Alexsandro Machado: “A sala de aula é o mundo e a cidade é uma imensa sala”

Coordenador do projeto POA Cidade Educadora comenta as iniciativas em andamento para recolocar a capital gaúcha entre as referências de educação qualificada

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com

Escolhido para coordenar as ações da volta de Porto Alegre ao mapa das Cidades Educadoras, Alexsandro Machado encontrou um cenário bastante prejudicado por conta de decisões erradas ao longo das últimas décadas. Mas viu enorme potencial quando conversou com entes públicos e privados e, mais ainda, quando vislumbrou a chance de incluir o projeto no rol de iniciativas do Pacto Alegre – um hub de inovação que reúne empresas, instituições de ensino, governos e entidades civis.

Aprovado por unanimidade pela mesa diretora do Pacto, o POA Cidade Educadora ganhou visibilidade e força para alavancar projetos que devem transformar a forma de fazer educação nos próximos anos. Em entrevista ao Educação em Pauta, ele explica como isso pode se concretizar e ressalta a importância do engajamento de gestores e educadores.

Educação em Pauta – Como se deu a retomada do projeto POA Cidade Educadora?

Alexsandro Machado – A rede internacional das cidades educadoras é muito importante em nível mundial. Foi criada há mais de 30 anos, em Barcelona, e hoje tem cerca de 500 cidades. O projeto tem uma carta de princípios, onde estabelece uma concepção que transpassa a educação meramente formal. Considera a cidade inteira um equipamento polifônico, com múltiplas vozes e formas de educar o cidadão.

O movimento surge, também, com uma ideia de processo civilizatório. As cidades precisam ser um espaço onde a educação cidadã acontece. Isso acaba acontecendo de múltiplas formas e com intersecção de diversos atores. As políticas públicas educacionais são importantes, mas precisam ser articuladas com universidades, escolas e outros âmbitos do poder público – com foco em aspectos como mobilidade, empreendedorismo etc. E também com iniciativas em torno de novas tecnologias e empresas em geral. 

Nesse contexto também aparece a sociedade civil organizada: movimentos sociais, sindicatos como o Sinepe. Essa rede faz com que a cidade assuma certos compromissos e projetos, pelos quais ela é alavancada para chegar a objetivos melhores em suas múltiplas frentes.

Porto Alegre foi uma das primeiras cidades educadoras do Brasil, lá atrás. Mas há seis anos deixou de participar, saiu das políticas públicas, especialmente por desinteresse das gestões anteriores. A gente conseguiu resgatar isso. Seguindo a metodologia internacional, sensibilizamos a gestão municipal – prefeito, secretários, e a Câmara de Vereadores. É uma exigência internacional que haja lei municipal amparando o projeto. Em Porto Alegre, ela foi aprovada em dezembro, sem nenhum voto contrário.

Como o Cidade Educadora entrou no rol de iniciativas do Pacto Alegre?

A cidade já tinha o Pacto Alegre, que reúne diversos segmentos em torno de projetos de inovação e avanços em geral. Então não precisamos fazer uma mobilização em torno do Cidade Educadora com a quádrupla hélice (governo, empresas, universidades e sociedade civil organizada).

O Pacto Alegre dizia que educação era prioridade, mas não tinha um projeto. Então chegamos com o Cidade Educadora. Não acredito em coincidências. (O Cidades Educadoras) tem uma taxa anual que Porto Alegre não pagava há seis anos. Conseguimos pagar e fomos aceitos pela assembleia geral, voltamos para o site do projeto. E no Pacto Alegre, que tem mais de 100 instituições, o Cidade Educadora foi o único aprovado por unanimidade até hoje.

Com isso, ganhamos uma tração gigante. Um exemplo é o Sinepe-RS, que compõe o Pacto Alegre: apresentamos o projeto às escolas privadas da cidade e o engajamento é impressionante. Posso destacar a Rede Marista, o Colégio Farroupilha, Monteiro Lobato, La Salle. Tenho até medo de citar, porque são muitos. Esse apoio gigante dá uma tração espetacular.

Já começamos a ver os primeiros entregáveis. Temos um grupo de trabalho focado em educação fora da caixa, pensando em educação empreendedora, na infraestrutura das escolas, espaços makers. Em um ano teremos outra escola pública em Porto Alegre, tudo dentro do Cidade Educadora.

Quais os principais desafios do POA Cidade Educadora?

Eu digo com muita sinceridade. Sou gaúcho de Porto Alegre, dei aula por muito tempo na cidade. Depois saí pelo mundo, trabalhei em diferentes continentes. Porto Alegre ficou muito para trás. A gente se perdeu na curva. Sinceramente, passamos muitos anos com brigas inúteis. 

Ainda existe o dualismo, a coisa Gre-Nal, discussões binárias e simplistas. Isso fez com que a gente não atacasse o que era principal. Temos boa parte das melhores universidades do país, tradição de formar pessoas incríveis, empresas, startups. Como uma cidade dessas começa a não dar certo?

Fui convidado pela gestão atual para projetos estratégicos e vim para fazer algumas atividades, mas encontrei um ambiente muito interessante por conta do Pacto Alegre e da abertura da administração municipal à inovação. Estamos virando a chave e rapidamente vamos voltar a ser referência em educação.

Ainda temos entraves. Carecemos de políticas públicas estruturantes na educação. Estamos presos na ideia de que a inovação está nas atividades, como o uso de um data show na sala de aula. A inovação não está na técnica, ela está efetivamente nas pessoas.

