“A inclusão é um papel de todos”, defende promotora de Justiça

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude do Ministério Público, Cristiane Corrales fala sobre o desafio de contemplar todos os estudantes, sem perder de vista a qualidade do ensino

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Divulgação

Inclusão e educação: dois temas que estão entre os mais sensíveis para a sociedade. Quando eles encontram pontos de intersecção, exigem ainda mais atenção das autoridades e da sociedade em geral. Com esse entendimento – e demandado por algumas famílias –, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) tem se debruçado sobre o assunto.

A condução, no âmbito do MPRS, fica a cargo do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude, sob coordenação da promotora Cristiane Della Méa Corrales. Há dez anos, a instituição criou dez promotorias regionais de educação, nas cidades de Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Osório, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santo Ângelo e Uruguaiana.

O Educação em Pauta conversou com a promotora sobre a atenção dedicada ao tema. A conversa também passou por temas como as principais dúvidas de famílias e instituições de ensino, o diálogo com o Conselho Estadual de Educação (CEEd) e o papel da escola e de todos os cidadãos na promoção de uma educação inclusiva e de qualidade.

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Educação em Pauta – Como funciona o trabalho do MPRS em relação à Educação? 
Cristiane Corrales – Há dez anos, criamos Promotorias Regionais em todo o Estado, de forma que cada município possui uma Promotoria Regional de Educação como referência. Desde então, atuamos em várias matérias – normalmente por meio de projetos, onde as dez regionais priorizam assuntos definidos em discussões internas. 

Entre esses temas aparecem, por exemplo, o acesso à educação, educação especial (na perspectiva de inclusão), distorção idade/ano e financiamento da educação. Na pandemia, articulamos, com as redes de ensino públicas e privadas, o reordenamento no período de suspensão das aulas presenciais e a recuperação, no retorno.

Continuamos trabalhando em todos esses projetos. Agora, a prioridade é o que se chama “O Direito é Aprender”, focado na recuperação de aprendizagem, sem descuidar dos demais, que continuam em fase de articulação e verificação das necessidades, que variam um pouco dentro do próprio Estado.

Educação em Pauta – Como o MPRS vê o trabalho de inclusão nas escolas? O que precisa avançar?
Cristiane Corrales – Neste projeto, que já estamos desenvolvendo e não é de agora, verificamos que em algumas regiões as escolas privadas evoluíram na adaptação de estruturas físicas, disponibilização de professores de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e no fornecimento de profissionais de apoio. Em um panorama geral, temos sido demandados em relação à disponibilização de vagas. As redes públicas evoluíram em alguns aspectos, mas ainda há muito mais a ser feito, até pela proporção do público que atendem no RS.

O parecer nº 001/2022 do CEEd, que trata da Educação Especial, recomenda um limite no número de alunos com deficiência, TEA e AHSD por turma, mediante redução do número total de alunos ou colocação de profissional de apoio escolar. Temos um grupo interno, o Conselho de Procuradores e Promotores com atuação na matéria da Infância e Juventude e Educação, que, com base nas alegações das famílias, estuda esse parecer no sentido de indicar uma posição institucional. No dia 11 de abril, tivemos reunião com o CEEd a respeito, pontualmente, desta recomendação de limitação de alunos com deficiência por turma. Vem sendo objeto de diálogo e o Ceed também sugeriu, a partir das considerações do MPRS, fazer discussões internas a esse respeito. 

A pauta atual é entender de que forma vamos garantir a qualidade de educação de cada turma – que provavelmente vai ter alunos com deficiência, porque entendemos que existe essa demanda crescente, tanto na rede pública, quanto na privada.

O profissional do AEE é quem vai dar apoio pedagógico para o aluno, não apenas na sala de recursos, mas também dentro da própria sala de aula, trabalhando com o professor titular da turma e orientando todos os profissionais da escola. A escola é que deve se adaptar para que seja inclusiva, e não o aluno simplesmente se adaptar à escola na condição de deficiente. Precisamos manter um equilíbrio sobre isso.

