Centro de capacitação de professores do Sesi-RS pode ter parceria com escolas privadas

Gerente da Área de Educação do Sesi-RS, Sônia Bier, fala sobre a metodologia aplicada nas escolas do Sesi, o papel da tecnologia no currículo dessas instituições e o projeto e a possibilidade de parceria com o ensino privado para qualificação dos docentes

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Dudu Leal/Divulgação

As escolas de Ensino Médio do Sesi-RS iniciaram as atividades no Rio Grande do Sul em 2014. Com forte vocação industrial, como não poderia deixar de ser, elas desde o começo focaram no ensino por projetos, aplicação prática dos conhecimentos e busca por soluções de questões da sociedade e da própria indústria.

Os estudos são em tempo integral e o currículo enfatiza as áreas de Ciências da Natureza e Matemática, tendo como premissa o desenvolvimento do diálogo como uma ferramenta de construção dos trabalhos e da solução de conflitos. Além disso, mantém sempre um braço forte no uso da tecnologia como uma linguagem que leve ao processo de inovação sustentável, adequado às demandas do século XXI.

Para Sônia Bier, a construção do conhecimento toma o caminho de analisar fenômenos e como eles se relacionam com grandes conceitos | Foto: Arquivo Pessoal

Quem explica tudo isso é a gerente da Área de Educação do Sesi-RS, Sônia Bier. Em conversa com o Educação em Pauta, ela detalha a história e o funcionamento das escolas, explica o que acredita ser uma educação inovadora e projeta os próximos passos, com destaque para o investimento de R$ 300 milhões em educação, anunciado no fim de maio.

O valor vem do Programa A Indústria Pela Educação e contempla a implementação de novas escolas, o desenvolvimento de novos projetos e o lançamento de um centro de formação de professores, que atenderá as redes municipais e a estadual de educação, além de ter a possibilidade de parceria com instituições privadas para o diagnóstico e o consequente capacitação adequada dos docentes, dentro daquilo que for observado pelos especialistas.

Confira, a seguir, este e outros detalhes sobre o funcionamento da rede e como a rede privada pode qualificar docentes em parceria com o Sesi-RS.

Educação em Pauta – Onde ficam e como funcionam as escolas do Sesi?

Sônia Bier – Hoje são 1.125 alunos distribuídos em cinco escolas, que ficam em Pelotas, Sapucaia do Sul, Gravataí, Montenegro e São Leopoldo. Atendemos alunos com Ensino Fundamental completo e preferencialmente aqueles que completem o Ensino Médio até os 17 anos. Depois disso, é comum precisarem conciliar com o trabalho e por ser uma escola de turno integral fica complicado.

A escola é voltada prioritariamente para jovens que tenham relação com a indústria, mas atendemos também a comunidade em geral. Temos como premissa uma educação interdisciplinar contextualizada, onde a aprendizagem coletiva se apresenta na maior parte dos momentos, com atividades em grupo. Nossa preocupação é que o aluno aprenda a desenvolver competências sobre os conceitos estruturantes das áreas de conhecimento.

Como é a relação das escolas com a indústria?

A Escola Sesi-RS desenvolve um currículo voltado para o mundo do trabalho, e a indústria está dentro do mundo do trabalho. Damos ênfase para matemática, ciências da natureza e um braço forte de tecnologia, competências que são mais exigidas para o mundo da indústria. Mas não significa que outros campos de trabalho não possam ser desenvolvidos e aproveitados a partir do momento em que o aluno domina essas competências como um todo. A segunda questão que nos liga à indústria é uma parceria com o Senai e, em terceiro lugar, trabalhamos com resolução de problemas – e os problemas do mundo do trabalho passam, também, pela indústria.

Qual a metodologia por trás das escolas?

O trabalho se sustenta muito sobre a metodologia de projetos, por resolução de problemas. Por que eu friso isso? Porque entendemos que os alunos podem resolver problemas com algum nível de complexidade para que possam aprender e desenvolver diferentes conceitos e competências.

Essa forma de abordar o currículo é desenvolvida em sala de aula, onde os alunos trabalham em grupos, constantemente – grupos que são formados a partir de diferentes exigências de competências e habilidades para cada situação-problema, então não é sempre o mesmo grupo.

As salas são ambientes específicos, ou seja, quando o aluno entra na sala de matemática, tem todos os recursos de matemática. É ele quem troca de sala. Isso porque, na adolescência, o desenvolvimento exige movimento. Quando ele tem de circular dentro da escola, esse movimento de certa forma é atendido, permitindo que chegue à sala de aula em condições de prestar atenção a um período de 50 a 60 minutos. Além de fazer todo esse processo de aprendizagem com metodologias ativas.

