“Empatia é fundamental para desenvolver a didática”, defende Daiane Grassi

Pedagoga desenvolveu metodologia para ajudar professores de qualquer área a falar sobre a jornada que compõe uma aprendizagem eficiente

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Divulgação

Ensinar é, antes de mais nada, um compromisso de melhorar a vida das pessoas. É nisso que acredita a pedagoga Daiane Grassi. E é com base nessa premissa que ela desenvolve seus estudos, a fim de entregar ferramentas para que professores – de qualquer nível de ensino e sobre qualquer assunto – entreguem conhecimento com qualidade, de forma atrativa e que se consolide no aprendizado dos alunos.

“Precisamos explicar aos professores que tudo faz parte de uma jornada. A avaliação, por exemplo, é uma das fases – e eu só consigo avaliar se plantei lá no começo, se planejei esse processo”, ressalta Daiane, que é mestre em Educação e doutora em Design.

Com 20 anos de experiência, ela fez parte dos primeiros 50 selecionados no Brasil para trabalhar com a plataforma Google For Education, condição que a levou a implantar diversos projetos de inovação no país e no mundo. A dedicação às tecnologias educacionais, além da convivência com pesquisadores dos programas de pós-graduação em Educação e Design – e dos pedidos de ajuda – fizeram com que refletisse sobre o processo e chegasse a um modelo.

Foi assim que surgiu a obra “Didática é Para Todos”, sobre a qual ela fala detalhadamente nesta entrevista ao Educação em Pauta. O projeto, inclusive, serviu como base para o curso online que leva o mesmo nome, disponível na plataforma SINEPE/RS Play. Daiane também comenta sobre tendências que precisam ser adotadas com cautela no ensino, avaliando sua eficácia de acordo com os objetivos estabelecidos.

Educação em Pauta – Em que momento você pensou em montar uma metodologia própria para ajudar professores?

Daiane Grassi – Desde que entrei na faculdade, minha formação foi voltada para a área de tecnologias digitais, então há 20 anos só faço isso. Quando entrei para o Google For Education, isso se tornou a minha vida. Parti para uma atuação global. Ao mesmo tempo, ingressava no doutorado de Design da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Ao voltar para a pesquisa, os professores comentavam que era ótimo ter uma pedagoga na turma porque eles identificavam dificuldades por parte dos estudantes. Até mesmo um projeto para melhorar a experiência de aprendizagem estava sendo desenvolvido, com foco especial nas aulas de geometria descritiva. Há mais de 20 anos, eles têm um grupo que investiga metodologias, criação de artefatos, objetos para melhorar o processo de ensino e aprendizagem nessa área.

Educação em Pauta – E onde estava o problema?

Daiane Grassi – Os alunos não aprendem porque simplesmente decoram fórmulas. Fui dar uma olhada nos planos de aula para entender por que eles não resolviam problemas, que era o objetivo dos professores. O problema é que as provas eram conteudistas.

Minha hipótese é que eles estavam querendo uma coisa, mas planejavam outra. As pessoas odeiam fazer planejamento na área da educação. Um engenheiro cria projeto para fazer uma ponte; o arquiteto, para fazer uma casa. Todo mundo faz projeto, mas nós da Educação achamos que é só chegar em uma sala e sair falando? Não. Nós também temos que criar um projeto.

Educação em Pauta – Qual o papel do pedagogo, nesse sentido?

Daiane Grassi – As pessoas falam: “o pessoal da pedagogia é chato, a gente não entende nada”. Bom, aí está o problema: a comunicação está complicada e os professores não conseguem desenvolver problemas para os estudantes resolverem. Meu objetivo passou a ser criar um artefato para que qualquer pessoa que não fosse da licenciatura criasse um plano para as pessoas aprenderem.

Em vez de planejar, as pessoas iam correndo para as tecnologias e as metodologias ativas – mas nem sempre elas vão estar associadas ao seu objetivo de aprendizagem. Na UFRGS, meu grupo focal dizia que utilizava as ferramentas, mas isso estava desassociado dos objetivos da aprendizagem.

Cuidado com a premissa de que “agora não pode mais ser [aula] expositiva, tem que ser ativa”. Dependendo do conteúdo e do objetivo, não tem problema. O problema é fazer só isso, o tempo todo. 

Quando digo que tudo faz parte de uma jornada, é porque não adianta dizer ao professor como fazer as avaliações, apenas. Elas são parte de um todo, como instrumento para ajudar tanto o professor a entender aquele aluno, para oportunizar as melhores intervenções, como para o aluno também acompanhar o seu processo. Inclusive, a avaliação que era vista como punitiva há algum tempo, para reprovar, chega nesse momento para ser um instrumento que ajuda a melhorar o processo. A gente vem evoluindo nesse formato de educação que era centrado em um professor transmissor de conteúdo.

Educação em Pauta – Podemos dizer que falta de didática é um problema comum nas salas de aula?

Daiane Grassi – Estamos em um momento de transformação, no qual o professor deixa de ser o que trazia a informação. No meu tempo, ele vinha para dar a aula. A gente buscava informações ali. 

Com o passar do tempo, o papel do professor mudou: ele deixa de ser o cara que traz a informação validada da academia, para ser o cara que ajuda as pessoas a aprenderem, porque a informação agora está com acesso facilitado.

