“É fundamental construir uma cultura de segurança escolar”

Com experiência na Interpol e em polícias brasileiras, Márcio Derenne conta como as instituições de ensino podem construir ambientes que sejam mais seguros para toda a comunidade

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Arquivo Pessoal

Ainda que ataques a escolas sejam um fenômeno recente – e, talvez, isolado – no Brasil, os eventos amplamente noticiados acenderam um sinal de alerta. Instituições passaram a se preocupar com um tipo diferente de violência, sem deixar de prestar atenção a assaltos e outros problemas que circundam seus muros. Estar alinhado com o que há de mais avançado em termos de tecnologia e procedimentos pode ser a diferença entre contornar uma situação extrema ou viver uma tragédia.

Por mais que possa soar alarmista, fazer de conta que o risco não existe nunca será uma opção. Pensando nisso, o Educação em Pauta entrevistou o especialista Márcio Derenne. Ele é carioca, mas virou um cidadão do mundo. Na carreira, acumula passagens pela divisão anti-sequestro da Polícia Civil do Rio de Janeiro, como delegado da Polícia Civil do Paraná, delegado da Polícia Federal, em Brasília, onde atuou também na corregedoria. Além disso, foi subsecretário-geral de Segurança do Rio de Janeiro, chefe da Secretaria Nacional dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e assessor no Senado Federal.

Depois dos Jogos Olímpicos, soube que a Interpol – que reúne 195 polícias ao redor do mundo – estava abrindo um novo escritório em Nova York, dentro da estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU). Derenne se candidatou e conquistou a vaga para trabalhar como interlocutor entre as duas instituições. Simultaneamente, atuou como diretor-geral da Interpol em Nova York para a ONU e foi chefe do escritório da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. Atualmente, atua como diretor de Desenvolvimento de Negócios do Grupo GPS.

Leia também: 
>> Violência em escolas reforça necessidade de prevenção ao bullying
>> Ambiente acolhedor é o caminho para combater a violência escolar

Com essa trajetória, carrega vasta experiência em projetos de segurança. O suficiente para saber que não há uma “receita de bolo”, como explica. Tudo deve começar por um estudo pormenorizado de cada contexto, o que vale também para instituições de ensino – que considera verdadeiros centros comunitários.

Por tudo isso, foi convidado para falar aos educadores gaúchos. No dia 5 de outubro de 2023, estará na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, para tratar do tema “Violência nas Escolas – O Método Norte-Americano de Contenção”. O evento ocorre das 10h às 12h, incluindo visitação às exposições do centro cultural, e é promovido pela Rudder Segurança, em parceria com o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS).

Derenne analisa aspectos de segurança nas escolas brasileiras e dá dicas aos gestores e educadores. Confira:

Educação em Pauta – Como as escolas estão olhando para o tema “segurança”?

Márcio Derenne – Primeiro, é preciso fazer uma diferenciação da cultura do local onde está cada escola. Hoje eu trabalho para o grupo GPS, que está em todos os estados brasileiros. Uma solução que funciona em Porto Alegre talvez não funcione em Teresina – seja em tecnologia ou recursos humanos. Precisa adaptar a cultura de segurança escolar para cada local. Não é uma receita de bolo que vai aplicar no Rio de Janeiro e em São Paulo, nem mesmo no Leblon e em alguma comunidade, sendo que a distância entre elas às vezes é de 1 km. 

São culturas diferentes e essa cultura de segurança escolar não pode vir do Estado para dentro da escola. A escola é um lugar de segurança para a criança e o adolescente. A autoridade ali dentro são os pais e os profissionais de educação. Então, as forças de segurança, os profissionais de segurança privada, são como a área técnica de apoio para essas autoridades.

Todas as escolas no Brasil não são apenas escolas, mas centros comunitários. Têm um teatro, ginásio, laboratório, lanchonete, restaurante e, muitas vezes, todos esses locais são frequentados por pessoas que não são estudantes ou profissionais. São pais, amigos, convidados. O conceito de escola, no mundo todo, é muito mais amplo. São centros comunitários e como tais devem ser vistos, inclusive sob a óptica da segurança.

Educação em Pauta – Os episódios mais emblemáticos, com ataques a escolas, acendem um sinal de alerta. Ele se mantém depois de um tempo?

Márcio Derenne – Se pegar o levantamento feito nos Estados Unidos, em 2021 houve em torno de 60 ataques com agressor ativo, como a gente chama quando há efetivamente tiro ou facada. No ano passado, foram 50. A tendência é de redução este ano. Ao que parece, a comunidade escolar americana tomou consciência e está aplicando normas, procedimentos e aculturamento de mais segurança para as escolas. 