Recentemente, me pediram exemplo de smart city e citei Atenas no século IV antes de Cristo. A tecnologia, o saber fazer, o aprimorar, as noções de honra, ética, civilidade, cidadania. Essa perspectiva era integrada e se tornou referência para todo o Ocidente porque pensava na formação do homem grego dentro de uma perspectiva integrada. Então isso não é uma novidade. A gente pensa que é super high tech porque cria aplicativo – que as pessoas nem vão usar, ou vão usar tanto a ponto de não mais dialogar presencialmente.

A educação precisa virar a chave e entender que tecnologia e tecnicidade são as pessoas, que devem perceber uma perspectiva civilizatória. Estamos caindo em um debate político – acirrado por uma guerra estúpida e um debate eleitoral que parece caminhar por um caminho igualmente estúpido, novamente reduzindo o conceito de educação.

Essa virada paradigmática vem de uma pedagogia emergente. São pedagogias que ainda não sabemos dizer o nome, mas estamos carentes de pessoas que façam acontecer. Tem professores maravilhosos nas redes privada e pública, mas precisa estar coordenado em torno de uma política pública estruturante – e o POA Cidade Educadora é isso. Não de um governo, mas da cidade.

De que forma os gestores podem contribuir para o crescimento da educação?

O convite está aberto. A gente deixa bem claro que o projeto não tem dono. O Pacto Alegre é muito bom para isso. O professor que está nos lendo pode e deve entrar em contato. Vamos ter site e grupos de trabalho das pedagogias da cidade para que as pessoas com projeto se encontrem.

Agora, por exemplo, tem um projeto unindo as inovações do Colégio Marista Rosário com a Escola Saint Hilaire, que fica na Lomba do Pinheiro. Um aprendendo com o outro sobre saúde mental, robótica, é espetacular. (O POA Cidade Educadora) vai ter um grupo comum integrando professoras das redes pública e privada, não para a privada dizer como é, mas para aprenderem mutuamente.

Deixo um convite aos gestores, diretores. Façam a adesão ao projeto, como diversos já fizeram. A Rede Marista tomou uma decisão importante: tem um diretor em cada grupo de trabalho nosso. É uma relação de ganha-ganha quando a cidade educadora deixa de ter ações isoladas. Como trabalhamos com uma metodologia simplificada e integrada com o mundo todo, vemos que não estamos inventando a roda, mas promovendo uma ação muito interessante para todos.

E os professores, que estão na ponta desse processo, como se integram nesse processo de inovação da educação?

Os professores… Sou suspeito porque sou um, mas o que acaba acontecendo: o primeiro passo é ampliar o espaço da sala de aula. A gente precisa transpor o paradigma institucional do séc XIX. A sala de aula é o mundo, precisamos perceber isso. E a cidade é uma imensa sala de aula. A minha disciplina não é a mais importante e a única forma de eu explicar o mundo. Com a proposta do Novo Ensino Médio, que traz a pedagogia por projetos multi ou interdisciplinares, tem professores desenvolvendo projetos incríveis, articulando e construindo conhecimento com os estudantes usando o mundo como palco.

A primeira dica é o convite para uma iniciativa bacana que está em andamento em Porto Alegre, uma das cidades que tem mais praças: todas estão sendo reformadas. Cada praça vai ter um prefeito, um zelador. Temos um projeto de primeiros passos no POA Cidade Educadora para devolver as crianças para as praças, onde estamos estudando formas de incentivo para que isso aconteça. 

Trata-se de um projeto de extensão que mapeia as instituições próximas, para que incentivem alunos e professores a brincar e conviver na praça. O Colégio Farroupilha está doando equipamentos lindos, a Unisinos vem fazendo projetos com professores. Temos de devolver as crianças. Não adianta ter praça sem criança, senão qual a graça?

O convite é para que a escola ocorra também na praça, na civilidade, para aprendermos a multiplicar olhares, saberes, estimularmos a convivência e a felicidade. É o que, no fundo, a gente precisa. É um convite para extrapolar nossos laboratórios, a visão encastelada da sala de aula e dos 50 minutos de cada período. Pensar em uma cidade melhor, reaprender e tornar Porto Alegre uma cidade ainda mais bonita.

Que cidades inspiram Porto Alegre para que se torne, cada vez mais, uma cidade educadora?

Na América Latina a primeira é a de Rosário, na Argentina. Vale a pena conhecer. Tem uma iniciativa chamada La Ciudad de Las Niñas y Los Niños que vai ao encontro da ideia de ocupar as praças e demais locais da cidade como espaços de convivência e aprendizagem, entre outras coisas. É uma cidade sui generis, vale ser visitada. 

A Colômbia também tem grandes projetos, especialmente Medellín. No Brasil temos Curitiba, São Paulo, Vitória. No Rio Grande do Sul, Passo Fundo, Marau, Gramado. São cidades educadoras. Mas eu destaco Rosário. Nossas cidades-irmãs brasileiras são interessantes, mas ainda “escolocêntricas”. A gente tem que explodir um pouco isso. 

E Portugal tem quase 90 cidades educadoras. Cascais é uma referência grande, também vale visitar e pesquisar sobre. A rede portuguesa é muito forte. O congresso internacional este ano vai ser na Coreia do Sul, que também tem trabalhos lindos.

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