É delas: a presença feminina na Educação
Privadas do acesso à educação por décadas, mulheres hoje assumem importantes cargos de liderança em instituições de ensino
No dia 8 de março de 1917, cerca de 90 mil operárias russas saíram às ruas para reivindicar melhores condições de trabalho. Foi por conta deste acontecimento que criou-se o Dia Internacional da Mulher. Se a Revolução Industrial fez com as mulheres ocupassem as fábricas e passassem a se dedicar a outras atividades para além das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, outro fato também colaborou para que elas conquistassem mais direito e voz na sociedade: o acesso à educação. No Brasil, as mulheres passaram a ser aceitas em instituições de ensino a partir de 1863. Séculos depois, os números impressionam e mostram que, abertas às portas, elas conquistaram este espaço com força.
De acordo com o último Censo Escolar, as mulheres são maioria entre os docentes em diferentes níveis da vida escolar no país. Na educação infantil, 96,3% dos professores são mulheres. Já nos anos iniciais, o número de professoras chega a 66,5%. Só no Rio Grande do Sul, 85% dos docentes com até 24 anos de idade são mulheres. Para se traçar um comparativo, conforme dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apenas 24% dos trabalhadores do setor são mulheres. A constatação de que a educação brasileira é feminina intensifica uma questão cultural da ligação das mulheres com a função de ensinar. De acordo com a socióloga e pedagoga Juciani Severo, é importante observar toda a história da educação brasileira, em especial o período do século XIX, onde as escolas superiores eram geridas pelos homens e a responsabilidade da educação das crianças era das mulheres.
“Na educação infantil, neste período, a maioria das professoras eram mulheres, pois era a profissão mais aceitável para a época. A escola era quase uma extensão de sua casa, havia uma vinculação do privado indo ao encontro do público. Daí a ideia da “tia”, da vocação. A educação só passou a fazer parte das agendas internacionais nos anos 90, pois até então não era pensada para todos e esses fatos impactam até os dias de hoje”, avalia.
Lideranças
Exemplos femininos de liderança na educação também não faltam. Para além da docência, as mulheres também trazem inovações na gestão de importantes instituições de ensino. Quando foi eleita, em 2015, para assumir o Setor de Educação na Congregação Imaculado Coração de Maria, responsável pela Rede ICM de Educação e Assistência Social, a Irmã Elenar Luisa Berghahn já tinha mais de três décadas de dedicação à vida religiosa e de educadora. Hoje, ela contribui na dinamização de 15 escolas da rede, distribuídas entre os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.
“Acredito que minha paixão pela educação, com compromisso, engajamento e dedicação no cotidiano das unidades de ensino, me fizeram e me fazem a gestora que sou. Ao longo de minha trajetória, sempre encontrei muitas pessoas competentes, inovadoras, comprometidas, que foram me inspirando a assumir essa missão”, relembra.
Natural de Boqueirão do Leão, no interior de Lajeado, Irmã Elenar pode experienciar diferentes cenários da educação ao longo de sua trajetória, passando por instituições em Rio Grande, Rio Pardo e Porto Alegre. Partindo da experiência da própria fundadora da congregação, Bem-Aventurada Bárbara Maix (1818-1873), uma educadora à frente do seu tempo, ela acredita que a presença majoritária das mulheres na educação tem uma função importantíssima no cenário atual.
“Se levarmos em conta que num passado não tão distante, a educação era um direito negado às mulheres e hoje observarmos que somos maioria como estudantes, educadoras, gestoras e teóricas da educação, teremos uma prova irrefutável do poder transformador que as mulheres exercem no campo educacional”, afirma a coordenadora, que reforça a importância da valorização do trabalho feminino dentro de instituições de ensino de diferentes níveis.
“A mulher educadora traz o diferencial da força, da competência, do humanismo, do cuidado integral, do detalhe, da esperança de um futuro melhor em tudo que faz. Mas não só isso. Vai além. Mesmo que esse seja um discurso conhecido pela sociedade, é preciso que a nossa presença seja reconhecida e potencializada no desenvolvimento das competências pessoais e profissionais, possibilitando espaços e oportunidades para que essa força transformadora que a mulher traz em si possa acontecer na sociedade”, conclui.
Fazer acontecer na educação foi algo que guiou o caminho de outra mulher líder. Maristela Tomasi Chiappin nasceu no meio rural de Caxias do Sul e hoje é diretora presidente da Caminho Rede de Ensino. Aos 17 anos, recém-formada no Magistério, devido ao ótimo desempenho em seu estágio, recebeu duas propostas de trabalho: coordenar uma escola infantil e atuar como professora em uma escola privada. Porém, a ousadia já era sua marca registrada e sua escolha foi pedir emancipação dos pais com o objetivo de abrir a sua própria escola.
“Vendi o único terreno que tínhamos, e que seria minha herança, para comprar minha primeira escola infantil em 1988, a Algodão Doce. Nessa época, a Educação Infantil ainda engatinhava e era comum as crianças ficarem em casa com as mães ou avós”, conta Maristela, que foi inspirada pela trajetória de sua mãe, que não era alfabetizada e que, por ser mulher, não teve benefícios familiares como seus irmãos homens. “Queria provar que as mulheres também podem fazer a diferença”, afirma.
A Caminho Rede de Ensino, que engloba também a Escola de Educação Infantil Companhia do Carinho, conta com mais de 156 colaboradores. Destes, 137 são mulheres, confirmando as pesquisas que apontam uma maior presença feminina no setor educacional. Para Maristela, este cenário é inspirador para o desenvolvimento de seu trabalho.
“A liderança educacional é um desafio contínuo e é necessário ter sabedoria e empatia para lidar com milhares de vidas todos os dias, seja de estudantes, suas famílias, colaboradores ou outras instituições. Ser mulher, mãe, líder, empresária, oportuniza me colocar no lugar das colaboradoras, das famílias, das empresas, das instituições e agir pensando sempre no que será melhor para o coletivo”, avalia.
Mas como será para os homens atuantes na educação trabalhar em um ambiente majoritariamente feminino? Para o diretor do Colégio Bom Conselho, de Porto Alegre, Antonio Pedro Dreyer, a educação escolar tem um rosto feminino, já que na instituição 70% do trabalho em sala de aula é desenvolvido por mulheres.
“É muito gratificante trabalhar com mulheres cuja vocação é o magistério. É encantador e admirável que essas mulheres se identificam com a missão educativa e o que fazem do seu cotidiano é cuidar de pessoas e ajudá-las a crescer. Incansáveis em formar cidadãos competentes e identificados com a vivência de valores voltados para o bem comum”, comenta Antonio, que destaca entre as colegas mulheres a capacidade de, com ternura, estabelecer limites e a sensibilidade em perceber a realidade de cada um de seus alunos.
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