“A essência é aprender para ensinar melhor”, diz Idelfranio Moreira
Educador levará seu olhar humano sobre a tecnologia na educação para o 18º Congresso do Ensino Privado, em julho, na PUCRS
Cearense, professor, gestor e entusiasta da transformação educacional com o uso consciente da tecnologia. Essa é uma descrição breve da longa e empolgante carreira de Idelfranio Moreira, considerado um dos principais nomes quando o assunto é inovação na aprendizagem. Com mais de três décadas de experiência, hoje ele atua como executivo de Inovações Educacionais no SAS Educação, onde lidera projetos que unem tecnologia, pedagogia e estratégia para tornar a experiência escolar mais personalizada, eficiente e conectada aos desafios contemporâneos.
Professor de Física em turmas de alto desempenho e com experiência em gestão escolar, Idelfranio transita com propriedade entre o chão da sala de aula e os espaços de decisão estratégica. Ao longo de sua trajetória, tem se dedicado a aproximar educadores do universo digital, desmistificando conceitos e propondo caminhos viáveis para que a Inteligência Artificial (IA) seja, de fato, uma aliada dentro das instituições de ensino.
“É preciso pensar quais são os problemas importantes que eu tenho para resolver nas minhas rotinas e se existe uma inteligência artificial para isso. Esse é sempre o pensamento correto para começar a usar uma nova tecnologia”, aponta o professor, que será um dos palestrantes do 18º Congresso do Ensino Privado, promovido pelo SINEPE/RS, nos dias 23, 24 e 25 de julho, no Centro de Eventos da PUCRS. Sua participação promete provocar reflexões importantes sobre o papel da IA no presente e no futuro da educação.
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Em entrevista para o Educação em Pauta, Moreira compartilha sua visão sobre os usos éticos e práticos da tecnologia nas escolas, os impactos da IA no processo de aprendizagem e os desafios que os gestores educacionais precisam enfrentar para acompanhar as transformações que já estão em curso. Confira:
Ainda há muita dúvida, e até receio, por parte de alguns educadores em relação à Inteligência Artificial. O que você diria para os gestores e professores que consideram a IA como algo distante ou ameaçador?
A reflexão é a seguinte: não é distante, pelo contrário, nos atravessou e já está lá na frente. Se a gente considerar que começamos a ter a presença da tecnologia na educação aqui no Brasil no começo da década de 1990, com os computadores pessoais e com a internet, e na virada para os anos 2000, com os celulares, os dispositivos mobile e, depois, os smartphones, temos aí um delay que exige que a gente corra atrás. O ponto importante é que a adoção das tecnologias e a disrupção que elas causam têm sido cada vez mais aceleradas. Hoje, com as inteligências artificiais generativas, o que você tem que fazer? Há um aplicativo instalado no seu dispositivo mobile, e você vai literalmente falar com ele. Então, a grande questão é, do meu ponto de vista enquanto gestor e professor, correr atrás de um mundo que está cada vez mais acelerado e em que a gente está ficando para trás. Tem um ponto de responsabilidade profissional gigante.
Na sua opinião, por onde as escolas devem começar se quiserem entender e adotar a IA em seus processos pedagógicos e administrativos?
As tecnologias oferecem um ponto de incremento de produtividade. Sabemos que a jornada do professor, independentemente do segmento em que ele atua e do componente curricular que ele trabalha, é muito puxada, dentro e fora da sala de aula. É preciso mostrar as inteligências artificiais como ferramentas que podem melhorar e aumentar a produtividade nas tarefas que chamamos de algoritmizáveis, como correções de prova, levantamento de material para repertório, elaboração de planejamento pedagógico e análise de dados. Isso permite que o professor consiga focar naquilo em que ele é o diferencial. Acho que isso seria um pontapé. Lembrando que as inteligências artificiais, assim como a eletricidade, por exemplo, é o que a gente chama de tecnologia de propósito geral. Elas impactam todas as atividades. É preciso pensar quais são os problemas importantes que eu tenho para resolver nas minhas rotinas e se existe uma inteligência artificial para isso. Esse é sempre o pensamento correto para começar a usar uma nova tecnologia.
Você acredita que a IA pode transformar o papel do professor em sala de aula? De que forma?
