Especialista explica como funciona o cérebro do adolescente

Professor de Neurociência do Comportamento e da Aprendizagem, Guilherme Nogueira fala como a escola pode colaborar na formação dos adolescentes

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Arquivo Pessoal

Se existe uma etapa da vida que requer uma atenção especial é a adolescência. Os neurônios ainda estão imaturos e os adolescentes consomem muito mais energia se comparado com os adultos. 

Práticas corriqueiras na juventude como sono irregular e uso excessivo de telas podem fazer com que o cérebro adolescente fique sobrecarregado e logo promova a fadiga cognitiva. O que pode levar ou potencializar um comportamento mais egoísta, agressivo, individualista e crítico, além de ser menos social, motivado e empático.

Com uma menor habilidade de flexibilizar o pensamento e buscar alternativas para resoluções de problemas, o adolescente carece de uma maior capacidade para planejar e gerir seus impulsos emocionais. Em outras palavras, ter o autocontrole. De certa forma, cria uma maior probabilidade de mentir ou trapacear. 

Esses são alguns dos apontamentos feitos pelo pesquisador e professor de Neurociência do Comportamento e da Aprendizagem, Guilherme Nogueira. Pelo país, o especialista realiza a palestra “O Cérebro Adolescente”, que tem permitido elucidar muitos aspectos do que pensam esses jovens.

Com o intuito de entender mais a mente dos adolescentes e o quanto a escola possui um papel fundamental para isso, o portal Educação em Pauta realizou uma entrevista exclusiva com o profissional. Confira:

Educação em Pauta – Na sua visão, como os adolescentes estão agindo nos dias de hoje?

Guilherme Nogueira – Primeiramente, é importante salientar que o cérebro é uma estrutura culturalmente modificável, existe um desenvolvimento, não pula etapas. Conforme a gente vai vivendo, vamos sendo influenciados pelos estímulos provenientes do meio, tanto na fase infantil como na adolescência, em que o cérebro é ainda muito suscetível. Ou seja, absorve com muito potencial esses estímulos provenientes do meio e ainda não tem uma capacidade de autogestão e autocontrole muito bem estabelecidos. 

Costumo dizer que o cérebro adolescente parece estar praticamente pronto, mas, na verdade, está passando por uma fase de grandes transformações do ponto de vista estrutural e funcional. Na maioria das vezes, da forma como os processos externos estão sugestionando esse cérebro, ainda não tem uma capacidade como a do adulto de refletir melhor sobre as coisas e de prever consequências. Na neurociência, chamamos de filogeneticamente irrelevantes aqueles que despertam o extremo prazer e, muitas vezes, se colocam em risco. O adolescente de hoje, ou de qualquer época, se comporta dentro de padrões relacionados ou associados com os processos estimulatórios. 

Educação em Pauta – Essa é a fase da vida que pode ser considerada mais delicada de se lidar?

Guilherme Nogueira – Essas transformações pela qual o cérebro está passando são estruturais, importantes para a auto-organização e o funcionamento social. Eles estão estabelecendo novas conexões neurais e refinando as conexões neurais já estabelecidas desde a fase da infância. Os sistemas neuroquímicos que controlam e organizam essa comunicação neural também estão sendo maturados. Tudo isso leva o cérebro adolescente a se tornar ainda mais suscetível. 

Então, sim, é um período carregado de perigos, predominantemente por impulsos afetivos e emocionais. Não consegue prever consequências negativas e situações de risco. É ainda um período de grande sustentabilidade, então de maior risco. O lado positivo é que o cérebro adolescente não é excessivamente crítico como o do adulto, logo traz um entusiasmo maior para as coisas que vai fazer, se engaja mais para fazer determinadas atividades. 

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Educação em Pauta – Em relação ao afeto, como funciona a mente dos adolescentes? 

Guilherme Nogueira – Isso está relacionado com as minhas últimas pesquisas. Costumo dizer que estamos fadados ao fracasso, porque se os estímulos externos começam a sugestionar o cérebro para um lado, acabamos correndo um alto risco. Ao longo do desenvolvimento, o cérebro que melhor nos define é menos calcado na base genética e muito mais fundamentado naquilo que foi experienciado. 

As crianças que formam um bom vínculo afetivo estão diretamente relacionadas com a neuroquímica, estimulando o hormônio ocitocina (responsável por sensações reconfortantes durante interações sociais e físicas). Essas crianças, além de criarem um canal de confiança maior e um comportamento mais pensando no outro, alicerçam o cérebro para a transição para pré-adolescência e adolescência. Esse vínculo afetivo seguro com os próximos, principalmente com os pais, fazem verdadeiras fontes de proteção, figuras de apoio. 

