Qual o papel da escola na valorização da infância
Reportagem alusiva ao Dia Nacional da Educação Infantil aborda o desenvolvimento das crianças, que necessitam de uma maior compreensão dos adultos
A sociedade prioriza a infância, mas tende a encará-la sob o prisma adultocêntrico, ou seja, replica na infância os referenciais adultos, o que é um grande equívoco. A reflexão é do psicólogo, neuropsicólogo e doutor em Ciências da Educação, Alessandro Marimpietri.
Para ele, os adultos precisam garantir que as crianças tenham o direito de viver suas infâncias. “O que significa que não podemos ocupar suas agendas com excesso de atividades, tarefas e institucionalização, fazendo-as viver como adultos mirins”, salienta.
Os primeiros momentos de vida são essenciais. O pediatra do Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Porto Alegre Ricardo Sukiennik, reforça que é notório que os problemas emocionais, de alta prevalência na vida adulta, como ansiedade, têm um componente diretamente relacionado à experiência na infância.
Outro fator importante é quanto à formação da personalidade, cujas características serão moldadas de acordo com a estimulação, as experiências e os exemplos na infância, fazendo com que aspectos positivos e negativos permaneçam para o restante da vida.
Aliado a isso, a escola é um espaço para que as crianças amplifiquem seus conhecimentos em relação ao mundo. Não é à toa que existe o Dia Nacional da Educação Infantil, celebrado em 25 de agosto. A data é do nascimento da médica pediatra e sanitarista Zilda Arns, que se dedicou ao trabalho assistencial para crianças. Fundadora da Pastoral da Criança, Zilda foi indicada ao prêmio Nobel da Paz em 2006.
A valorização da infância
Valorizar a infância é crucial para o desenvolvimento civilizatório. Para Marimpietri, preservar a infância implica em melhores índices de educação, melhorias na segurança pública e na saúde. “Ou seja, em campos centrais de desenvolvimento enquanto sociedade”, frisa.
Ele destaca que a cultura da infância significa ressaltar o que há de mais humano. É na infância que existe a semente da curiosidade, da invenção, da subversão da realidade, da invenção da vida. “Toda e qualquer invenção humana tem relação com uma infância viva nos adultos. Então, preservar com todo zelo, responsabilidade e afeto o presente da infância implica em desdobrar positivamente essas consequências no seu futuro”, analisa.
Na visão da doutora em linguística, professora do Programa de Pós-graduação em Letras da PUCRS e pesquisadora do Instituto do Cérebro Alina Fay Azevedo, a primeira infância é o momento em que acontecem avanços significativos no desenvolvimento das estruturas e também dos circuitos cerebrais. “Bem como na aquisição da capacidade essencial que vai servir como base para habilidades mais complexas mais a frente”, complementa.
Crianças que experimentam um desenvolvimento saudável durante os primeiros seis anos de vida têm uma maior capacidade de adaptação a diversos ambientes e também uma melhor predisposição para adquirir novos conhecimentos. “Tudo isso vai contribuir diretamente para um desempenho escolar mais satisfatório, uma realização pessoal e profissional, bem como na formação de cidadãos responsáveis”, ressalta.
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Para a especialista, é essencial promover um desenvolvimento saudável integral da criança, proporcionado por uma boa nutrição, cuidados médicos e um ambiente familiar seguro, carinhoso e estimulante. “Esses elementos vão formar uma base sólida para que essa criança viva bem tanto no presente, como no seu pleno potencial quando estiver na fase adulta”, enfatiza.
A relevância do ato de brincar
O modo mais singular das crianças de se relacionarem com o mundo e com outras pessoas é a partir da brincadeira. É o que avalia a pedagoga, especialista em Problemas no Desenvolvimento Infantil e professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Maria Carmen Silveira Barbosa. Ela pontua: “é fundamental que os pais entendam que a brincadeira não é perder tempo na escola e que melhor seria alfabetizar as crianças com três anos. O brincar fortalece as crianças, o seu autoconhecimento.”
Em ponto de vista semelhante, Marimpietri destaca que a criança precisa de tempo de ócio, livre da regência adulta sobre sua ação lúdica. Ter tempo ao ar livre e com outras crianças para que possa ter a chance de viver sua infância. “Essa preservação é dever de todos nós, mesmo daqueles que não têm filhos e deveria ser uma política pública”, aponta.
As habilidades que as crianças adquirem ao brincar, seja com objetos ou com pessoas (cuidadores), é importante aspecto da experiência do desenvolvimento infantil. Segundo a pesquisadora do Inscer, desde os primeiros meses de vida, o ato de brincar permite à criança explorar uma variedade de objetos de uma maneira mais sensorial. “Isso permite que possam responder a estímulos lúdicos, que vão ser propostos pelos indivíduos com quem a criança se relaciona, com quem a cuida”, ressalta.
À medida que essas capacidades vão se tornando mais complexas, ao crescer, a criança pode desenvolver relações socioafetivas, que são extremamente essenciais para o desenvolvimento infantil. “Podem ser explorados aspectos essenciais, como a cooperação na hora de brincar, o autocontrole e a autorregulação”, diz.
O papel da escola
A presença na escola é a oportunidade para que as crianças possam frequentar um ambiente que não seja o familiar, um contato com pessoas diferentes. É o que afirma Maria Carmem, que complementa: “é aprender a compreender. Viver na diferença. É um lugar que oferece uma pluralidade de experiências.”
Além disso, proporciona às famílias se encontrarem para trocar informações, uma espécie de centro cultural formativo. “Os familiares podem conversar sobre temas em comum, como a relação dos seus filhos com o computador, o celular e as redes sociais”, exemplifica.
Conforme acredita Marimpietri, a escola é um emblema de um projeto social de civilização. Por tanto, precisa estar com as “portas e janelas abertas” ao seu tempo e para seus dilemas. Isso implica em assumir uma agenda propositiva de garantia do direito de vivência da infância e pleno desenvolvimento. “Sem isso, não haverá educação emancipatória e estaremos tangentes ao silenciamento social da infância, o que seria a médio prazo calamitoso”, ressalta.
Um maior acesso à cultura de “mão na massa” é a sugestão do assessor pedagógico da Mind Makers, Victor Haony Ribeiro de Oliveira. Para ele, é fundamental explorar ferramentas e conceitos contemporâneos que estimulem a criatividade, a autonomia, a colaboração e outras habilidades que tecnologia alguma conseguirá substituir.
Para isso, dentre as disciplinas que atuam no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, está o Pensamento Computacional, que utiliza o idioma dos computadores, robôs e dispositivos digitais para instruir os alunos. “Desde os quatro anos de idade, é possível solucionar problemas interdisciplinares. Decompor um problema cotidiano, desenvolver uma sequência de passos, o algoritmo, e coletar dados são alguns passos fundamentais para a resolução criativa de problemas, tudo feito em equipe”, indica.
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