Como reconhecer e trabalhar o transtorno de ansiedade no ambiente escolar

Crianças e adolescentes estão vulneráveis a gatilhos para sintomas ansiosos, como comparações e expectativas frustradas, e as escolas podem auxiliar nestes casos

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Produzida com Inteligência Artificial do Bing, Microsoft

A população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo está no Brasil. Aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica (que causa transtornos emocionais), conforme sinaliza o último mapeamento global de transtornos mentais realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Se levarmos em consideração a pandemia de Covid que assolou o mundo, com mais de 6,8 milhões de mortes, essa situação se torna ainda mais latente. 

Além disso, o país enfrenta uma segunda pandemia, a da Saúde Mental. O impacto emocional de perdas familiares, o sentimento de medo, a falta de socialização e a instabilidade no trabalho aumentam o nível de estresse e sofrimento psíquico das pessoas, bem como a ansiedade. 

E esse fenômeno acaba reproduzido, também, no ambiente escolar. Um estudo do Centro Universitário de Itajubá (FEPI) intitulado A influência dos transtornos de ansiedade no processo de ensino – aprendizagem refere que: “a criança em idade escolar ainda não consegue reconhecer suas emoções que se encontram em desequilíbrio, fazendo-o que tenha comportamento diferenciado, evitando a progressão do quadro sintomático e até mesmo evitando situações que são disparadores de crises ansiosas”.

Sentir ansiedade não significa necessariamente um problema, pois pode ser normal e, muitas vezes, algo adaptativo. É o que comenta a psiquiatra e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Carolina Blaya Dreher. 

O simples ato de ir à escola nos anos iniciais pode ser um causador de ansiedade, aponta a especialista. A preocupação deve vir quando esse sentimento se manifesta de maneira muito intensa ou duradoura e causa prejuízos. Ainda não existe uma resposta clara sobre quais são as causas da ansiedade patológica, mas diversos fatores contribuem, entre eles, os individuais e, também, os ambientais. 

“Na escola, podemos encontrar alguns gatilhos frequentes para sintomas ansiosos, como o desempenho escolar, as comparações, as expectativas frustradas e as dificuldades com os pares, seja por isolamento, seja bullying”, salienta Carolina.

Em relação aos adolescentes, a psiquiatra reforça que o cérebro ainda não está totalmente desenvolvido, com regiões associadas ao desejo de atenção e reforço ainda imaturas. Por isso, os comportamentos virtuais frequentes, como as comparações de aparência física, comentários e feedbacks, podem gerar um impacto negativo à saúde mental – bem como a diminuição da autoestima, transtornos alimentares e sintomas depressivos e ansiosos. 

Escutar os alunos e manter pais mais informados

Uma solução para o combate à ansiedade ocorreu no Colégio Santa Inês, em Porto Alegre. Diante dos atos de violência ocorridos dentro de escolas no país e do clima de ameaça que se instaurou nas redes sociais, algumas turmas do Colégio apresentaram esse tipo de sentimento. 

Foi aí que entrou o programa de convivência escolar, que engloba desde a educação infantil até o Ensino Médio, com uma ação de escuta para ajudar os alunos a lidarem com a ansiedade.

Formado pelos profissionais de psicologia escolar Renata Prosdocimi, Arthur Daudt e Verônica Ezequiel, a equipe convidou os estudantes a falarem sobre o que tinham medo, além de suas fantasias e receios. “Percebemos que, na semana seguinte, o medo e a ansiedade em torno do tema havia diminuído consideravelmente. Os alunos puderam se ocupar das suas atividades e estudos de forma mais tranquila”, recorda Verônica.

A psicóloga comenta que quem visse essa iniciativa de fora poderia achar que a entrada da equipe nas salas de aula era algo muito fora do comum. Na realidade, algumas intervenções são programadas, uma por trimestre, sendo a escuta coletiva acionada sempre que necessária. “Quando algum tema é trazido repetidamente entendemos que há uma demanda coletiva. Dessa maneira, pedimos um espaço aos professores para abordarmos o assunto”, explica.

Algo que impacta na ansiedade é o uso excessivo das redes sociais. Tudo é instantâneo e rápido. A psiquiatra da Infância e Adolescência e pesquisadora do HCPA, Mariane Bagatin Bermudez, ressalta que é importante que os pais dos estudantes estejam mais informados em relação às tecnologias. Muitas vezes, estão “menos letrados” do que os próprios filhos. “Eles precisam conhecer as estratégias de controle, como limitar o tempo e como gradualmente aumentar os limites”, frisa.

Os pais precisam ser, inclusive, instruídos sobre a necessidade de olhar o celular e os sites que seu filho está acessando, como limitar acesso de conteúdo, mensurar o uso e avaliar o impacto. Ela exemplifica: “se o filho deixa de jogar bola muitas vezes, porque está na rede social, isso pode ser um sinal de alerta. Se tem piora do desempenho ou reduz o contato com a família, também. Eles precisam reconhecer os sinais de alerta para poderem buscar ajuda e orientação de um profissional da saúde.” 

Aflições da transição entre escola e universidade

Pressão familiar com relação à escolha profissional do estudante, ou ainda, a sua própria indecisão com o futuro, a insatisfação, dificuldade para estabelecer a própria identidade. Estes são alguns fatores que contribuem para que os jovens estudantes sejam vulneráveis ao transtorno de ansiedade, conforme demonstra o artigo Ansiedade em Estudantes do Ensino Médio: Uma Revisão Integrativa da Literatura, da  ID on line, revista de psicologia.

A psicopedagoga do Instituto Singularidades, Marta Gonçalves, salienta que a ansiedade é um sofrimento relacionado ao futuro e esse momento de escolha do curso ocasiona esse sentimento. Ela relata que alguns jovens já sabem o que querem, mas ficam receosos se estudaram o suficiente para passar em um processo seletivo. Outros casos acreditam não estarem maduros o suficiente para ingressarem no ensino superior. “O sentimento é diferente da razão. Isso é um processo de amadurecimento”, analisa.

Marta acredita que os estudantes precisam relaxar mais, as pausas são muito fundamentais. “Infelizmente, existe essa regra social de fazer mais sempre. Os momentos de ócio são importantes também”, ressalta. Logo, as escolas são grandes aliadas, pois podem proporcionar e estimular atividades envolvendo as artes e os esportes. 

Esta transição da vida escolar para a acadêmica não é tão simples. Na escola, existe uma proteção maior, no entanto, na universidade, a autonomia é maior, com mais desafios. Por atender alunos recém vindos do Ensino Médio, a psicóloga do Núcleo de Apoio Psicopedagógico e Inclusão (NAPI) da UniRitter, Patrícia da Costa Silva, destaca que a ansiedade é uma reação natural e que acontece com qualquer tipo de pessoa, tanto as mais extrovertidas como as tímidas.

Para isso, o NAPI faz todo um acolhimento. Os estudantes podem solicitar esse serviço por meio de um agendamento. É possível falar sobre administração do tempo, hábitos de estudo e até assuntos mais íntimos, como o luto. 

Além disso, o Núcleo oferece oficinas para desenvolver habilidades relacionadas a como o cérebro funciona, como aprender mais e melhor e como receber críticas. Também tem a ação Lidando a ansiedade em período de provas, com técnicas de respiração para proporcionar um relaxamento. “Esse acolhimento se estende aos educadores para que estejam mais tranquilos e transmitam isso aos seus estudantes”, diz.

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