Os assuntos abordados precisam buscar, na maioria das vezes, relações com a tecnologia. Preciso que meu aluno, quando pense em um problema, busque a solução e associe a possibilidade de usar algum recurso tecnológico para incrementar essa solução. Para isso, as Escolas Sesi-RS têm os FabLearns: espaços voltados para o desenvolvimento do pensamento computacional, construção de recursos tecnológicos e uso de ferramentas que possam dar concretude aos projetos.

De que forma a equipe reflete e planeja a aplicação de toda essa metodologia? Há um conselho, grupos de discussão?

Os professores se reúnem e estabelecem algumas grandes perguntas. Elas acabam sendo problematizadas para o início da aula. Então, por exemplo, quando o professor vai trabalhar sobre a questão de equilíbrio, força, tensão, ele traz para a sala de aula a observação às pontes estaiadas, que o aluno vai reconhecer. Então há uma problematização disso, a partir da qual os alunos começam a lançar perguntas sobre a ponte estaiada, curiosidades e questões que eles formulam.

A partir desses questionamentos, o professor vai montando a estrutura e os alunos vão desenvolvendo projetos coletivos. Como os grupos estão postos em salas de aula, também fazem perguntas sobre aquele assunto e à medida em que vão problematizando de uma forma mais afinada sobre este assunto, vão desenvolvendo projetos sobre isso. Outra forma de estudo são as saídas pedagógicas, que praticamos bastante. Visitas a museus, indústrias, universidades. Os alunos são estimulados a observar, escutar.

Conduzir esse processo de aprendizagem não parece simples. Como vocês fazem a capacitação desses professores?

Primeiro, nosso processo de seleção de professores busca identificar as pessoas que se identificam com esse jeito mais flexível, essa condição de trabalhar com as diferentes ideias dos alunos e desenvolver um conceito a partir disso. Isso também exige uma certa atitude, concepção de como esse processo se dá.

Logo que é selecionado, ele passa por um período de quase 30 dias para conhecer os documentos da escola e ser capacitado dentro de cada linha de atuação, como culturas juvenis, diálogo, empreendedorismo, as relações com o mundo do trabalho, desenvolvimento por projetos. Para cada um desses braços vamos tendo um tempo para fazer esta formação.

Depois, temos uma semana com 40 horas de formação no início do ano letivo, mais 40 horas no meio do ano e outras quatro horas semanais, sendo duas para o conjunto dos professores, para que a gente possa ir identificando como estamos fazendo as abordagens dentro da nossa proposta pedagógica, e duas para formação específica na área de conhecimento.

Dentro desse contexto, como vai funcionar o centro de formação de professores?

O centro está sendo constituído com dois braços: um observatório e o centro em si. Temos várias iniciativas de instituições com larga tradição que fazem formação de professores, mas estamos vendo a necessidade de fazer uma formação voltada ao desenvolvimento de competências tecnológicas.

O observatório vai dar conta de como estão os níveis de desenvolvimento tecnológico dos docentes e o centro de formação, proporcionar os cursos que ajudem a desenvolver essas competências, associadas às competências cognitivas que o currículo prevê.

É bem importante frisar que, quando estamos pensando no desenvolvimento de competências digitais e tecnológicas, não estamos dizendo que vamos trabalhar com plataformas. Precisamos constituir alunos criativos e inovadores, e a tecnologia é o braço para isso. Se apresentarmos dentro das nossas escolas somente ferramentas onde tudo está planejado, vai ser difícil dar salto de criatividade e inovação. Precisamos dar instrumentos para que os alunos criem a partir disso.

As instituições privadas podem se beneficiar de alguma maneira desse centro de formação?

Isso pode incluir também a rede privada. Não é específico para A ou B, mas para todos aqueles interessados em aprender mais e melhor, fazer trocas sobre o desenvolvimento dessas competências. A gente tem o desejo de poder atender todos aqueles que formam os jovens do RS, então está previsto atender também instituições privadas. Como estamos desenvolvendo uma linha de diagnóstico do nível de competências digitais, isso poderá estar disponível também para as redes privadas, não há dificuldade nenhuma.

Esse centro faz parte do maior investimento da história do Sesi no RS, na ordem de R$ 300 milhões. Qual a importância desse aporte e onde ele está focado?

Além das escolas que estão sendo trabalhadas, como em Novo Hamburgo, Canoas, Bento Gonçalves, Lajeado, Caxias do Sul e a expansão em Pelotas, temos o centro de formação como um dos pontos que serão investidos.

O entendimento do Sesi é que nós já temos escolas suficientes para os alunos do RS. Agora, cabe ter uma escola que tenha um jeito de olhar a formação diferente do que a escola pública tem, um currículo mais centrado para matemática, ciências, voltada ao mundo do trabalho. Nesse processo, a formação de professores, de diagnóstico da rede, é fundamental. Não há como pensar em buscar uma metodologia sem pensar em como vou formar os docentes para esse desenvolvimento.

O Sesi já tinha o estudante como protagonista e dava atenção ao projeto de vida? Como recebeu a proposta do Novo Ensino Médio?

