“Desafios” perigosos nas redes sociais colocam em alerta pais e educadores

Documento da Sociedade Brasileira de Pediatria ressalta o aumento destas práticas entre os jovens e explica como familiares, educadores e profissionais da saúde podem atuar

por: EDUARDO WOLFF | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Produzida com Inteligência Artificial do Bing, Microsoft

Um novo alerta sobre os desafios perigosos que se alastram em redes sociais foi emitido pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). TikTok, Instagram, Discord, entre outras plataformas, estão sendo usadas com mais frequência por crianças e adolescentes para dinâmicas que consistem em competições online como uma espécie de brincadeira.

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Entre os desafios, se destacam: práticas de sufocamento, asfixia ou apneia; práticas de autoagressão (como o cutting, ato de se cortar). Também constam ações como o uso de pílulas mágicas, com teor desconhecido de pó branco ou colorido, jantares com detergentes como bebidas e pastilhas de sabão como refeição, engolir chips e bolinhas magnéticas e as dangerous selfies (fotos em locais perigosos).

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Os alertas da SBP são para supervisão parental e dos responsáveis por crianças e adolescentes, aliado ao respeito à privacidade. O neurologista, especialista em Neurofisiologia e participante do Grupo de Trabalho sobre Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Eduardo Jorge Custódio, comenta que muitos desafios são antigos, porém, é muito fácil viralizar e impactar muitas pessoas. “As crianças são mais limitadas a fazer estes desafios, no entanto, os adolescentes são um público mais vulnerável”, frisa.

O neurologista sinaliza que o juízo de valores é um dos últimos no desenvolvimento cerebral. Por serem muito emocionais, os adolescentes querem experimentar novas sensações, o que os tornam um público fácil para os desafios perigosos. “É a síndrome do Super Homem ou da Mulher Maravilha”, amplia.

O profissional reforça que os pais precisam oferecer opções de lazer aos filhos, sem o uso de tecnologias. Além disso, ações simples como orientar a não usar o celular na mesa no horário do almoço, por exemplo, podem contribuir. “Apenas usar um programa controlando o que está sendo acessado não vai solucionar, é necessário conversa”, complementa.

Anualmente, a entidade promove o Encontro Internacional sobre o Uso de Tecnologias da Informação por Crianças e Adolescentes/Jovens Adultos para atualizar profissionais sobre assuntos que envolvam a tecnologia e possam trazer riscos às crianças e adolescentes. Ao final de cada encontro, um documento é desenvolvido com Recomendações e Diretrizes para Políticas Públicas sobre Crianças/Adolescentes na Era Digital.

Comportamentos de risco e autoagressivos 

Segundo o advogado especializado em Direito Educacional, consultor e assessor jurídico de escolas particulares, Luciano Escobar, é um grande engano pensar que crianças e adolescentes estão protegidos, simplesmente, porque estão dentro de casa. O celular, o tablet e até mesmo as smart TV’s são portas que os levam para um ambiente em que o cuidado e o monitoramento dos pais se torna extremamente difícil. “É preciso que os pais tenham os mesmos cuidados que teriam ao deixar os filhos saírem de casa sozinhos, seja para passear no shopping ou para as primeiras festas. Não é possível cuidar sem acompanhar”, sugere.

Os pais devem saber quais as redes sociais são frequentadas pelos filhos, quais as conexões eles mantêm e com quem se relacionam, além de acompanhar que conversas estão ocorrendo. É fundamental que os responsáveis estejam atentos aos comportamentos de risco e autoagressivos das crianças e adolescentes e não pensar que as mudanças de humor são uma “fase da idade”, porque podem ser importantes sinais de que algo está errado.

O especialista reforça que a proteção de crianças e adolescentes é dever do Estado, da família e da sociedade. Sempre que se estiver diante de situações ou que se tenha conhecimento de que um menor possa ser vítima de qualquer espécie de violência (física, psicológica, moral etc) os pais, ou seus responsáveis legais, devem ser avisados para que possam buscar ajuda. 

