Futuro da tecnologia: como adaptar o Ensino para a nova realidade

Especialista sobre futuro do trabalho, o pesquisador Yuri Lima reflete sobre ações que podem ser adotadas que permitam usufruir das novas tecnologias da melhor forma possível

imagem: Freepik

Yuri Lima

Pesquisador pós-doc e coordenador de futuro do trabalho no Laboratório do Futuro da COPPE/UFRJ, sócio-fundador da LABORe e assessor técnico do Departamento Nacional do Senac

O ChatGPT levou apenas 5 dias para atingir a marca de 1 milhão de usuários e 2 meses para chegar a 100 milhões. A ampla capacidade dessa tecnologia de realizar diversas tarefas impacta o mercado de trabalho de maneira muito direta. Prova disso é a estimativa de pesquisadores da OpenAI, empresa responsável pelo ChatGPT, de que 80% dos trabalhadores dos EUA teriam, pelo menos, 10% das suas tarefas afetadas pela introdução de tecnologias como essa ferramenta. 

Esse é só um exemplo dos desafios que vivemos nessa 4ª Revolução Industrial. Diante das incertezas impostas pela rápida mudança tecnológica, precisamos ser capazes de olhar para o futuro do trabalho de maneira a refletir como adaptar o nosso Ensino para a nova realidade que muda a cada dia. Nesse sentido, diversos esforços são empreendidos por instituições de pesquisa para pensar no que está por vir no futuro da tecnologia e do trabalho que podem servir como insumos para a reflexão que precisamos fazer. Nós, do Laboratório do Futuro da COPPE/UFRJ, estamos constantemente conduzindo pesquisas sobre temas como esses e traduzimos, recentemente, um relatório do Projeto Millennium, rede internacional de instituições de pesquisa sobre o futuro da qual fazemos parte, sobre o assunto.

“Diante das incertezas impostas pela rápida mudança tecnológica, precisamos ser capazes de olhar para o futuro do trabalho de maneira a refletir como adaptar o nosso Ensino para a nova realidade que muda a cada dia”

Yuri Lima – pesquisador pós-doc e coordenador de futuro do trabalho no Laboratório do Futuro da COPPE/UFRJ

O relatório Trabalho-Tecnologia 2050 representa a consolidação do esforço de mais de 400 pesquisadores ao longo de três anos de trabalho para gerar uma reflexão sobre três possíveis cenários para o futuro e quase 100 ações divididas em cinco áreas para endereçar os principais desafios identificados.

No cenário 1, intitulado “Está complicado – um pouco de tudo”, vemos a projeção para o futuro da realidade que se vive atualmente com uma certa dificuldade dos governos em lidar com as novas tecnologias e seus impactos sobre o mercado de trabalho, uma adoção tecnológica pelas empresas sem grande planejamento e visando o lucro de maneira prioritária, a continuidade da degradação ambiental e o aumento da desigualdade econômica.

O cenário 2, “Agitação político-econômica – o desespero no futuro”, apresenta um quadro ainda mais grave ao trazer um futuro no qual convivemos com uma polarização política, falta de planejamento, desigualdade econômica extrema e destruição do meio ambiente. Nesse caso, vemos os benefícios dos avanços tecnológicos serem dominados por um pequeno grupo de pessoas enquanto que o restante da sociedade fica entregue ao desemprego e ao trabalho precarizado.

Já o terceiro e último cenário chamado de “Se os humanos fossem livres – a economia da autorrealização” apresenta uma visão mais positiva do futuro na qual a sociedade é capaz de se preparar melhor para as inovações tecnológicas e adotá-las de maneira a produzir bem-estar para o coletivo e não apenas para uma elite. Nesse cenário, a aposta é na adoção da renda básica universal que combinada com o trabalho autônomo, diferente da versão precarizada que vemos hoje em dia, seriam fontes de liberdade para as pessoas atuarem de forma a atingirem suas capacidades de forma plena.

Os três cenários são importantes para pensarmos em possibilidades de futuro que se colocam à nossa frente, mas devem ser tomados como pontos de partida para reflexões ainda mais relevantes sobre o que deveríamos estar fazendo hoje para evitar cenários catastróficos e construir um futuro do trabalho melhor. Nesse sentido, o relatório também traz algumas dicas organizadas em 5 eixos de acordo com os atores sociais que poderiam adotá-las. Aqui, destaco três ações sugeridas para o eixo de Educação e Aprendizagem que considero mais importantes.

A primeira ação é “Incluir “futuros” assim como incluímos “história” no currículo. Ensinar visões alternativas do futuro, previsão e a capacidade de avaliar “futuros potenciais”. Aqui, a ideia é permitir que as crianças e os jovens sejam capazes de ter a visão de futuro que mencionamos nos três cenários. A ideia é que possam se tornar adultos responsáveis por planejar um futuro mais sustentável para o planeta.

A segunda ação é “Utilizar robôs e IA na educação”. Atualmente, vemos uma intensa discussão sobre a utilização do ChatGPT nas instituições de ensino com algumas universidades proibindo seu uso por preocupações relacionadas à plágio e atraso no desenvolvimento de certas habilidades dos alunos enquanto outras incentivam a utilização da tecnologia como mais uma ferramenta de aprendizagem. O cuidado com a adoção das tecnologias na educação é importante, mas a necessidade de desenvolver o letramento digital deve ser levada em conta pelas instituições de ensino.

A terceira ação é “Incorporar sistemas de inteligência de mercado de trabalho em sistemas de educação e emprego”. Atualmente, dispomos de uma quantidade massiva de dados sobre o mercado de trabalho, desde milhares de vagas de emprego postadas diariamente pelas empresas na internet até dados sobre a força de trabalho compartilhados pelo Governo. Utilizar esses dados para oferecer uma educação mais aderente às necessidades do mercado de trabalho e aumentar a empregabilidade dos alunos é perfeitamente possível hoje em dia.

Com base nessas e em muitas outras importantes ações que Instituições de Ensino, Governos, Empresas e Trabalhadores podem adotar, poderemos nos aproximar de futuros desejáveis que permitam usufruir das novas tecnologias de maneira justa, plena e sustentável.

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