Eu acredito que o professor pode transformar o papel do professor em sala de aula, e não a tecnologia. Olhando em retrospectiva, as tecnologias, por si só, não resolvem problemas, elas precisam ser compreendidas, interpretadas, aplicadas e dominadas. É menos uma questão de tecnologia e mais uma questão de atualização profissional. Nós já entendemos que todos os cursos são aplicados e exigem muita atualização dos profissionais. A gente fala muito hoje em Life-Long-Learning, Life-Wide-Learning, Upskilling e Reskilling. Se o professor é o profissional que forma todos os outros profissionais, então é o primeiro que precisa se beneficiar disso. É reciclar habilidades que a gente já tem e aprender algumas novas, que certamente não eram necessárias quando nós começamos. Mas o mundo mudou, está muito acelerado. Ele muda muito e muito rápido. Ele capota!
Que tipo de ganho concreto na aprendizagem dos estudantes pode ser alcançado com o uso bem estruturado da IA?
Vou dar uma resposta bem focada numa ferramenta que é muito conhecida de nós professores, a Taxonomia de Bloom. Ela propõe alguns níveis de demanda cognitiva para a gente começar com atividades, desde as mais simples, de ler, de reconhecer, de lembrar, passando por atividades como interpretação, avaliação, até a criação. Dizemos que o aprendizado de verdade acontece nos níveis mais altos de Bloom. Os níveis mais baixos são o que eu chamei de algoritmizável. A leitura de informação, a interpretação de dados, podem ser ajudadas pelas inteligências artificiais. Vamos pensar alguns exemplos práticos. Eu sou um estudante e estou tentando aprender inglês. Aí eu me aventuro a ler um texto em inglês e, em um determinado parágrafo, fico perdido. Não conheço as palavras, vejo que o meu vocabulário precisa crescer. Eu tenho a opção de traduzir, mas hoje eu posso, por exemplo, colocar esse parágrafo que eu não consegui entender num chatbot e pedir para ele me explicar o parágrafo. Com essa nova explicação, com outras palavras, com outro vocabulário, eu consigo entender o significado sem precisar traduzir.
Há várias possibilidades de criações de dinâmicas para que o aluno consiga trabalhar. Isso poderia ser um bom pensamento de estruturar um uso de IA para os estudantes, que pode ser feito tanto a partir do planejamento pedagógico do professor, como vale trabalhar com aluno a metacognição, para ele entender esse processo de aprendizado. As IA generativas podem cumprir um papel muito importante e podem ser um grande ponto de partida. Lembrando que são crianças e jovens e que, por si só, teriam dificuldade de entender os melhores usos, de encontrar os melhores contextos, de dar as melhores aplicações, até de usos éticos. Nesse ponto, é preciso um preparo, uma supervisão e um direcionamento do professor.
Na sua visão, quais são os principais desafios para integrar a IA de forma eficiente no contexto escolar brasileiro?
Nós estamos já vivendo um quarto do século 21, com todas as possibilidades que ele trouxe, mas nós ainda temos crianças, jovens, estudantes, alunos que reclamam, porque têm que estudar o que têm que estudar, que acham que não vão dar uso para aquele conhecimento. Não é assim mais que se entende o estudo, o aprendizado e o conhecimento. Tudo aquilo em que eu empenhar recurso mental, foco, esforço cognitivo para tentar entender, isso, em último grau, está formando sinapses na minha cabeça. Quanto mais sinapses eu tenho, mais poder cognitivo eu ganho. Não é de reclamar disso ou daquilo ou de achar que o conhecimento tem que ser utilitário. É um pensamento errado achar que, se o estudante quer fazer o curso de direito, vai precisar das aulas de história, mas não das de física.
O que eu preciso, em qualquer carreira, é de capacidade cognitiva, de habilidades de resolução de problemas. Isso é desenvolvido toda vez que eu estou estudando. Se o meu aluno entende a importância de estudar, ele não vai pedir para o ChatGPT escrever uma redação e vai entender que o trabalho dele é se dedicar à escrita de um texto, que é o produto final de um processo em que ele ampliou sua capacidade cognitiva para ser aquilo que ele quiser ser.