Estamos trabalhando isso com muito cuidado e responsabilidade, entendendo que o CEEd, quando fez o parecer, preocupou-se com a qualidade da educação, com o trabalho que o professor precisa apresentar para os alunos – e, para isso, precisa ter um parâmetro. Além disso, temos trabalhado a partir de parâmetros para fortalecer o entendimento da necessidade e articular a existência de um profissional de AEE à disposição em todas as escolas – e que a oferta desse profissional seja em quantidade adequada para o número de alunos com deficiência de cada escola.

O profissional do AEE deve ser disponibilizado quando a equipe da escola indica que é necessário para aquela situação específica. Nossa linha é de que o laudo médico não é definidor de quais apoios esse aluno precisa, mas sim a equipe pedagógica, porque é uma atividade de educação, então os profissionais da educação é que têm as melhores condições para cuidarem das especificidades desse aluno.

Sabemos que existem muitos laudos médicos com exigência de profissionais de apoio. Defendemos que é a escola, dentro de sua equipe, que vai indicar quais são as necessidades deste aluno e quais profissionais de apoio são necessários.

Educação em Pauta – Qual o nível de segurança jurídica do parecer do Conselho Estadual de Educação?
Cristiane Corrales – Ele está em vigor e estamos dialogando com o CEEd justamente pela forma como ele está redigido, no aspecto em que limita a quantidade de alunos por turma – entendendo que é uma recomendação, porque este é o termo que o documento traz. E entendendo, também, que o objetivo era estabelecer um parâmetro, buscando a garantia da qualidade da educação para este grupo da turma, mas que é possível um estudo que chegue a uma outra redação que não seja utilizada para negativa de vagas para crianças ou adolescentes com deficiência.

O MPRS promoveu o encontro e os Conselheiros comprometeram-se a fazer uma análise sobre essa redação. Neste momento, o parecer está em vigor. O gestor pode atuar de acordo com ele. Em outros Estados não há limitação como está previsto neste parecer. Foi neste panorama que as famílias trouxeram as demandas. É uma outra linha de atuação, até porque existem normas nacionais e internacionais que vedam o preconceito e a negativa de um direito a PCD usando como critério a deficiência. Ou seja, não posso dizer que vou restringir um direito porque já tenho determinado número de pessoas com deficiência.

Educação em Pauta – Que tipo de demandas têm chegado para o MP, neste sentido?
Cristiane Corrales – A família comunica ao MPRS, que instaura um procedimento extrajudicial de apuração desta situação. Se for o caso, a instituição vai ser chamada para dar explicações. Pode ser feita uma vistoria no local, também, para entender melhor a situação da turma. Mas, ao mesmo tempo em que sabemos que temos vários alunos da Educação Básica com deficiência, precisamos garantir a eles, de forma igualitária. Então é algo que precisa, muito mais, de uma mudança cultural, de disponibilização dos profissionais necessários e de encontrarmos uma melhor aplicação dessa norma, construindo soluções, porque uma outra norma também pode trazer uma interpretação que não seja a mais adequada. 

Educação em Pauta – Temos falado sobre o trabalho do MPRS. Mas qual o papel das instituições e das autoridades da educação?
Cristiane Corrales – Não é um papel apenas do MPRS, mas também não é apenas dos profissionais e gestores da educação. É da sociedade, como um todo. Uma mudança de olhar, de forma de agir, uma conscientização necessária. Por isso, as capacitações para profissionais da educação são muito importantes. Ter profissional de AEE em número suficiente dentro do espaço escolar, ter uma capacitação dos profissionais da escola como um todo, para saberem como agir em relação a todos os alunos – mais a esses, especificamente – e trabalhar também com os estudantes, porque é um exercício de convívio social. 

Eles já vivem nessa sociedade e vão ocupar outros espaços quando adultos, então precisam ser trabalhados. Daí vem a mudança cultural, para conviver em uma sociedade mais inclusiva. Esse é o desafio amplo que temos na perspectiva inclusiva da educação. Ainda é um grande desafio da sociedade moderna. As escolas especiais precisam ser entendidas como uma exceção, o que se preconiza é que as crianças e adolescentes estejam em escola regular e, para isso, precisamos caminhar em uma evolução para concretizar o direito à educação das PCDs na escola regular.

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