ESG nas escolas é possível e necessário
Instituições de ensino precisam estar em sintonia com objetivos que visam à sustentabilidade da vida no planeta
Eduardo Borba
Pai do Murilo, esposo da Marjo. Jornalista e Mestre em Comunicação Social, com foco em memória institucional. Especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global. Atuação junto a empresas e organizações de impacto social, como AESC/Hospital Mãe de Deus, PMI-RS, Hospital Santa Luzia, PUCRS, Rotary International. Associado na Odabá Afroemprendedorismo, integrante do Conselho Deliberante do Colégio João XXIII e membro-fundador da Comissão Antirracista da Escola.
Em março de 2023, fui contatado por um amigo jornalista, pessoa altamente competente e atenta às tendências de mercado, procurando saber sobre estabelecimentos privados de ensino que aplicavam, especialmente nas escolas, o ESG – sigla que, em inglês, significa Environmental, Social and Governance. No Ensino Superior esse tema não é novidade, apurou ele junto às fontes entrevistadas sobre o tema, “mas não consigo encontrar escolas no Rio Grande do Sul que apliquem ou mesmo que dominem o assunto”, revelou com certo espanto.
O relato, infelizmente, não me surpreendeu. Procurei ajudá-lo citando ações pontuais de instituições de ensino que, porém, não assumiam a sigla como um posicionamento institucional. Dias depois, tive acesso a uma pesquisa nacional mostrando que 71% das redes municipais não colocavam em prática o que determina a Lei Federal 10.639/2003, que há 20 anos havia alterado a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), determinando às escolas o ensino da história e da cultura afro-brasileira. Não há, ainda, levantamento similar no ensino privado (se você souber, ficarei feliz em conhecer e compartilhar).
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Aí você pensa: “Xiiii, misturou os assuntos. O que ESG tem a ver com a LDB?” Quer saber? Absolutamente tudo. Vamos conectar alguns pontos (e siglas)?
Uma sopa de letrinhas (rica e nutritiva)
Nosso cotidiano está repleto de siglas. Mais que decorá-las, é indispensável saber o que está por trás do significado e a aplicabilidade de cada uma delas em nossa vida pessoal e em nossas atividades profissionais.
ESG é uma sigla em inglês que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização, seja qual for o ramo de atuação. O termo foi usado pela primeira vez em 2004, na publicação chamada “Who Cares Wins”, uma iniciativa do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial. Surgiu de uma provocação do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a 50 diretores-executivos de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais.
Naquela época (início dos anos 2000), outras siglas eram mais populares no meio empresarial, como RSE (responsabilidade social empresarial), capilarizada no Brasil por entidades como o Instituto Ethos e ODM (Objetivos para Desenvolvimento do Milênio), lançada no ano 2000, pela ONU.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases), sabemos, é bem mais longeva, remontando ao ano de 1961 com sua primeira versão, após grande período de debates. A LDB vigente é de 1996, mas recebe constantes e importantes atualizações, com a citada Lei 10.639/2003.
Nesse contexto, outra sigla é relevante: BNCC. A Base Nacional Comum Curricular traz as normas sobre o que precisa estar contemplado nas aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. O documento conta com dez competências gerais. Na definição dessas competências, a BNCC cita que “educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza”.
E, para finalizar essa etapa, encontramos a última sigla: ODS. Esse trio de letras corresponde aos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, aprovados em setembro de 2015, durante a Assembleia Geral da ONU. A resolução foi adotada na Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em Nova Iorque, e assinada por 193 países, incluindo o Brasil. Os ODS entraram em vigor em 1º de janeiro de 2016, e suas 169 metas devem orientar as ações dos países integrantes e interessados, além de serem cumpridas até 31 de dezembro de 2030. Os ODS resultam do documento “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
Os conceitos e seus avanços
Os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável foram criados em 2015 como um desdobramento dos Objetivos para o Milênio (ODM), da ONU, e visam ao engajamento global, de pessoas, governos, empresas e instituições. Em 15 anos, os ODM conseguiram tirar milhões de pessoas da pobreza, empoderar mulheres e meninas, melhorar a saúde e bem-estar, e fornecer vastas novas oportunidades para uma vida melhor. O desejo é que os ODS também alcancem esse sucesso.