O que tenho visto é que adolescentes com vínculo afetivo saudável, seguro e bem formado possuem valores morais e autocontrole melhores estabelecidos. O vínculo afetivo pode ser até um predecessor dessa condição mais bem organizada na adolescência. Isso faz uma grande diferença, porque além de trazer todo esse campo da confiança, traz também o alicerce para o senso moral. Isso tem um grande impacto nessa transição da idade infantil para a pré-adolescência.

Educação em Pauta – E qual é a melhor forma de diálogo nessa idade? 

Guilherme Nogueira – Essas figuras de apego e apoio são mais próximas da relação. Quando a criança se sente acolhida, se sente respeitada, não entra naquela relação de imposição, de submissão, que leva a um controle externo. Caso contrário, gera angústia, ansiedade. Isso se transforma em um apego ansioso. Essa relação das figuras de apoio para a de apego deve se estabelecer a partir de um canal harmônico, ou seja, um diálogo. 

Pessoas que convivem com essa criança ou esse adolescente possuem um grande impacto na sua formação, não só do caráter, mas nos traços de personalidade e, consequentemente, dessa organização que chamamos de destinos de apego. Para ter uma ideia, os pais que criam filhos para experimentar juntos, que demonstram que errar faz parte do processo, gera referências. Para poder buscar alternativas, o cérebro precisa do erro, precisa entender que não chegou aquela recompensa esperada e que gerou algum tipo de punição. Valorizar o erro nesse processo de construção da vida ao longo da adolescência também ajuda a formar bons vínculos afetivos, isso faz uma grande diferença. Os pais que criam os filhos nessa condição mais impositiva geram cérebros de adolescentes muito mais rebeldes e não cumpridores de regras. 

Educação em Pauta – E dentro dessas vivências e referências, os professores são importantes agentes nessa formação. De que maneira, os educadores podem colaborar? 

Guilherme Nogueira – Estudos mostram que a gente pode, ao longo da vida, ressignificar os vínculos afetivos. Segundo o psicólogo Urie Bronfenbrenner, a vida se estabelece em microsistemas e migra para um mesossistema. Então, a escola não deixa de ser também um micro ou um mesossistema. É onde essa criança ou adolescente começa a conviver com colegas e professores. É o que digo nas palestras sobre o cérebro adolescente: na medida em que o adulto entende essas áreas que compõem, como se fosse uma “caixa de ferramentas para o autocontrole” que ainda não está bem maturada, vai compreender o desgaste que o cérebro do adolescente tem. Autocontrolar um impulso emocional, não entrar em um conflito desnecessário, planejar e demandar mais tempo para uma determinada atividade, tudo isso para o cérebro do adolescente consome muito mais energia. 

Essa leitura e parceria estabelecida a partir dessa perspectiva de conhecimento do professor em relação ao cérebro do adolescente permite um melhor vínculo de apego. Pequenos feitos, digamos assim, em termos de comportamento social que o adolescente promove, devem ser recompensados, elogiados, reconhecidos. Isso tudo gera uma neuroquímica no cérebro e forma memórias que vão levar a busca desses padrões de comportamento em outras situações no futuro. Isso tudo vai criando relações afetivas, mais seguras. Vai dando ao adolescente também uma condição de autonomia muito mais calcada naquilo que nós chamamos de comportamento socialmente desejado. 

Dentro da escola temos a relação do adolescente com outros adolescentes, que nós chamamos de relação em pares. O cérebro do adolescente tem uma potencial necessidade de um dos gatilhos motivacionais do humano, que é o sentimento de pertencimento. Então, trabalha muito mais no que nós chamamos processo ascendente, afetivo emocional e menor controle cognitivo. O cérebro direciona a atenção para os pares, o que aumenta as chances de uma decisão ou de uma percepção. Os pares influenciam em até três vezes mais na fase da adolescência, inclusive para imitação de comportamentos. Por isso que a organização dos vínculos afetivos e do contexto da cultura institucional na escola deve ser bem elaborada e bem pensada. 

Além disso, existe a imaturidade do córtex frontal dessa “caixa de ferramentas” dos adolescentes. Para o nosso funcionamento social na adolescência, aumenta esse impacto afetivo-emocional. Isso faz com que a rejeição apresente maior sofrimento no cérebro do adolescente do que no cérebro adulto. Então, a rejeição, principalmente por parte de pares, dói mais no adolescente do que em um cérebro mais maturado. Ao longo da nossa evolução, a gente sabe que os circuitos da aversão e da ansiedade se entrelaçaram aos circuitos da dor e do sofrimento e essa imaturidade do sistema racional na adolescência faz com que esse cérebro sofra mais também.

Educação em Pauta – Já que você referiu o pertencimento, muitos adolescentes acabam caindo em desafios, para provar que são capazes. Como lidar com isso?

