“Não teremos um futuro digno se não melhorarmos os padrões de ensino”

Referência no setor, o superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS, Jorge Audy, aponta que o grande desafio é melhorar o ensino na rede pública, com diversidade e pluralismo

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Arquivo Pessoal

Inovar é renovar, recriar. É sinônimo de mudanças e/ou melhorias para algo já existente. 

Sempre inquieto em ações relacionadas a este assunto, o superintendente de Inovação e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc), Jorge Audy, foi entrevistado pelo Educação em Pauta.

Uma das grandes referências da área na capital gaúcha, no Estado e no país, Audy tem um currículo de articulações, sendo presidente de diversas entidades e integrante do Pacto pela Educação. Entre elas, esteve à frente do Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação das Universidades Brasileiras (Foprop); da Associação Internacional de Parques Científicos e Tecnológicos e Áreas de Inovação (IASP Latino América) e da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). 

Audy recebeu reconhecimentos como a Ordem Nacional do Mérito Científico, na categoria Comendador, e o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre.

Recentemente, aceitou mais um desafio: é membro do conselho de administração da Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa).

Educação em Pauta – Como está o cenário no Brasil quanto à inovação? 

Jorge Audy – Hoje, vivemos uma situação crítica no ponto de vista das áreas de ciência e de inovação no país, que é complexa. Temos que retomar o investimento em ciência, tecnologia e inovação, que praticamente desapareceu. Há anos, estamos muito parados. Estamos perdendo um espaço incrível globalmente pela falta de investimentos consistentes e continuados. O futuro se faz com inovação e ciência, isso tem que ser retomado com o máximo de urgência.

Educação em Pauta – E em relação ao Rio Grande do Sul? 

Jorge Audy – Estamos em um momento muito favorável dentro do cenário nacional. Estamos conseguindo desenvolver algumas ações muito importantes em algumas cidades, com projetos importantes, como Porto Alegre, com o Pacto Alegre, que tem o propósito de transformar o município em ecossistema de inovação de classe mundial. É um projeto que tem uma visibilidade social e resultados muito concretos.

Temos outros exemplos também, por exemplo, o Pro_Move Lajeado, alguns ecossistemas importantes espalhados por toda geografia do Rio Grande do Sul, como Caxias do Sul, Passo Fundo e Rio Grande. Então, temos essas circunstâncias de algumas cidades com movimentos muito importantes nesse sentido. 

O próprio Estado, a partir da vinda do South Summit Brasil (evento realizado entre 4 e 6 de maio deste ano), realmente trabalha de uma forma com muita intencionalidade estratégica nessa questão toda do desenvolvimento de startup de novas oportunidades de desenvolvimento profissional para toda a sua juventude, todo esse pessoal da área de tecnologia. Por meio da geração de startups, de desenvolvimento de novos empreendimentos, com atores muito importantes atuando nisso, o governo do Estado, a prefeitura de Porto Alegre, Sebrae, a Rede Gaúcha de Ambientes de Inovação (Reginp) e a Associação Gaúcha de Startups (AGS)

Educação em Pauta – Como está o desenvolvimento do ecossistema no Estado? 

Jorge Audy – Dentro das condições que vivemos no país, estamos encontrando um espaço, gerando dinâmicas muito boas nos ecossistemas. O Programa Inova RS, do governo Estado, por exemplo, mapeou oito regiões no Rio Grande do Sul, com potencial de desenvolvimento científico, tecnológico e inovação, tendo desempenhado um papel importante, apesar da necessidade do nosso Estado ter um maior investimento na educação, na formação e na geração de talentos. 

Recentemente (5 de maio), foi lançada a Rede RS Startup, que é muito importante para quem está iniciando na área. O programa está em fase de concepção importante e tem a participação do Sebrae, um ator muito relevante nesse processo. 

Além disso, Porto Alegre possui a Aliança para Inovação, uma iniciativa dos três reitores das nossas principais universidades do Rio Grande do Sul com a ideia de transformar a nossa cidade em um grande ecossistema de inovação, de padrão internacional. Normalmente, como a gente diz, por si só, é um fator de atração de talentos, de novas oportunidades de desenvolvimento com inovação, tendo a ciência e a tecnologia como atributos centrais.

Educação em Pauta – Falando de Porto Alegre, já se passaram quatro anos da criação do movimento Pacto Alegre. Quais foram os resultados atingidos? 

Jorge Audy – O Pacto Alegre é um grande motor do processo de transformação nessa área de inovação na nossa cidade. Sem dúvida nenhuma, gerou bons resultados. Por exemplo, o Instituto Caldeira é um empreendimento privado, fruto da mobilização de um grupo de empresários na atuação direta com o Pacto Alegre. Um espaço absolutamente transformador do segmento empresarial gaúcho, então é uma entrega do mais alto nível. 

Dentre diversas outras ações, um destaque para o Cidade Educadora, que movimenta uma série de ações e projetos no âmbito de toda Porto Alegre, em suas dimensões centrais e em regiões periféricas de diversas comunidades. É nesse sentido de resolver realmente o maior desafio que nós temos na área de inovação, que é a educação. A melhora da educação, principalmente na pública.

Educação em Pauta – Recentemente, você se tornou membro do conselho de administração da Procempa. Como você encara esse novo desafio?