Passamos a trabalhar as habilidades e competências das pessoas de forma diferente. É uma forma nova de ver a formação dessas pessoas. O professor, hoje, tem esse papel, de ajudar, facilitar o desenvolvimento das pessoas.

Educação em Pauta – No que consiste o Didática é Para Todos?

Daiane Grassi –Eu gosto de dizer que o livro impresso é um artefato, para além de um livro. O pessoal tem falado muito no workbook, ele tem modelos, frameworks, as pessoas podem escrever e ir construindo seu programa em cima deles. 

Trata-se de um guia com uma jornada de 8 passos para ajudar a criar experiências de aprendizagem. Ele também pode ser utilizado por coordenadores e supervisores pedagógicos, para criar uma experiência de aprendizagem para os seus professores. As reuniões pedagógicas às vezes ficam tão chatas, então por que não transformar em uma experiência de formação? O pedagogo tem que oportunizar a formação dos professores. Eles precisam inspirar os alunos, mas não têm em quem se inspirar. E a ideia para os coordenadores é essa.

Educação em Pauta – Existe o dom, mas a didática não funciona sem teoria e preparação?

Daiane Grassi – A gente aprende em vários lugares. No cinema, no parque, interagindo com os amigos. A aprendizagem está em qualquer lugar. Mas nós, que trabalhamos com uma educação formal e intencional, atuamos a partir de uma diretriz maior, temos uma intencionalidade. 

A gente recebe uma documentação contendo os pontos de partida e tem esse compromisso social de melhorar a vida das pessoas. Então a gente precisa se instrumentalizar para isso. A gente aprende, discute muito isso na faculdade, mas precisa continuamente rever essas práticas – e os pontos que eu trago ali são super complexos. É que eu trouxe de uma forma que procura deixar bem objetivo para que qualquer pessoa entenda, mas cada passo da jornada é praticamente uma linha de estudos.

Educação em Pauta – O que é fundamental para desenvolver a didática?

Daiane Grassi – Eu entendo que é a questão da empatia. Eu estou ali porque tenho compromisso com o outro, para além do meu emprego, do salário do fim do mês. Tenho compromisso com a outra pessoa e por isso quero fazer o melhor para que ela aprenda e se desenvolva.

O nosso trabalho é muito pensado para o outro, por isso tem relação muito grande com o design. Nele, você projeta produtos, experiências, serviços para vender. Na educação, é para ajudar a melhorar a vida das pessoas.

Educação em Pauta – Como funcionam os 8Cs que compõem a metodologia do “Didática é Para Todos”?

Daiane Grassi – Parte do conceito “comece pelo fim” – ou seja, os objetivos da aprendizagem. Tem uma robustez conceitual aí, que eu deixei mais suave para ser o primeiro passo, mirando nos professores que pediam para “não falar pedagogês”.

Depois vai para cada “C”, é um documento. As pessoas se prepararam, fizeram licenciatura, estão com a melhor intenção na aula, mas o livro vem para, de uma forma simples, ajudar essas pessoas a planejarem toda a jornada, com objetivos simples para cada aula, como o que espera que o aluno seja capaz de fazer ao fim da lição, as opções de abordagem e o ferramental.

Educação em Pauta – O caminho para treinar educadores é oferecer ferramentas práticas? Como você vê o desenvolvimento da formação continuada no Brasil?

Daiane Grassi – Eu entendo que a formação continuada tem de ser um misto de reflexão sobre a prática, novas percepções e ferramentas. Eu chamo de ferramentas as digitais, que apoiam, mas o “Didática é Para Todos” também é uma ferramenta pedagógica para refletir sobre a prática. Já tive alguns retornos de pedagogas que compraram e levaram para as reuniões com professores.

Educação em Pauta – Qual o impacto dessa preparação no dia a dia do professor e da experiência dos estudantes?

Daiane Grassi – Tem uma coisa que o meu orientador fala, inclusive está no prefácio do livro, que essa obra não é algo que vem para facilitar – porque a gente vê muito o pessoal vender coisas para facilitar a vida do professor. Eu não pensei nele para isso, mas para melhorar a vida dos alunos. Escolhi ser professora porque queria ajudar as pessoas. E ele fala justamente isso: não se engane quem acha que irá facilitar, pois a metodologia foca em processo de planejamento, baseado em análise e reflexão, tirando da zona de conforto e fazendo repensar diversas etapas.

O retorno é de pessoas comprometidas com os alunos. Um professor de redes de computadores me escreveu dizendo que ficou até com vergonha porque não fazia nada disso, apenas dizia o que os alunos precisavam fazer… Relatou que estava começando a usar, porque realmente faz diferença.

Educação em Pauta – A partir disso, como o curso em parceria com o SINEPE/RS vai ajudar os educadores e gestores da educação?

Daiane Grassi – O curso é online, com um conceito bem autoinstrucional. Foi construído a partir do livro e, nas aulas, eu trago um exemplo de como conduzi a jornada dos 8Cs na minha disciplina do semestre passado. Convido as pessoas a selecionarem uma de suas práticas e virem comigo detalhar esse plano. Apresento, do início ao fim, como organizei a disciplina, como as metodologias entram, como o planejamento precisa ter uma flexibilidade, como acompanhar etc. A ideia é conduzir em uma jornada de criação de experiência de aprendizagem a partir desse meu caso real.

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