoria de informações envolvendo conteúdos não apenas confiáveis, mas também pertinentes ao objetivo daqueles estudantes. Então, as mídias podem ajudar a diversificar a sistematização e a difusão das descobertas dos estudantes”, acrescenta Ferreira.
A especialista em fact-checking e criadora da iniciativa Afonte Jornalismo de Dados, Taís Seibt, destaca que educação midiática não é só falar de fake news e desinformação. “Há muitas outras consequências, desde questões de saúde mental, vulnerabilidades sociais, golpes financeiros, crimes cibernéticos”, adianta Taís.
Ela ainda afirma que tudo isso está associado à compreensão das plataformas de uma forma mais ampla e mais crítica, que está longe de ser uma realidade mesmo entre crianças e jovens. “Até mesmo porque crianças nem deveriam estar nesses ambientes conectados de forma irrestrita e sem supervisão. Se nós aceitamos que é ok crianças e adolescentes viverem nessas plataformas, no mínimo precisamos educá-las para isso”, pontua Taís.
A teoria na prática
Taís comenta que não existe uma fórmula pronta para que professores e gestores auxiliem os mais jovens neste processo, mas defende que a reflexão e o aprendizado contínuo e compartilhado contribuem consideravelmente. “Ter o celular ligado em cima da classe apitando notificações só traz prejuízos pedagogicamente, mas usar essa ferramenta e suas potencialidades para criar um conteúdo que expresse o aprendizado construído em sala de aula, com a colaboração dos colegas e a supervisão dos professores, pode ser uma experiência significativa”, sugere.
Fontoura afirma que outra possibilidade é a provocação de debates em sala de aula, trazendo assuntos que estão em alta nas redes sociais e conectá-los com o conteúdo apresentado na disciplina, além da formação contínua dos professores. “As escolas devem trazer esses assuntos complexos, que estão no nosso dia a dia e no noticiário, para a realidade dos alunos e mostrar que existem visões sobre aquilo”, pontua.
Para o coordenador pedagógico do Instituto Palavra Aberta, Bruno Ferreira, o papel do gestor está justamente em abrir espaço, em identificar oportunidades no currículo para o desenvolvimento de competências midiáticas e informacionais em todas as disciplinas e ciclos. Outra responsabilidade do gestor, na visão de Bruno, é em relação ao mapeamento de oportunidades e orientar docentes a buscar formação. “Procurar referências de como implementar essas estratégias que fazem parte das diretrizes educacionais”, complementa o coordenador pedagógico.
TAGS
E fique por dentro das novidades