Como você vê o papel da formação continuada de professores diante dessa nova realidade tecnológica?
As transformações que a gente tanto quer ver são menos técnicas e mais voltadas para o modo como se faz. É uma questão de compreender o mundo como um todo, ouvir e ver o que está acontecendo. Porque esse mundo hoje está dentro da minha sala de aula, que é bem diferente de quando eu comecei a dar aula, no meu caso específico, há 32 anos. Esse entendimento desmistifica muitas das dores e permite ver as oportunidades. São tecnologias muito disruptivas, e quando um mercado sofre de disrupção, há profissionais que saem porque o mercado tira ou porque o profissional não quer se reinventar. As coisas não têm uma explicação simples, é tudo multifatorial. São esses recursos tecnológicos que temos hoje que permitem uma formação efetivamente continuada do professor, já que não dependemos de encontros apenas presenciais e síncronos para realizar formações. Os recursos digitais que dão oportunidade de cada professor seguir sua trilha, focar nas suas necessidades e seguir o seu tempo e o seu fluxo. É um grande poder. E isso traz grandes responsabilidades. Professores podem dirigir suas formações, e gestores e instituições devem fornecer oportunidades para isso.
Lembro de uma fala do escritor de ficção científica Arthur C. Clarke que diz que qualquer tecnologia muito disruptiva às vezes é indistinguível de mágica. Ainda há muitos professores que entendem a tecnologia como mágica. O foco que eu tenho dado nas minhas formações de professores é mostrar que não tem mágica nenhuma e que a gente pode correr atrás.
O que mais tem te surpreendido nas experiências com IA aplicadas à educação?
Atuo como executivo de inovações na SAS Educação. Nós temos um case mundial de aplicações de inteligência artificial para a educação reconhecido pela OpenAI, criadora do ChatGPT, com a qual temos um acordo comercial. A maneira como temos pensado a IA passa por dar a oportunidade do professor rever as suas práticas profissionais. O grande momento que estamos vivendo é de entender o que é que na nossa prática profissional é algoritimizável. Isso tanto vale para o administrativo da escola como para o pedagógico. Porque, se for algoritimizável, certamente existe um software com inteligência artificial que vai fazer aquilo muito melhor e mais rápido do que eu e você.
E aí nós vamos descobrir também o que não é algoritimizável, o que faz com que sejamos quem somos. Esse é o ponto em que a gente está vivendo agora. E a minha surpresa tem vindo disso, de ver a aplicabilidade das ferramentas que temos desenvolvido e o impacto sobre o autoconhecimento da jornada profissional dos professores. Ainda está muito no início, temos muitas barreiras a serem vencidas, mas eu diria que o que mais tem me dado gosto de ver são essas auto-descobertas.
Sua participação no 18º Congresso do Ensino Privado vem justamente para abordar essa intersecção entre educação e tecnologia. Qual a importância de debater o uso da IA em eventos como esse?
Fiquei muito contente quando recebi o convite para participar do Congresso, e mais ainda quando me encomendaram esse tema. Acredito que quando estamos conversando sobre isso, tentando entender, é uma oportunidade de evoluirmos enquanto escola, tanto nos processos administrativos quanto nas propostas pedagógicas. É uma oportunidade de evoluirmos enquanto profissionais de educação, adultos desta época, responsáveis pela educação das nossas crianças e jovens. E também é uma oportunidade para essas crianças e jovens compreenderem melhor o que é o estudar e o que é o aprender. Algo tão necessário para sobreviver bem neste século e, pensando para o impacto nas carreiras, por exemplo, que só vem crescendo ao longo dos anos, agora é um momento em que se demanda muita excelência de aprendizado. Debater esses temas nos dá a oportunidade de evoluir, de nos tornarmos melhores, de aprendermos que essa é a essência do professor: a gente busca sempre aprender mais para conseguir ensinar melhor.
O 18º Congresso do Ensino Privado Gaúcho ocorrerá nos dias 23, 24 e 25 de julho, no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre. O evento, que nesta edição traz o tema “Razão e Emoção: conectando aprendizagens”, contará com as presenças de palestrantes renomados nacional e internacionalmente. Para participar do Congresso, basta se inscrever no site do evento.
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