Especialista fala sobre como a ciência de dados pode ajudar na gestão escolar

Pesquisador de cultura analítica, Ricardo Cappra comenta também sobre o futuro desse novo campo do conhecimento e como a escola pode preparar profissionais para esse mercado

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Felipe Augusto Nogs

Classificados como “o novo ouro”, os dados podem tornar empresas ou organizações mais inteligentes. Logo, a ciência de dados está disponível para demonstrar que as informações permitem que sejam extraídos insights significativos para empreendimentos, como uma escola ou uma universidade.

Para elucidar esse tema, o Educação em Pauta realizou uma entrevista exclusiva com o pesquisador de cultura analítica, autor e empreendedor da área de tecnologia da informação, Ricardo Cappra, fundador do Cappra Institute for Data Science, onde pesquisa o impacto dos dados na sociedade e nos negócios. Ele está à frente para criar métodos, projetos, laboratórios e negócios que aceleram o desenvolvimento analítico de pessoas e empresas ao redor do mundo. 

O especialista já colaborou para organizações como governo dos Estados Unidos, Abbott Laboratories, Unilever, B3, Banco do Brasil, Gol Linhas Aéreas, Banco Santander, UOL, Whirlpool, Banco Mundial, Rede Globo, Banco Itaú e Ambev.

Como está o cenário da cultura analítica e ciência de dados no Brasil?

A cultura analítica é resultado do desenvolvimento de habilidades analíticas e utilização de recursos que promovam a transformação de dados em informações acionáveis. As habilidades analíticas envolvem desde a abordagem certa para perguntas de negócios, passando por maneiras avançadas para lidar com tanta informação, impactando na capacidade de tomar melhores decisões orientadas por dados. Recursos analíticos são as fontes, dados, tecnologias e técnicas que são utilizadas para transformação em informação qualificada, organizada e acionável.

“O comportamento analítico é uma característica de uma sociedade hiperconectada, que precisa pensar e analisar problemas através dos dados, lidar com grandes volumes de informação e, para isso, utiliza-se de tecnologias para facilitar o seu dia-a-dia”

Ricardo Capra – pesquisador de cultura analítica

Estabelecida essas duas premissas, a ciência de dados, como um recurso técnico, avançou muito rápido em razão de ferramentas e capacitações amplamente difundidas para profissionais com perfil técnico-científico. Por outro lado, a cultura, que envolve as soft skills e o engajamento de profissionais para desenvolvimento de habilidades analíticas, acabou ficando para trás nessa acelerada era da informação. Isso, na prática, significa que temos um grande aparato técnico à disposição, mas uma subutilização do potencial dos dados nos ambientes de negócios. 

Em alguns rankings, o Brasil aparece entre os países que mais contabilizaram episódios de vazamento de dados. Como você avalia essa situação, bem como a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP)?

O Brasil é um dos países que se destaca nos rankings de acesso à internet, redes sociais e e-commerce, isso acelerou a necessidade de leis para regular o meio digital. Essa rápida adesão tecnológica associada ao complexo sistema de regulamentação ativo tornou mais aparente as situações de vazamento de dados. É interessante lembrar que as leis relacionadas aos dados adotadas no Brasil são inspiradas nas regulamentações européias, já que nos Estados Unidos, por exemplo, ainda não existem leis tão claras estabelecidas para proteção de dados pessoais. 

É natural que países precursores desses movimentos sofram mais com essa mudança. Fato é que empresas, governos e sociedade precisam se adaptar a esse novo cenário, que é obviamente necessário, mas apresenta uma série de oportunidades e ameaças. Uma sociedade aperfeiçoada para navegar, viver e fazer negócios no meio digital está surgindo, assim como também surgem novos questionamentos práticos e éticos, mas tudo isso colabora para o desenvolvimento de indivíduos e organizações melhores preparados para essa era da informação que vivemos no século XXI.

De que forma os dados podem ajudar o gestor de escola?

