Nova gestão do MEC tem apoio do setor privado para encarar reformas e desafios

Retomada de programas de inclusão no Ensino Superior e reformas na Educação Básica estão entre os principais pontos de atenção nos próximos quatro anos

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

Toda mudança de gestão traz dúvidas e expectativas – seja no setor público ou no privado. Quando essas duas esferas precisam encontrar pontos de intersecção e convergência, então, mais ainda. É o caso da nova gestão do Ministério da Educação (MEC), que tem alguns desafios pela frente e conta com o ensino privado para encará-los. 

Entre os assuntos mais citados por especialistas e representantes dos dois lados estão o financiamento estudantil, programas de acesso à educação (como o ProUni) e algumas reformas, de olho na evolução do processo de ensino. O novo governo já sinalizou como deve lidar com algumas dessas questões e continua em um processo de diagnóstico e planejamento.

“É um trabalho grande de reconstrução. Algumas metas já foram enunciadas, estabelecidas, inclusive dentro do programa de governo e com muita ênfase durante o processo de transição. Coisas muito importantes, como o caso da alfabetização das crianças”, destaca o presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada Cesar Callegari, um dos coordenadores do Grupo de Trabalho da Educação durante a troca de governo e ex-secretário de Educação Básica do MEC.

Segundo ele, o momento é de uma verdadeira concertação junto a Estados e municípios – além de entidades e agentes não-governamentais – para atuar na recomposição das aprendizagens de crianças e jovens, muito afetadas, principalmente nos últimos dois anos. “Envolve muito diálogo e participação. Finalmente o MEC assume novamente seu papel de coordenador do sistema nacional de educação”, defende.

O trabalho de concertação defendido por Callegari é compreendido por lideranças do ensino privado. O diretor da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) Pedro Flexa Ribeiro observa que o cenário, por si só, já é desafiador. Ele cita duas grandes mudanças em curso. Uma delas é a revolução midiática, que impacta todos os setores – e com a Educação não seria diferente. As escolas precisam formar as novas gerações para atuar no mundo em que viverão. A outra grande mudança em curso é a reforma curricular do Ensino Médio, que, segundo ele, poderá alinhar a escola brasileira com o que é feito em outros países.

Ribeiro pondera que alternâncias de governo são próprias de democracias, mas ressalta que é importante que, acima delas, permaneçam propósitos e sentidos de longo prazo. “A Educação Básica requer políticas de Estado, que não flutuem ao sabor de cada gestão”, defende, entendendo que educação de qualidade requer previsibilidade e foco no médio ou longo prazo, com constância de objetivos e critérios.

“A Reforma curricular está anunciada desde a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, que completa 27 anos. Portanto, foi longamente gestada e debatida por vários setores envolvidos. Como já estamos chegando ao primeiro quarto do século XXI, o tempo urge. As novas gerações de brasileiros têm direito a uma escolaridade pertinente. Nada justifica que se retarde ou procrastine a reforma em curso”, alerta Ribeiro.

Callegari vai pelo mesmo caminho ao lembrar que é preciso, por exemplo, ter maior clareza sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) –  classificada por ele como uma norma importante, mas que precisa ser aperfeiçoada. “Mas para esse aperfeiçoamento deve concorrer também a experiência e tudo o que as escolas particulares já realizam”, acredita.

Entidades e governo começam dando um bom exemplo no que diz respeito ao diálogo: durante o trabalho de transição, a equipe da nova gestão conversou e recebeu documentos de cerca de 80 entidades que atuam em âmbito nacional. “Estão todos ávidos. As pessoas estão muito desejosas de cooperar, deixar pequenas diferenças de lado e ter um trabalho convergente”, acredita Callegari.