Para isso, é possível procurar a Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) da Polícia Civil, e também o Ministério Público (MP), que possuem canais de denúncia online. “Na falta de atitude dos pais, pode-se acionar o Conselho Tutelar, assim como o Deca e o MP”, complementa.

Atuação jurídicas em relação ao uso das redes

Escobar reforça que as redes sociais não são uma terra sem leis. “Muito pelo contrário, todas as regras jurídicas e legais que se aplicam ao ambiente real, também se aplicam ao ambiente virtual”, salienta.

Para ele, as redes causaram uma transformação, uma disrupção das relações sociais, ao derrubarem as últimas barreiras que impediam uma plena interação entre as pessoas através do mundo, ou seja, a comunicação e a distância. Uma nova reorganização de grupos e movimentos sociais começou a ocorrer, conectando pessoas ao redor do mundo com os mesmos interesses e afinidades, como se estivessem no mesmo bairro, na mesma cidade. 

Além dos aspectos positivos, essas transformações não vieram acompanhadas da necessária conscientização e educação para essa nova realidade. “Passou-se a confundir a liberdade como um direito absoluto em que tudo é possível de ser feito. As redes sociais potencializam as possibilidades dos danos que se pode causar a alguém, que também passaram a ser numa dimensão mundial”, comenta. 

Ações para inibir estes desafios

A especialista em Psicoterapia Psicanalítica e professora de Psicologia Escolar e Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem na Factum, Letícia Machado Moreira, acredita que é preciso que a equipe diretiva, pedagógica e psicológica trabalhem juntas para encontrar o melhor caminho de abrir espaços de escuta para essas questões. “Precisamos entender qual a fonte da motivação para essas autolesões”, aponta. 

Ela destaca que existem duas fontes importantes que, geralmente, aparecem quando esses jovens são escutados em relação aos comportamentos de risco. Uma é a busca pelo reconhecimento (os likes das redes sociais tornam-se importantes para essa validação) e a outra são as dores e tristezas não compreendidas pelos demais. “A adolescência é um período da vida em que estamos consolidando nossa personalidade. Há uma promessa de futuro e de realizações, contudo, os jovens têm relatado, hoje em dia, a falta desse futuro”, explica.

Pais e professores devem ficar atentos aos sinais de comportamento, observar se há alteração de padrões de estudos, diminuição da aprendizagem ou dificuldade de socialização, tudo isso é indicativo de que algo maior pode estar acontecendo. É importante que esses casos sejam trabalhados dentro das escolas, sendo um espaço de acolhimento e escuta para que os adolescentes expressem suas dores, medos e aflições. 

Contudo, Letícia afirma que esses casos também precisam de um psicoterapeuta especializado em adolescência, que possa escutar esse jovem na sua singularidade e, assim, compreender o que esse desafio significa na história pessoal desse adolescente. “Abrir espaço para o diálogo é a melhor forma de reconhecimento que podemos dar aos jovens, mostrar que estamos atentos e que eles podem buscar likes na presença e não, apenas, nas redes sociais”, ressalta. 

Na visão do especialista em Direito Educacional, as escolas possuem um papel importante na formação da criança e do adolescente, preparando-os para o exercício pleno de sua cidadania, o que significa conhecer e exercer além dos seus direitos, os seus deveres. Ações que desenvolvam a capacidade da empatia, do respeito, da resolução de conflitos por meio da mediação, devem ser transversais ao projeto pedagógico, acompanhando as crianças e adolescentes durante toda a sua vida escolar.

Outra sugestão é investir na formação dos seus alunos em “Educação e Cidadania Digital”, desenvolvendo-os para ações saudáveis, conscientes e responsáveis. “Também para a compreensão dos riscos e consequências que suas atitudes têm junto ao ambiente virtual, que, hoje, representa mais uma dimensão das interações pessoais”, frisa.

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