A Base Nacional Comum Curricular, após anos de debates e consultas públicas, teve sua homologação em 2017, para a Educação Infantil e Ensino Fundamental, e em 2018, para o Ensino Médio. A LDB se renova, também, com atualizações permanentes, especialmente voltadas à educação inclusiva.
Ainda, os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável também se atualizam. Exemplo disso é o pleito brasileiro, apresentado voluntariamente na Assembleia Geral da ONU, em 2023, para a criação do 18º Objetivo: Igualdade Étnico-Racial.
E como as escolas podem viver o ESG?
A proposta de trazer as relações de siglas e conceitos aparentemente vinculados ao mundo corporativo e contextualizar no mundo da Educação, é reforçar que tanto a gestão escolar quanto o processo de aprendizagem precisam estar conectados com grandes metas globais, que somente farão sentido com atitudes locais.
Você, dirigente escolar, já fez um breve diagnóstico ligado às questões de governança? Há transparência nas decisões administrativas? Há uma política de compliance?
E no que diz respeito ao impacto ambiental da instituição que conduz? Como ocorre o descarte de resíduos e como são monitoradas (ou substituídas) as fontes de energia? Quais são as práticas sustentáveis dos fornecedores da sua escola?
A relação com as pessoas contratadas, sejam para o corpo docente e ou equipes administrativas, está amparada em amostragens, por exemplo, como o Censo Brasileiro para sua cidade? A relação com as famílias dos(as) estudantes – de pagamento integral ou bolsistas – e a comunidade do entorno é aberta, permanente e sadia?
Você percebe que, a partir de um olhar ESG para o ambiente e práticas da escola é possível relacionar as questões pedagógicas de maneira coerente e consistente? Os documentos que embasam a Educação no Brasil estão disponíveis e trazem nitidamente o que deve ser feito. A questão é vê-los com atenção e fazê-los impulsionar práticas que extrapolam o ambiente da sala de aula e produzem sentido na vida cotidiana.
Por hábito, procuro relacionar minhas ações e entregas profissionais aos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável. Representa um exercício diário de ver como o que eu (re)penso, leio, ouço ou realizo pode dialogar com algo maior do que o “meu mundinho”.
Concluo trazendo, dentro da perspectiva da Diversidade, Equidade e Inclusão, que é um dos segmentos umbilicalmente ligados ao ESG e aos ODS, que não basta termos uma rampa para cadeirantes com a inclinação recomendada pela Norma da ABNT se não virmos, na pessoa que usa a cadeira de rodas, as capacidades que ela tem a oferecer.
É infrutífero postar um vídeo ou card nas redes sociais exaltando o Dia Internacional da Mulher e a Semana da Consciência Negra se não houver, na biblioteca da escola, um amplo acervo que valorize mulheres e pessoas negras, ou ainda, uma política institucional que seja sensível e corretiva sobre a posição desses dois públicos nos cargos atuais e nas novas contratações.
Ainda nessa reflexão, não fará sentido falar de energias renováveis em sala de aula se a escola nunca fez um estudo para instalar módulos solares ou, simplesmente, não separa os resíduos em lixeiras específicas no pátio, dando o destino correto (e sabendo qual é esse destino).
São várias as ações possíveis mas, mais que planejar orçamento (sim, ele segue indispensável), é necessário intencionalidade e disposição em rever conceitos e comportamentos como forma de aprimorar práticas por um mundo melhor, a partir das crianças, dos jovens, das famílias e das pessoas educadoras. Não é retórica. É ação.
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