Reflexos da pandemia

O diálogo entre o MEC e as instituições e entidades da Educação já dá os primeiros sinais. Dois textos tramitam para tratar sobre a flexibilidade das atividades remotas, uma herança dos tempos de isolamento social em função da pandemia de Covid-19. Para ouvir quem está na ponta do processo, o Conselho Nacional de Educação (CNE) abriu uma consulta pública sobre educação híbrida, com prazo para envio de contribuições ao texto proposto, antes de submetê-lo à deliberação do Congresso. 

“Durante a pandemia tivemos a experiência forçada com o Ensino Remoto Emergencial, que acelerou em alguns anos um processo que levaria décadas. Com a reabertura das escolas e a retomada do presencial, os educadores poderão ousar novos passos na metodologia híbrida. Cada escola poderá conceber as práticas que melhor atendam ao seu projeto e realidade”, explica Pedro Flexa Ribeiro.

Ensino Superior

Se essa concertação depender das autoridades do setor privado, está no caminho certo. Para o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier, é boa a expectativa em relação à nova equipe. A avaliação da entidade é que a escolha de Camilo Santana, considerado gestor bem-sucedido, foi acertada. 

“A nossa expectativa, dele e da equipe muito qualificada que escolheu para o Ministério da Educação, é de uma gestão muito dedicada à educação básica, recuperação da aprendizagem, remontagem do sistema de educação, integrando Estados e municípios”, garante, sinalizando que está alinhado com a projeção de Callegari.

Em evento no Palácio do Planalto, no dia 19 de janeiro, o presidente Lula defendeu um voto de confiança aos estudantes ao justificar o investimento que pretende fazer no Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), principal programa de financiamento do Ensino Superior, criado em 1999. Callegari diz que a conclusão de obras educacionais também terá um olhar atento do governo.

No entanto, não deve ser apenas uma retomada. O sociólogo explica que, assim como a BNCC e o Novo Ensino Médio, os programas de inclusão no Ensino Superior precisam ser revisitados e aperfeiçoados. “Vamos aprender com os erros e acertos que fazem parte da experiência já realizada no Brasil”, garante.

Já sobre a inadimplência, uma forma de combater pode estar na proposta de um sistema de apoio durante o curso e, depois, para o ingresso no mercado de trabalho. Isso porque, mesmo com condições favoráveis de ProUni e FIES, muitos acabam desistindo do curso por dificuldades diversas – ou, uma vez diplomados, não conseguem colocação. “Não podemos imaginar que depois de todo esse investimento e esforço do estudante, haja o processo de ‘uberização’, muita gente com curso superior se sujeitando a uma condição precária de trabalho, inclusive fora da área de formação”, ressalta Callegari. 

O financiamento estudantil está entre os 10 pontos levantados durante o XIV Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular (CBESP), promovido em maio de 2022, em Florianópolis (SC). Segundo Celso Niskier, a ideia é levar o documento ao ministro da Educação, demonstrando o caráter propositivo da chamada Carta de Florianópolis.

“Estamos falando de modernização do marco regulatório, da retomada do financiamento estudantil, maior integração da Educação Superior com a Educação Básica, notadamente na formação inicial docente. A ABMES se posiciona pela ampliação do financiamento e também por modernização, pensando em formas que sejam atreladas à renda futura do estudante, fazendo com que seja mais atraente para os jovens e também aumente as chances de não inadimplir ao longo da sua vida”, sugere Niskier.

Formação de professores

Entre as medidas previstas, Callegari cita como prioridade o diálogo com as Instituições de Ensino Superior (IES) para tratar da formação de professores, bastante ligada à rede privada. Além dessa conversa, ele ressalta a responsabilidade do MEC em aperfeiçoar o sistema regulatório.

“As instituições privadas de Ensino Superior precisam fazer parte disso, o Brasil precisa delas, mas não podemos mais admitir uma precarização na formação de professores. Depende de regulação, que é incumbência do MEC, mas também temos que ter participação muito grande e concertada com mantenedores das instituições superiores privadas e seus profissionais. Temos que construir rapidamente”, analisa.

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