Quando a gente olha a formulação final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio, vê que o Sesi já tinha se antecipado. Nosso currículo já é 50% dedicado a matemática e ciências da natureza, identificando ali uma trilha ou itinerário. Ao mesmo tempo, quando temos link com o mundo do trabalho, pela parceria com o Senai, temos ali outro percurso.

Lá em 2013, quando sonhamos com essa escola, já tínhamos um desenho que se mostrou muito próximo ao que a BNCC está propondo. O que cabe ao Sesi, neste momento, são muito mais ajustes de formas do que de conteúdos. A carga horária estendida, o Sesi faz muito mais: temos 4,5 mil horas de Ensino Médio, quando estão previstas pelo menos 3 mil.

Quanto ao projeto de vida, não trabalhamos com este nome, mas já tínhamos em 2014 a figura do professor articulador, que ajuda o aluno a fazer o desenho da trajetória escolar no primeiro ano. No segundo, leva a entender a relação da formação com o contexto em que vive e, no terceiro, definir os caminhos que vai seguir. É mais uma formalidade de nomes.

Como aparece a inovação nas escolas do Sesi?

Nosso compromisso é que todos os componentes curriculares façam essa relação com o uso da tecnologia. Então, o aluno desde o primeiro dia de aula começa a trabalhar com os professores olhando a perspectiva do uso disso. Temos laboratórios com uma série de ferramentas, impressora 3D, cortador a laser, computadores, kits de robótica, coisas que vão permitir que os alunos, fazendo aula de artes, trabalhem ângulos, por exemplo, tendo dupla docência. Às vezes são dois professores dentro do laboratório, ajudando a verificar os recursos tecnológicos que podem ser utilizados.

Quais as dicas para quem quer fazer um ensino inovador?

Não existe nada mais inovador do que um ensino que promova realmente uma aprendizagem significativa e que permita que neste processo a criatividade do aluno seja considerada. Essa criatividade, em tempos que estamos vivendo, no século XXI, tem necessidade de ser enriquecida com instrumentos que são do dia a dia dos nossos jovens e, por isso, o uso de diferentes recursos tecnológicos. Hoje, a escola se prende em seus objetivos e esquece um ator importante, que é o aluno, e que também tem seus objetivos. A inovação está em combinar os objetivos dos dois.

Que tendências você aponta para a educação nos próximos anos?

O caminho que a educação está tomando é o de construir conceitos que permitam a aplicabilidade em diferentes espaços de vida. Cada vez temos nos distanciado mais do ensino passo a passo para trabalharmos com raciocínios analíticos. A análise dos fenômenos e como eles se relacionam com grandes conceitos.

A tendência é mesclar o ensino presencial com um modelo que busque os recursos do conhecimento que não estão com o professor. Uma educação mais phygital, em que o aluno tem o professor próximo para entender determinado fenômeno, mas as especificidades sobre ele são vistas via web.

O momento é de abrir a escola para outros mundos via web, mas não abrir mão do professor como sujeito que vai ajudar, fazer a mediação e a construção de raciocínio analítico – para que o aluno consiga entender o que ele quer, para buscar em lugares mais corretos e entender o que está recebendo. É assim que nós, cidadãos, vamos viver, então acho que é para esse lado que a educação vai caminhar.

O potencial das saídas pedagógicas: um case prático  do Sesi
Sônia Bier fala dos diversos resultados que apenas uma visita rendeu:

“Fomos a um determinado local, com muitas plantas sobre um lago. A pessoa que estava conversando com os alunos explicou que o problema era que não penetrava sol e isso causava um cheiro ruim, podridão ali embaixo. Os alunos, ao voltarem para a escola, começaram a estudar o desenvolvimento dessas plantas e o que poderiam fazer a respeito. Tiveram a ideia de um braço robótico para tirar as plantas, com custo viável, e apresentaram a solução. O pessoal disse ‘beleza, mas o que eu faço com as plantas que tirei?’

Então, os alunos voltam e começam a pensar no que podem fazer, se dão conta que pode virar um excelente adubo – e eles querem criar uma horta dentro da escola, porque também estavam estudando alimentação saudável. Transformam as plantas em adubo e começam a fazer a horta dentro da escola, usando conceitos de geometria e tudo mais. Aí se dão conta que vão entrar em férias. Quem vai molhar a horta? Acabaram desenvolvendo, no FabLearn, um medidor de umidade do terreno para saber quando estava na época de molhar as plantas. E controlavam de casa, por computador, o momento de ir lá. Fizeram uma escala e foram molhando a horta.

Ou seja: os problemas são trazidos por perguntas estruturantes, diminuídos e especificados por grupos, ou mesmo pelos alunos, ao perceberem as necessidades da comunidade em volta.”

TAGS





Assine nossa newsletter

E fique por dentro das novidades