“As escolas não são prédios, são pessoas com uma nova visão de mundo”

José Pacheco é fundador da Escola da Ponte, de Portugal, um projeto educativo baseado na autonomia dos estudantes, o qual tem disseminado pelo mundo, inclusive no Brasil

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Arquivo Pessoal

Educador, antropólogo e pedagogo, o português José Francisco de Almeida Pacheco é defensor de uma escola sem turmas, sem ciclos, sem provas e sem reprovações. Para saber mais sobre essa forma diferenciada de pensar sobre a escola, ele foi entrevistado pelo Educação em Pauta

De 1976 a 2004, coordenou o projeto “Fazer a Ponte”, realizado na Escola da Ponte, de Portugal, na qual é idealizador, tendo como foco a autonomia e o protagonismo do aluno. A Escola foi vencedora do 1º Prêmio do “Concurso Experiências Inovadoras no Ensino”, promovido pelo Ministério da Educação português.

Em decorrência dos seus trabalhos relacionados ao ensino, possui a “Comenda da Ordem da Instrução Pública”, atribuída pela Presidência da República. Também foi membro do Conselho Nacional de Educação de Portugal. 

Em 2005, passou a residir no Brasil e, desde então, viaja pelo país, mobilizando educadores que acreditam em uma educação transformadora e democrática. Colaborou diretamente com o Projeto Âncora, uma ONG em Cotia, em São Paulo, iniciativa que originou a Escola Aberta de São Paulo.

>> Confira a matéria sobre o modo de ensinar na Escola Aberta de São Paulo

Pacheco coordenou a pesquisa sobre indicadores de boa qualidade da educação para o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e, no Ministério da Educação (MEC), integrou o Grupo de Trabalho de Inovação e Criatividade da Educação Básica.

Atualmente, é o coordenador pedagógico da EcoHabitare Projetos, uma empresa social que promove uma educação conectada com as necessidades sociais do Século XXI. 

Educação em Pauta – Para o senhor, qual é o papel da educação?

José Francisco de Almeida Pacheco – Etimologicamente, a palavra educação tem origem no termo “educatio”, no étimo latino “educare”, que significa nutrir, fazer crescer. É o movimento “de dentro para fora”, extrair algo do educando, “trazer à luz”, ajudar a criança a passar da potência ao ato, a desenvolver vocações, talentos.

O modelo educacional imposto às escolas está fundado em outra origem etimológica – no “educere” – e as salas de aula são cemitérios de talentos. A  educação é o processo constante de criação do conhecimento e de busca da transformação da realidade, por meio da ação e da reflexão.

O papel primordial da educação é garantir o pleno desenvolvimento do indivíduo e do cidadão e, como reza a Constituição, é dever da sociedade, da família e do Estado, por meio da Escola.

“Salas de aula são cemitérios de talentos no atual modelo educacional”

José Francisco de Almeida Pacheco

Educação em Pauta – Qual foi a base para criar o método da Escola da Ponte?

A Ponte não é um “método”. O projeto “Fazer a Ponte” foi uma tentativa, plena de êxito, de encontrar um modo que a todos garantisse o direito (constitucional) à educação e a uma educação de excelência acadêmica com inclusão social.

Partiu-se daquilo que a lei prescreve e permite, e juntamos contribuições das ciências da educação. Partimos daquilo que éramos, para elaborarmos a nossa cultura pessoal e profissional.

Educação em Pauta – “Aprender em Comunidade” é um dos princípios deste modelo de aprendizagem. Como é possível realizá-lo, tendo em vista que há um grande engajamento de pessoas?

Se do modo como trabalhávamos, não conseguimos ensinar tudo a todos, modificamos o nosso modo de educar. E, como uma escola não muda toda ao mesmo tempo, mudaram aqueles que tomaram a decisão ética de mudar. Depois, como todos os professores amam e respeitam os seus alunos, todos os professores da escola aderiram às novas práticas.

Educação em Pauta – Quais são os resultados mensuráveis de ensino na Escola da Ponte?

São aqueles que os relatórios de avaliação externa revelam. Um deles provou que, quando passavam para outras escolas, os nossos alunos obtinham melhores notas do que alunos provindos de outras. Mais informações estão em um de nossos relatórios (abaixo).

Porém, como o ser humano é multidimensional – não é apenas cognição, é afeto, emoção, ética, etc – os nossos ex-alunos de 30, 50, 60 anos, são seres humanos realizados socialmente, profissionalmente. E, como um professor não ensina aquilo que diz e transmite aquilo que é, são pessoas que cultivam os valores do projeto da Ponte: autonomia, responsabilidade e solidariedade.

Educação em Pauta – Quais são os países que conseguiram aplicar o conceito de maneira eficaz?

Que eu saiba, há mais de mil projetos inspirados na Ponte, mas é no Brasil que se encontram aqueles que mais fielmente trabalham o conceito e a prática. Muitos deles foram reconhecidos pelo Ministério da Educação como projetos inovadores.

Educação em Pauta – Como surgiu essa aproximação com a Escola Aberta de São Paulo? E como o senhor avalia a sua atuação no ensino?

A Escola Aberta de São Paulo foi concebida por professores oriundos da Escola do Projeto Âncora e por um filantropo. É, talvez, a melhor das escolas brasileiras da atualidade. É uma excelente escola, inspiradora de outra excelente escola: a Open Learning School.

Educação em Pauta – Existe a ideia de disseminar o método em outros locais do Brasil?

Não o “método”, mas o exemplo. São mais de cem os projetos, que acompanho, milhares os professores que vou ajudar a melhorar as suas práticas. São pessoas que visam a coerência entre teoria e prática. 

A maioria das escolas não cumpre o seu projeto, aquilo que nele está escrito é o contrário da prática. Esses profissionais tentam concretizar os projetos educativos das suas escolas e a “disseminação” acontece.

Educação em Pauta – É possível aplicar o que é realizado na Escola da Ponte em um modelo tradicional? O que pode ser adaptado?

Partimos do “tradicional” e sem fazer das crianças “cobaias de laboratório”. Se os professores sabem dar aula, valorizamos essa competência e deles cuidamos, respeitando o seu ritmo de integração nos novos projetos.

Educação em Pauta – Quais são os planos nos próximos anos?

Estou envolvido em mais um projeto, a criação de um protótipo de comunidade de aprendizagem. Não se trata de mais um paliativo do velho e obsoleto modelo educacional. As escolas não são prédios, nem salas de aula. As escolas são pessoas com uma nova visão de mundo, que agem amorosamente, corajosamente.

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