Os caminhos para a formação de professores em inteligência artificial

Projeto desenvolvido no Piauí implementou disciplina obrigatória e capacitou docentes de diferentes áreas do conhecimento

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: FreePik

Não podemos mais pensar na relação entre professor e aluno sem a Inteligência Artificial (IA). O que parece apenas uma frase de impacto é na verdade a conclusão apresentada por um recente relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO). Divulgado em setembro, o documento aponta as principais competências para o uso de Inteligência Artificial em sala de aula e já inicia suas orientações informando que a troca entre professores e estudantes irá se dar sempre mediada pela IA. Com essa nova realidade educacional apontando no horizonte, surge a necessidade de garantir uma formação para que os educadores possam trabalhar com essas plataformas de formas mais dinâmicas e assertivas. E alguns exemplos de propostas já estão surgindo, inclusive no Brasil. 

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Neste ano, a rede estadual de ensino do Piauí implementou uma disciplina obrigatória de inteligência artificial do 9º ano do Ensino Fundamental ao 3º do Ensino Médio. O programa que garantiu a formação dos professores responsáveis por ministrarem essas aulas teve a elaboração realizada por meio de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o Instituto Federal Farroupilha (IFFar) e a Google.

Para o professor do Ceti Liceu Parnaibano, Francisco Coelho, que atua há 14 anos na área do ensino de tecnologia, a chegada da disciplina de IA nos currículos das escolas é um marco significativo na educação do Estado. “Um ponto interessante é que o Estado não deixou essa disciplina só com professores da base técnica. Ele permitiu que professores de outras áreas fossem formados para ministrar essa disciplina”, destaca. 

Nas aulas, os alunos montam grupos e desenvolvem projetos de forma prática, focados na resolução de problemas das mais diversas áreas. Coelho foi responsável por orientar o projeto que deu origem ao AEE Buddy, ferramenta de IA que auxilia o Atendimento Educacional Especializado, identificando comportamentos e emoções dos alunos.

O objetivo é facilitar a educação inclusiva e auxiliar os professores nas propostas de atividades e no acolhimento dos estudantes. A iniciativa venceu o Seduckathon, competição promovida pelo governo do Piauí para incentivar ideias ligadas à inteligência artificial, e, agora, participa de um hub que irá fomentar o início de uma startup. Coelho afirma que o investimento na formação de professores foi essencial não apenas para a implementação da disciplina, mas para motivar os profissionais da educação a trazerem a IA para suas rotinas de trabalho. 

“Em um primeiro momento, o Estado deu o combustível que ele precisava para caminhar. Depois, gerou motivação e convidou os educadores para contribuírem. Isso gera um movimento importante, em que o professor passa a ver a IA como algo que pode colaborar com as suas aulas e a sua produtividade”, explica o professor, que acredita que quem ainda enxerga a IA como uma ameaça, vai perder espaço no cenário educacional. “O papel humano do professor será o destaque, enquanto a IA ficará responsável pelas tarefas repetitivas”, prevê. 

A assessora pedagógica do SINEPE/RS, Naime Pigatto, lembra que a BNCC da Computação já traz elementos e indicativos para o trabalho com as novas tecnologias, que deve incluir a IA, desde a Educação Infantil. Aqui no RS a Educação Digital ainda não foi regulamentada como componente curricular obrigatório. “Não precisa ser necessariamente um novo componente curricular, mas as habilidades e competências precisam  aparecer, seja de modo transversal ou trabalhada de forma integrada com outros componentes curriculares, como Matemática, Ciências e Arte, permitindo que os alunos vejam a aplicação das tecnologias de modo responsável em contextos diversos.

Apesar do potencial para tornar a rotina dos professores mais dinâmica, há ainda muito preconceito por parte dos educadores com a IA. Formado em Sistemas de Informação e Publicidade, Carlos Alberto Coletto Burger desenvolve sua pesquisa de mestrado na Universidade Franciscana (UFN), em Santa Maria, no centro do Estado, com foco na evolução tecnológica dentro da educação.

Ao ministrar oficinas para professores da Educação Básica da região central do Estado, ele percebeu que é preciso romper com a ideia de que a IA vai acabar com o processo de pesquisa do aluno ou que vai tomar o lugar do professor na sala de aula. Para ele, é preciso buscar formas mais divertidas e prazerosas para a aprendizagem, e a tecnologia pode ser uma aliada. “É preciso criar a curiosidade, instigar o conhecimento. Aquele ensino repetitivo, do livro e do quadro negro, não funciona mais para essa geração. Eles possuem um outro tempo de aprendizagem”, avalia o mestrando. 

Para que esse novo modelo de sala de aula funcione, no entanto, é preciso que o professor tenha um conhecimento básico das principais ferramentas, além da possibilidade de acessá-las no ambiente escolar. Carlos Alberto também aponta que é preciso estar aberto para as possibilidades que a IA traz, o que requer um afastamento da zona de conforto do educador. “O limite da IA é a criatividade do usuário. Ela está diretamente ligada à capacidade de pensar de quem a utiliza, da sua capacidade de expressão. Os professores que quiserem oferecer algo motivador para os seus alunos a partir de agora, vão ter que passar pela IA”, informa. 

IA generativa

O foco na importância do acompanhamento dos professores durante o uso de ferramentas de IA em sala de aula também é destacado pelo professor e coordenador do Laboratório de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Sérgio Amaral, que afirma que as pesquisas realizadas pelos alunos será facilitada pelas ferramentas de IA, mas que isso também irá exigir um apuro ainda maior dos educadores, especialmente sobre o registro das referências das informações e a autoria dos materiais apresentados. 

“O aluno precisa refletir de forma crítica sobre o material obtido pela fonte da IA generativa, procurando sempre, com a ajuda dos professores, refletir sobre a pesquisa realizada.Ao mesmo tempo, é preciso permitir desenvolver o senso criativo na formatação do trabalho solicitado pelo professor”, orienta o docente, que acredita que a formação dos educadores, mais do que trazer conhecimento sobre as possibilidades das plataformas tecnológicas, deve ter uma atenção especial com as distorções algorítmicas e as suas implicações no ensino e aprendizagem.

“Também é preciso orientações sobre direitos humanos, ética e governança em relação aos sistemas educativos, para objetivar os impactos da Inteligência Artificial nos direitos humanos, incluindo os direitos à liberdade de opinião e expressão, o direito à igualdade e o direito à privacidade, visando o fortalecimento dos conceitos de privacidade de dados, vigilância e reconhecimento facial”, finaliza Sérgio. 







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