Gestores de escola, assim como gestores de qualquer tipo de negócio, atualmente, possuem muitos dados e avançados recursos tecnológicos para monitorar, mensurar e analisar sua evolução, mas pouco disso ainda é transformado efetivamente em rotinas que potencializam as escolhas dos decisores do negócio. Muitas das decisões continuam sendo baseadas em feeling e negociação, enquanto dados são usados como último recurso, mais como uma argumentação do que de fato como instrumento de suporte. 

O gestor de escola costuma ser um profissional com características analíticas, mas ele possui dificuldades de replicar essas habilidades para outros tomadores de decisão, muitas vezes mantendo uma gestão centralizada ou com grandes silos de informação. 

A cultura analítica é resultado de uma mudança de hábitos e rotinas, quando os fluxos de informação são o principal elemento de mudança do próprio negócio, já que esses recursos também criam uma tomada de decisão baseada em evidências e promovem uma gestão descentralizada. 

“Em uma era moldada pela informação, a escola assume um papel de orientação, curadoria e mentoria, não sendo mais a responsável pela narrativa. A narrativa virá do próprio aluno, que precisa aprender a discernir aquilo que é verdadeiro, dialogar as questões éticas e precisa ter acesso às ferramentas utilizadas nesse mundo hiperconectado e de big data”

Ricardo Capra – pesquisador de cultura analítica

De que forma a Inteligência Artificial é uma aliada nos dados?

A Inteligência Artificial (I.A.) é resultado de dados armazenados, classificados, organizados e com regras de ação pré-estabelecidas, ou seja, sempre que utilizamos o termo I.A. estamos imediatamente nos referindo a um determinado grupo de dados que foi programado para uma ação futura. A I.A., como artefato técnico, tem um potencial de uso interessante para melhorar a qualidade de dados por meio de rotinas de aprendizado de máquina e redes neurais, permitindo um processo automático de limpeza e qualificação da informação. 

Um trabalho antes extenuante para humanos, hoje é realizado em segundos por máquinas com a supervisão humana, possibilitando assim que o indivíduo se concentre em atividades mais interessantes e produtivas do que a higienização dos dados. Mas ainda estamos em uma fase muito inicial da real utilização de I.A. no dia a dia, ainda existe muita necessidade de retrabalho. Além disso, os sistemas genéricos de I.A. precisam de muitas customizações para serem utilizados em problemas reais. É encantador o momento que vivemos, mas ainda estamos distantes das “Inteligências Artificiais Personalizadas” para cada tipo de negócio.

Quais são os erros mais usuais nos “dados do futuro”, no caso, as análises preditivas?

Análises preditivas falham fundamentalmente por quatro motivos: 1) quando as bases de dados não têm qualidade suficiente para servirem como subsídios aos modelos; 2) quando os modelos não foram desenvolvidos da maneira adequadas ou possuem falhas; 3) quando elementos/variáveis que podem gerar oscilação no modelo não são inseridos na construção da análise; 4) quando não há supervisão do funcionamento da análise preditiva e atualização dos modelos para as mudanças no tempo. 

Quando qualquer um desses acontece, a análise preditiva torna-se instável, precisando passar por reconfiguração para atingir resultados melhores. As análises preditivas precisam ser tratadas como orientadores de caminhos e não como única direção. Considerar um modelo preditivo como definitivo ou perfeito costuma ser um erro comum, que traz consequências bem negativas.

Quais são as habilidades mais importantes que os alunos precisam ter e desenvolver para seguir nessa área?

A sociedade não foi preparada para lidar com tanta informação e tecnologia, exceto aqueles com formação técnica que tiveram alguma oportunidade de aprender algo relacionado ao tema nas escolas ou universidades. Atualmente, qualquer negócio, trabalho ou aspecto da vida depende da tecnologia da informação, por isso não devemos tratar como uma área de conhecimento, e sim como um comportamento para o futuro. 

O comportamento analítico é uma característica de uma sociedade hiperconectada, que precisa pensar e analisar problemas através dos dados, lidar com grandes volumes de informação e, para isso, utiliza-se de tecnologias para facilitar o seu dia-a-dia.

As habilidades mais importantes são o pensamento crítico, facilidade com recursos computacionais e o aprimoramento contínuo da capacidade analítica, essa é resultado de uma prática contínua de análise e tomada de decisão orientada por dados. 

