Estratégias para um futuro conectado e saudável

Educar na era digital demanda atividades orientadas pelos objetivos pedagógicos que, ao mesmo tempo, despertem o interesse das gerações mais modernas

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

“Ser nativo digital não significa que um indivíduo saiba aprender com as tecnologias digitais”.

Esta reportagem já começa com o destaque acima porque a frase é uma premissa fundamental para compreender o papel da educação nos tempos de hoje. A citação é da professora Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, da área de Currículo e Tecnologias da PUC-SP, que alerta para o risco de se acreditar nessa suposta equivalência. O estudante sabe navegar, interagir e até mesmo buscar qualquer informação, mas muitas vezes não sabe sequer discernir entre o que é verdadeiro ou falso.

O desafio é trabalhar com crianças e adolescentes hiperconectados, mas que precisam desenvolver um conjunto pré-determinado de conhecimentos e habilidades que nem sempre prendem sua atenção. Por isso, é importante levar em consideração que eles já vêm de um mundo muito interativo e com informações em abundância.

Esse contato precoce com múltiplos canais e mídias desenvolve um grande potencial de interação e de produção. Explorar isso é um dos caminhos, mas falar de digitalização não é suficiente. “Para isso, basta colocar arquivos em PDF nos espaços digitais e pronto. Mas não. Eles têm interesse em produzir coisas novas, colocar a mão na massa”, observa Maria Elizabeth.

Neste ponto, há muitas estratégias de discussão, pesquisa e metodologias que podem contribuir. Incentivar que os estudantes pesquisem sobre temas instigantes, do interesse deles, mas que se relacionem com o currículo, é um bom começo.

“Se a informação está inteiramente no livro didático, não precisa fazer pesquisa”, provoca a professora. A saída, portanto, é trazer novas abordagens, inclusive sobre temas do currículo ou da realidade deles, mas em que o professor vai ajudar a fazer uma inter-relação com o currículo. 

Mecanismos como este tornam as atividades mais interessantes e, ao mesmo tempo, constroem uma geração que tem postura de questionamento diante de tudo que recebe, não absorve tudo como uma esponja. Para Maria Elizabeth, esse aluno vai ter maior discernimento, principalmente com o professor trabalhando a formação ética e cidadã, ao mesmo tempo que o estudante faz suas investigações.

Tendências

Quando se fala de digital, a velocidade exponencial com que novidades são lançadas não pode ser desconsiderada. Com a profusão de ferramentas, o educador e o gestor precisam entender o que levar em conta na hora de escolher que tecnologias serão usadas em sala de aula.

Segundo o CEO da Learnbase, Lars Janér, a inteligência artificial (IA) é a principal novidade porque, de fato, tem um potencial muito grande para ajudar, sob diversos aspectos. Um deles é o apoio ao professor, que pode ganhar agilidade, terceirizando tarefas burocráticas para ferramentas que usem IA e ganhar tempo para criar novos materiais didáticos – ao passo que pode usar a IA também para isso.

“Economia de tempo é importante porque dá liberdade para estar focado na sala de aula, aumenta o engajamento pessoal, contribuindo até mesmo para que se tenha menos telas. Acho que o pêndulo foi exagerado para o uso de muitas telas e aplicativos e, no fim do dia, pouca certeza do impacto positivo que isso pode ter”, avalia o empreendedor.

Janér fala com propriedade, já que a própria Learnbase é um hub de edtech responsável por trazer alguns dos principais aplicativos de educação do mundo para o Brasil. Além disso, é membro do Comitê EdTechs da Bett Brasil – um grupo estratégico dentro do Conselho Consultivo, que tem como objetivo aprimorar o olhar do evento para o ecossistema de empresas que unem tecnologia e educação, indicando tendências no setor.

Segundo ele, outro grande potencial da IA é entregar a maior promessa que o digital fez há mais de 20 anos: cada aluno ter uma experiência de aprendizagem de acordo com seu estilo, seu ritmo e sua maneira de aprender. “Já se tentou isso de mil maneiras e talvez esta seja a grande chance. A tecnologia tem potencial para ser um tutor individualizado, que sabe exatamente como o aluno responde e seu estágio de desenvolvimento. Mesmo que seja digital, está comprovado que tem impacto positivo no ensino”, explica,

Este é um momento interessante, na visão do empreendedor, porque se discute uma provável redução da tecnologia em sala de aula, ao mesmo tempo que se avalia um potencial gigante para alcançar avanços nunca vistos. A resposta passa pelo desenvolvimento, seleção e aplicação das ferramentas adequadas.

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Ferramentas

Lars Janér gosta de definir tecnologia como tudo que foi inventado depois que a pessoa nasceu. Nessa perspectiva, as crianças já nascem com a experiência do smartphone e a única coisa mais complexa é a velocidade com que tudo vem acontecendo, que acaba gerando um descompasso geracional muito rápido. Enquanto uma geração é nativa digital, cuja rotina é toda nos dispositivos, há professores que não têm esse mesmo nível de familiaridade. “Se o aluno de hoje estivesse em uma aula da década de 1990 seria uma tortura, pela forma como ele gosta de consumir conteúdo”, ilustra. 