No Brasil, é um fenômeno relativamente novo. A gente precisa acompanhar o andamento, fazer estatística, ver a forma como acontece e aculturar as escolas para que passem a se proteger desse tipo de atividade. Mas é um trabalho do dia a dia da comunidade escolar. Não adianta dizer que vai comprar mil formas de tecnologia, controle de acesso, filmagem, o que quer que seja. Sempre termina no ser humano. Volto sempre para a questão da cultura de segurança escolar.

Arriscando uma comparação bem “boba”: a área restrita de aeroporto é uma das mais seguras, passou por procedimento de segurança adotado pelas companhias aéreas, aeroportos e organizações internacionais. Por que não podemos ter uma forma de procedimento para as escolas? Claro que não quero que ninguém tire o sapato e passe em raio-x toda hora, mas existem procedimentos que podemos ter no perímetro escolar, que não se limita à escola. Os alunos ficam em lanchonetes ao redor, vão ao restaurante na hora do almoço. 

O perímetro escolar é maior do que a escola. Quantas escolas efetivamente contrataram uma empresa profissional para análise de risco deste perímetro? Serve para antecipar as situações de risco e determinar as fragilidades daquele local. Quando o pai vai buscar o filho, estaciona uma rua para a frente. Isso é perímetro escolar. Escola e órgãos de segurança precisam entender que é área escolar e dar a proteção devida.

Educação em Pauta – Há quem tenha receio de criar um ambiente de medo e, por isso, não impõe restrições, barreiras e rotinas de segurança. Como lidar com isso?

Márcio Derenne – Esse ponto é crítico. Sensação de segurança é diferente de segurança. Quando põe vigilante, imediatamente se passa a sensação de segurança. Mas, efetivamente, significa segurança? Quando coloca câmeras, passa a mesma sensação, mas tem alguém assistindo? Realmente estão ligadas na tomada? A sensação é diferente da segurança.

Quando alguém viaja, tira o sapato, passa no raio-x, deixa o fiscal fazer seu trabalho, entrega passaporte, só embarca se tiver o visto. São procedimentos de segurança, então qual o problema de aplicar no ambiente escolar? Nenhum. Na empresa onde trabalho tenho crachá e a catraca só abre se eu o tiver. É procedimento de segurança. O carro tem uma tag que abre a garagem, senão não entro. Fica registrado que entrei, o horário, a placa, o tempo de permanência. Procedimentos de segurança que a gente convive e nem percebe. Quando vai à academia de ginástica, coloca o dedo na catraca, tem a digital, só vai abrir se você for você, registra hora de entrada, saída, permanência, os dias em que foi. Precisamos adaptar conceitos já implementados no dia a dia para os perímetros escolares.

Educação em Pauta – É preciso investir pesado para ter mais segurança ou se trata também de procedimento?

Márcio Derenne – Quando se fala em investimento, não se fala custo. São diferentes. Quem investe, espera retorno. Quando as pessoas investem em segurança escolar, o retorno é a sensação de segurança ou a efetiva segurança. Agora, não adianta investir em tecnologia se não criar um ambiente de segurança escolar. A tecnologia, por mais que tenha inteligência, vai descambar no ser humano. Se colocar 100 câmeras, preciso de alguém para monitorar, criar um centro de monitoramento com profissionais habilitados.

Toda operação de segurança privada tem o POP: Procedimento Operacional Padrão. Dentro dele, existe o Plano de Emergência, que por sua vez contém um Plano de Chamada. São vários documentos sobre como proceder em caso de um ataque. O que o americano define como “seguir o livro”. Um guia com os números de telefone de emergência, o contato do delegado e da ambulância mais próximos, corpo de bombeiros etc. Tudo organizado para proceder no caso de algum evento.

O ambiente de terror existe no Brasil porque a relação dos órgãos de segurança com as comunidades não é de parceria. Todo programa deve estar apoiado na parceria com os órgãos públicos, trazendo-os para dentro da comunidade escolar – não apenas da escola. As crianças precisam entender que os homens armados são parceiros na proteção, profissionais de ensino devem interagir com os de segurança e tudo deve funcionar dentro de um contexto de parceria. As forças de segurança pública estão ali para trazer o bem-estar da população. Em outros países ele é um herói, exaltado, nossa cultura ainda não chegou neste ponto. Tem que valorizar e ele tem que trabalhar em prol da comunidade.

Educação em Pauta – Por onde começa o aprimoramento?

Márcio Derenne – A primeira coisa a fazer é envolver a comunidade que frequenta aquele perímetro escolar. Pais, alunos e profissionais de educação: os três são protagonistas do perímetro escolar. De posse dessa arquitetura, procede-se a uma análise de risco do perímetro: o que acontece, o que não acontece, feita por uma empresa profissional. Depois, procura-se parceria com órgãos públicos. Esse é o pilar básico. Antes de partir para investimento, tecnologia, contratação, são os pilares que se precisa entender.

TAGS





Assine nossa newsletter

E fique por dentro das novidades