Um estudo de janeiro de 2023 do Fórum Econômico Mundial chamado de Defining Education 4.0: A Taxonomy for the Future of Learning faz uma detalhada visita na taxonomia dessas habilidades para o trabalho do futuro. Muitas delas são ligadas ao desenvolvimento analítico, demonstrando que ambientes de aprendizagem que não considerarem essa mudança correm um sério risco de se tornarem obsoletos em razão da acelerada transformação da sociedade.

Qual é o papel da escola para formar esse tipo de profissional?

As escolas precisam ajudar a nova geração a lidar com tanta informação e tecnologia. Atualmente, as escolas se concentram em roteirizar áreas de conhecimento em conteúdos clusterizados (informações agrupadas), formato adequado para quando os fluxos de informação eram limitados. 

Em uma era moldada pela informação, a escola assume um papel de orientação, curadoria e mentoria, não sendo mais a responsável pela narrativa. A narrativa virá do próprio aluno, que precisa aprender a discernir aquilo que é verdadeiro, dialogar as questões éticas e precisa ter acesso às ferramentas utilizadas nesse mundo hiperconectado e de big data. Mario Sergio Cortella e Gilberto Dimenstein têm um livro muito interessante sobre esse tema, chamado A Era da Curadoria, que explora um pouco desse novo papel da escola e de professores no século XXI.

Como criar o hábito da educação analítica?

Gosto de citar algo que o neurocientista Stuart Firestein aborda no seu livro chamado “Ignorância: como ela impulsiona a ciência”. O autor fala que para ser um bom cientista é fundamental três hábitos: 1) manter a ignorância ativa (explorar o desconhecido); 2) enfrentar a incerteza (sem verdades pré-estabelecidas em ambientes de experimentos); 3) estar aberto ao fracasso (você vai falhar na jornada). 

Na educação analítica, para explorar os problemas do mundo por meio do uso da tecnologia e dados, é fundamental manter esses mesmos três hábitos: a partir da ignorância é possível fazer descobertas no big data, na incerteza utiliza-se de ciência de dados para navegar nas hipóteses, e do fracasso surgem novas maneiras analíticas de abordar os problemas. 

A construção de conhecimento a partir desses hábitos permite uma evolução analítica mais completa, explorando o potencial do uso de dados, da tecnologia e da ciência, aplicados em situações reais através de práticas que exploram a capacidade analítica do indivíduo.

Para os próximos anos, o que se pode esperar da cultura analítica?

A cultura analítica é um tema cada vez mais presente em razão da acelerada transformação digital, quando tudo ao nosso redor são dados, e a tecnologia é um instrumento cada vez mais simples para ativar e automatizar a informação. Torna-se fundamental estabelecer novos hábitos para um futuro inevitavelmente mais analítico. 

Nesses próximos anos, algumas mudanças serão fundamentais. Destaco algumas delas:

1) Self-service analytics: todos os indivíduos transformam-se em analistas de dados, já que possuem acesso às fontes, recursos informacionais e estão, a cada dia, aprimorando suas habilidades para lidar com tudo isso.

2) AI-driven: a próxima geração não será orientada por dados (data-driven), e sim AI-Driven, ou seja, será orientada por inteligência artificial.

3) Ciência de negócios: as organizações estão criando ambientes de tomada de decisão como são os laboratórios de ciências, em que os recursos são os dados do negócio e os experimentos são as análises, com o objetivo de trabalhar com informações de melhor qualidade.

4) Inforganizações: as organizações não serão mais orientadas por processos e modelos hierárquicos, e sim por fluxos de informação e sistemas inteligentes como algoritmos e IA, que serão os verdadeiros recursos adaptativos dos ambientes tanto corporativos quanto governamentais.

5) CEO (Chief Executive Officer) e/ou CIO (Chief Information Officer): a liderança principal, além do papel executivo, também precisa assumir a responsabilidade da transformação com relação à forma como se lida com informação em todos ambientes da organização, empoderando, assim, gestores e tomadores de decisão.

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