Violência em escolas reforça necessidade de prevenção ao bullying

Os ataques recentes em escolas brasileiras, inclusive com vítimas fatais, reacenderam o debate sobre a segurança nas instituições de ensino em todo o país. Esses episódios acendem o sinal de alerta porque servem como gatilho para outros, na sequência. Mas, mais do que isso, devem ser tomados como situações que poderiam ter sido evitadas, pois costumam ter origem parecida: a insatisfação de alunos ou familiares com relação a acontecimentos no próprio ambiente de estudos.

O bullying é a causa apontada com mais frequência. Por isso, especialistas sinalizam a importância de não apenas monitorar esse tipo de incidência, mas, principalmente, fazer um trabalho contínuo para que seja evitada.

“Os trabalhos socioemocionais devem abarcar a dimensão real da vivência cotidiana dos meninos e das meninas. Discutir e debater temas que conectam com sua realidade. Uma cartilha que fala sobre emoções não é suficiente para trabalhar autoconhecimento desses jovens”, defende a psicóloga clínica Vanessa Rodrigues, especialista em violência escolar.

Ela reforça que todo tipo de bullying pode ser um gatilho para atos extremos de violência, pelo simples fato de não se conhecer o estado emocional das vítimas desses atos. Por isso, é necessário um olhar mais sensível para o problema, trabalhando políticas contínuas de prevenção nas escolas, capacitando educadores, atuando no envolvimento e na conscientização das famílias. 

“É preciso insistir muito nessa aproximação, examinar constantemente nossa própria consciência para não participarmos da normalização de práticas discriminatórias e excludentes como algo pontual. Quando meninos e meninas não aguentam mais a exaustão da humilhação podem atentar contra sua própria vida ou a vida do outro”, alerta Vanessa.

A reação pode vir em um arroubo imediato ou por meio de algo premeditado. A angústia que se arrasta por muito tempo causa marcas que duram até mesmo a vida inteira, arruinando com a segurança, a confiança e a autoestima de crianças, jovens e, depois, adultos que se conformam ao pensar que não são capazes.

Para evitar que isso aconteça, as escolas devem desenvolver um trabalho franco e didático, incluindo as famílias e os educadores, para criar intimidade com os alunos – especialmente na adolescência, período bastante conflituoso do desenvolvimento humano, quando um distanciamento em relação aos adultos pode fazer com que o jovem sofra e ninguém perceba. É uma fase de medos e conflitos importantes.

“Eles estão descobrindo o mundo. Novidades sedutoras são apresentadas a todo momento, são alvos fáceis de serem influenciados, por isso o diálogo e a proximidade são tão importantes. Não podemos esquecer que, além de tantas questões hormonais, psicológicas e emocionais, o cérebro desse jovem vai estar plenamente desenvolvido por volta dos 25 anos e isso os deixam mais impulsivos”, completa Vanessa. Entre os sinais do dia a dia, pais e educadores devem estar atentos a mudanças de comportamento, sinais de isolamento e tristeza, procurando ajuda profissional sempre que necessário. 

Abordagem junto aos alunos

A psicóloga percorre instituições de ensino dando palestras sobre o tema. Ela vê um aumento exponencial da necessidade de trabalhar questões profundas do cotidiano de jovens e crianças, mas ressalta que valores não são ensinados por cartilha, e sim pelo exemplo e pelas atitudes.

O trabalho ensejou a criação de um documentário, intitulado Perto Demais. Com depoimentos de figuras como Fabrício Carpinejar e Monja Coen, a obra fala dos reflexos indeléveis do bullying e da importância de combater esse mal. O filme está disponível gratuitamente no Youtube.

Trocando em miúdos, o que fica é a importância de educar pelo exemplo, mas também prestar atenção ao comportamento dos alunos no convívio entre si, na relação com os educadores – e até mesmo na falta de relações, já que o isolamento também é um alerta. O que não pode é pensar que nunca vai acontecer, porque existe essa possibilidade.