Guilherme Nogueira – Isso mostra essa dificuldade que o cérebro adolescente tem de discernir de maneira racional os perigos da vida. Existe um disparo emocional de busca, motivação, prenúncio e recompensa muito maior do que a capacidade de discernir racionalmente sobre os riscos. Muitas vezes está calcado exatamente na busca do sentimento de pertencimento. Eles costumam ser muito mais impulsivos, porque essas áreas de controle racional ainda não estão maduras. Essa dopamina, a busca do pertencimento, de se sentir associado, coloca alavancas motivacionais e tiram a capacidade do cérebro discernir racionalmente dos perigos e dos exageros que a gente vai cometendo. 

Se esse adolescente faz um desafio, e isso dá certo no que se refere ao reconhecimento, gera muito mais alavancas neuro psicobiológicas da motivação e há uma tendência que venha a se repetir ou a usar isso para estimular outros adolescentes. Isso diminui ainda mais a capacidade de discernir sobre os riscos, tanto que, muitas vezes, ficam impactados quando algo mais grave acontece com um colega em uma situação dessas. Eles se surpreendem, o que para nós, cérebros de adulto, seria uma tragédia anunciada. O cérebro adolescente gasta muito mais energia e o que acaba fadigando muito mais. 

Educação em Pauta – E como a escola pode contribuir para prevenir essas situações complicadas?

Guilherme Nogueira – O exercício de se colocar no lugar do outro, demanda também um pensamento acerca do outro. A gente tem que entender que a empatia e a preocupação empática não brotam simplesmente do sistema emocional. Também requerem uma capacidade de criar representações mentais acerca do outro. Por exemplo, pensar: “O que leva o adolescente a estar fazendo determinada coisa, se a priori para mim não faz o mínimo sentido?”. Vamos criar hipóteses, refletir sobre isso. 

O interessante é estimular trabalhos sociais na escola, que sejam cooperativos, de ajuda, de apoio para que os adolescentes possam se exercitar entre si. Tudo isso mexe com as neuroquímicas do cérebro que o colocam em uma condição muito mais favorável de funcionamento social, calcado em comportamentos socialmente desejados. Os hormônios e a neuroquímica não criam os comportamentos, mas sim potencializam aquilo que ao longo da vida desse adolescente foi sendo estimulado. Enquanto os níveis de testosterona do adolescente podem ser usados para brigar com outro colega, também pode ser utilizado para um trabalho cooperativo, ajudando um professor ou um colega. 

Educação em Pauta – Em específico aos gestores escolares e coordenadores pedagógicos, quais recomendações você pode transmitir?

Guilherme Nogueira – Na parte prática, não dissociando da neurociência, costumo dizer que é importante pensarmos que o cérebro funciona dentro de uma circularidade importante. Preciso ter uma boa estrutura emocional para ser disciplinado. O primeiro ponto é que esqueça a perspectiva formal da escolarização e dedique tempo para um momento humano, fazer com que os adolescentes possam falar sobre suas vidas, suas angústias, colocarem para fora seus medos. Isso para buscar criar relações afetivas mais seguras, vínculo afetivo, entender que todos nós temos fraquezas, incertezas, mas que pode tornar aquela relação interdependente e complementar. Lembrando que essa base afetiva de ouvir o adolescente, é indicar que está para ajudar, que pode confiar em trazer as questões e diminuir a curiosidade. Os adolescentes precisam ter espaços na escola para exercitar corporalmente tudo aquilo que se quer em termos de perspectiva, pensamento e padrões. Se digo que empatia é importante, colocar o adolescente a fazer um trabalho cooperativo, coloca ele a refletir e a conversar com o outro adolescente sobre a sua vida, para criar representações mentais mais claras.

Dentro dessa estratégia, a escola precisa ter espaços em que os adolescentes sejam os verdadeiros proponentes desses espaços de execução, ou seja, a parte atitudinal. Por exemplo, propor que um dia a organização da aula seja com os alunos. Isso leva o adolescente também a criar essa perspectiva da iniciativa, da tomada de decisão, da autorresponsabilidade. Na hora dele fazer alguma coisa, vai ver o quanto aquilo requer conhecimento, requer esforço e o quanto é difícil. É a concretude daquela perspectiva anteriormente gerada. Então, trago isso para uma percepção para o cérebro que é constituída da análise das pistas sensoriais, o histórico de memória que se tem sobre determinadas pistas, aquele estímulo que está recebendo, e mais, a perspectiva que se coloca sobre um estímulo. Então, a gente acaba sendo sugestionado e, muitas vezes, tem um distorce perceptivo. Na medida em que se pratica algo, isso dá uma proximidade da realidade muito maior. 

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