O mais interessante, então, é que haja uma relação entre as formas com que esse estudante consome informação em seu fórum privado e a maneira como aprende os conteúdos regulares, na escola. Uma coisa é ter um dispositivo para cada aluno – como um tablet ou um laptop –, outra coisa é a ferramenta que está disponível ali. E, mais do que isso: o conteúdo em si também precisa engajar

Na prática

O que tem deixado a equipe da Learnbase animada, atualmente, é a plataforma Kahoot!, que cria experiências de engajamento como quiz ao vivo com os alunos em sala de aula – presencial ou não. A dinâmica mescla jogo e competição, com design agradável. A versão básica é gratuita.

O hub também representa o Canvas, que dispõe de algumas ferramentas. A que mais chama atenção é a LMS, uma plataforma robusta e utilizada em diversos países que serve para criar e gerir cursos online, presenciais e híbridos, ajudando na comunicação e na avaliação dos alunos, entre outras tarefas. Ela é gratuita para professores, tendo acesso pago apenas na versão institucional.

Já a Seesaw é uma plataforma focada no Ensino Fundamental I. Nela, é possível criar aulas de ponta a ponta, de forma que engaje os estudantes. As opções incluem tarefas de alfabetização no tablet, cujo resultado pode ser conferido pelo professor e também pelos pais. Além disso, o próprio software acompanha a evolução. Tudo de forma lúdica e com a interatividade com que as crianças estão acostumadas.

Mas a grande novidade vem da Escandinávia. O desenvolvedor da Evolytes teve a ideia depois de ver que sua irmãzinha tinha dificuldade para aprender matemática. O jogo, inspirado em universos infantis como o Pokémon, ajuda crianças de 5 a 9 anos na relação com os números e equações.

Segundo Janér, cerca de 80% das escolas da Islândia usam o aplicativo com crianças atrasadas em matemática e um número grande de estudantes vai jogar mesmo sem o professor ter pedido, simplesmente porque gostam muito. “Foi o melhor exemplo que vi recentemente, usando um ambiente de jogo para gerar engajamento nesse nível. Eles fazem livros físicos que, se o aluno terminar, no papel mesmo, e acertar as respostas tem acesso a um QR Code que dá um power up no jogo. É um mix bacana de cadernos com o digital”, comenta.

Games em alta

Não é só em aplicativos educativos que os jogos aparecem como aliados do ensino. No Colégio Nossa Senhora da Glória, de Porto Alegre, um professor resolveu investir na ideia. “Em um encontro do SINEPE/RS na PUCRS, troquei ideia com o Rick Menasce, da Press Start, que nos convidou para um campeonato municipal de Valorant. Inscrevemos uma equipe de alunos e acabamos sendo campeões, vencendo grandes colégios que eram acostumados a participar”, lembra Paulo Leandro dos Santos, que dá aula de Ensino Religioso e coordena a Pastoral Escolar.

Valorant é um jogo de tiro em primeira pessoa (chamados de FPS) em que duas equipes de cinco jogadores se enfrentam. Cada jogador escolhe um “agente”, que tem habilidades únicas, e o objetivo principal varia entre atacar (plantar uma bomba chamada “spike”) e defender (impedir que a spike seja plantada). Para vencer, é preciso trabalhar em equipe e de forma coordenada, além de tomar decisões rapidamente e sob pressão.

Vencer a competição animou Paulo, a ponto de elaborar o projeto de uma sala gamer na instituição, o que foi prontamente atendido pela direção. A ideia foi ressignificar os games, trazendo propostas pedagógicas para desenvolver competências e habilidades com a ajuda dos recursos que o espaço oferece. “O uso do celular tem seus impactos, as redes sociais também. Precisamos tomar consciência de que a era digital vai continuar e devemos lidar com esses avanços. Não podemos fechar os olhos”, defende.

Sala gamer do Colégio Glória, de Porto Alegre, é utilizada para treinar os estudantes que participam de competições, mas também com finalidades pedagógicas diversas e desenvolvimento de competências e habilidades | Crédito: Elaine Gil/Divulgação

Além de jogar, a sala também serve para entender como os games são desenvolvidos, desenhar soluções e pensar em alternativas tecnológicas para as questões do dia a dia. Criatividade, trabalho em equipe e resolução de problemas são alguns dos aspectos abordados.

Ao mesmo tempo, o colégio se preocupa em mostrar para os estudantes o que está além do jogo. Na inauguração oficial, em abril deste ano, a palestra ficou a cargo de Ana Cássia, mãe do gamer Drufinho, jovem que é um profissional de alta performance. Ela mostrou todo o trabalho que há por trás desse status, não sendo apenas uma diversão. Depois, mostrou que o esforço é recompensado, ganhando algumas vezes mais do que ela por isso.

Na ocasião, a palestrante contou que era difícil encontrar um advogado que assessorasse a assinatura de contratos pelo filho. Assim, os estudantes começam a entender que há diversas profissões envolvidas nessa indústria: advogado, programador, designer, gamer, entre outros. “Eles podem seguir outros caminhos em que não precisam saber jogar. Podem construir vida profissional desenhando e criando personagens, por exemplo”, conclui o professor.

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