“Ninguém admite isso”, ressalta o especialista em segurança escolar André Steren, sócio da empresa Prot. O diagnóstico que ele faz aponta que as instituições de ensino precisam olhar com mais atenção para a questão, até porque muitas soluções estão nos processos e em pequenas mudanças, que sequer demandam investimento financeiro. “Deixar o portão fechado e ter um responsável já faz bastante diferença. Quem entende de segurança sabe que os procedimentos muitas vezes não têm custo e podem trazer resultados interessantes”, completa.

Acesso

O maior risco que as escolas têm hoje reside no controle de acesso, a partir do qual nascem muitos outros problemas. Isso pode ser feito de forma humanizada, sem tensionar o ambiente. Basta respeitar o DNA de cada instituição quanto ao tratamento interpessoal.

A tecnologia pode ser mais explorada pelas instituições. Em Israel, por exemplo, é comum que as escolas tenham raio-x na entrada, onde todos os alunos depositam a mochila para uma rápida análise. O mesmo com os visitantes. 

Cultura de segurança

A preocupação com segurança deve fazer parte de todo o planejamento da instituição. Se não tiver essa cultura, em que todos estão engajados, cada um fazendo sua parte, pode-se deixar brechas para riscos.

Alcançar esse estágio passa por definir e delegar tarefas. Ter uma pessoa responsável pela segurança, integrando departamentos, pode ser uma alternativa interessante. Quando um aluno apresenta a mudança de comportamento citada acima, por exemplo, é importante que o professor perceba e comunique para que eventuais problemas sejam atacados na raiz.

“O responsável pela segurança não precisa ser contratado, pode ser formado dentro do quadro da instituição. O que faço, muitas vezes, é criar um departamento de segurança buscando um profissional da própria escola e tornando-o coordenador. Não é investimento, é organização”, explica Steren.

Ataques

Em momentos de crise, é muito provável que haja algum tipo de vítima. A cultura de segurança é fundamental para reduzir esse risco, já que todos estarão preparados para tomar os procedimentos preventivos. “É muito comum que a pessoa que chega para o ataque procure por seus alvos. É preciso ter mecanismos e o professor deve ser o líder dessa movimentação”, detalha Steren. 

A partir de um sinal que marque situações de alto risco, alunos, professores e quem mais estiver dentro da instituição devem ter condições de se resguardar até a chegada das autoridades. Os ataques não são restritos a casos nítidos de descontrole emocional. Rompantes podem surpreender a todos.

“Já tive um caso de aluno em surto psiquiátrico, colocando em risco outros alunos, mas que foi impedido de entrar na escola. Era conhecido dos funcionários, mas o controle de acesso funcionou. A família foi avisada, resgatou, não se deu chance para ocorrência”, exemplifica Steren. 

Pontos sensíveis podem estar onde menos se imagina. É o caso de pais separados – situação comum no dia a dia da escola. Caso haja uma discussão judicial não reportada à escola, corre-se o risco de o aluno ser dispensado com a chegada de um dos dois, quando não deveria.

Segundo Steren, não há mais espaço para omissão, tampouco se deve menosprezar casos de ameaça. O ideal é contar com comitês que integrem as áreas pedagógica, psicológica, de segurança e demais áreas de apoio. Sabendo, assim, de todas as situações.

Os comitês têm efeito prático para evitar tragédias, mas o ideal continua sendo o estímulo de um ambiente saudável de convivência. Para Vanessa, é preciso olhar profundamente para a educação e suas necessidades atuais deste século. “As práticas de coerção e punição aliviam a sensação na sociedade, que sente que algo está sendo feito. Mas essa estratégia não traz consciência, para meninos e meninas, sobre seus atos, sobre as pessoas e sobre si mesmo. A punição não reduz a probabilidade futura de ações, é preciso desenvolver um trabalho focado em estratégias ancoradas em fatos e dados a esse respeito”, sustenta a psicóloga.

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