Jorge Audy – É uma ação mais pontual de desenvolvimento para a cidade de Porto Alegre. A Procempa (está entre as maiores empresas municipais de TI do Brasil) tem uma trajetória muito importante de décadas, sempre prestou um serviço de alto nível. Foi pioneira em muitas iniciativas na nossa cidade, projetou Porto Alegre nesta área da tecnologia. 

Como todas as organizações, em todos os segmentos privados e públicos, também tem enormes desafios frente a esse cenário de mudanças e transformações digitais que vivemos. Todas essas novas possibilidades expandem e tem muito potencial de contribuição. Esse convite que recebi para participar do conselho me honra muito, porque realmente tenho uma grande admiração e respeito, muito pelos resultados e pelas realizações que acrescentam ao longo das últimas décadas. Acho que tem um potencial enorme por continuar tendo um papel relevante no desenvolvimento da cidade de Porto Alegre. 

Educação em Pauta – Anteriormente, você mencionou o South Summit Brasil, que foi um grande sucesso e está confirmado para até 2027 em Porto Alegre. Como você analisa essa oportunidade para a cidade?

Jorge Audy – É um ponto alto. É a “cereja do bolo” de todo o movimento que já tem décadas da nossa cidade que vem desde o século passado. Desde a década de 1990, com o projeto Porto Alegre Tecnópole, que gerou muitas iniciativas, incluindo o Tecnopuc, no início dos anos 2000, e outros movimentos que se sucederam, com a criação da gente Inovapoa, na cidade de Porto Alegre e agora, mais recentemente, o Pacto Alegre, isso combina em ponto de vista uma percepção social e da importância dessa área de inovação a startups. 

O South Summit Brasil envolveu, localmente, pessoas e instituições como o governo do Estado, a Prefeitura, os secretários de inovação estaduais e municipais, as universidades, os participantes do Pacto Alegre, com as lideranças do evento do José Renato Hopf e do Thiago Ribeiro. 

Realmente, o evento foi um grande marco e tem tudo para se transformar, ao longo desses próximos anos, em uma referência internacional, com essa visão de futuro de Porto Alegre, de verdadeiramente ser um ecossistema de inovação reconhecido como classe mundial. 

Essa primeira edição foi importantíssima, acima de todas as expectativas, foi um sucesso e tem muito para melhorar. Eu sempre digo que a primeira edição só não foi melhor do que a segunda, que vai ocorrer no final de março de 2023. 

Educação em Pauta – Outra ação, que conta com a sua participação, é o Pacto pela Educação. Como estão as primeiras iniciativas? 

Jorge Audy – Primeiramente, um aspecto muito importante: é um pacto não é de instituições, mas sim de pessoas físicas. É um movimento que reúne pessoas da cidade e do Estado preocupadas com a questão da qualidade da educação gaúcha, principalmente a educação pública, que responde por mais de 80% da formação dos nossos jovens.

Nasceu a partir de uma percepção de que grandes desafios para o desenvolvimento do nosso Estado, seja social, seja econômico, com um grande desafio para a inovação. É o desenvolvimento de uma educação com mais qualidade, na educação inclusiva, uma educação que exerce e valoriza a diversidade, a equidade, isso é absolutamente fundamental. Não teremos um futuro digno para nossa sociedade, se nós não melhorarmos de forma realmente significativa os padrões de ensino e de aprendizagem, em especial, na educação básica. Desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental e chegando ao Ensino Médio. Então, o Pacto pela Educação está muito relacionado com essas temáticas.

As temáticas são indutoras, inspiradoras, que conectem iniciativas importantes públicas e privadas de todas as esferas da cidadania no nosso Estado. Eu te diria no sentido de qualificar a formação dos nossos jovens na linha de fazermos aquilo que diz o artigo 205 da Constituição Brasileira de 1988, de que o papel da educação é formar para a cidadania e preparar para o mercado de trabalho. A educação só atinge a sua plenitude no momento em que ela atua nessas duas frentes: formar para a cidadania e preparar para o mercado de trabalho. Isso é o grande desafio que nos une, pessoas do nosso Estado preocupadas em contribuir para uma qualificação da nossa educação. 

Educação em Pauta – Como você enxerga a inovação no mercado de trabalho? Qual é o futuro possível de ser desenhado? 

Jorge Audy – Estamos em um momento do ponto de vista de uma redução significativa. Eu acredito que isso vai continuar no futuro e nas condições do emprego, mas um aumento também significativo no trabalho das oportunidades e desenvolvimento profissional em um formato diferente do que foi no passado. Isso requer a educação, requer formação, um processo de formação contínua. 

Hoje, o profissional de qualquer área precisa estar constantemente se atualizando, não só em tecnologia, mas na sua própria área de atuação em função do desenvolvimento exponencial que temos na sociedade. Não só do conhecimento em si, mas de tudo que envolve as relações entre as pessoas, as novas tecnologias, oportunidades e desenvolvimento, por exemplo, as questões de novos empreendimentos, geração de startups. Requer, antes de mais nada, formação e conhecimento, isso pra mim são os principais fatores. Aspectos que talvez hoje muito mais do que no passado são essenciais, o que a gente chama de comportamentais. 

A capacidade de trabalhar em equipe, de colaborar, de resolver problemas, a capacidade de desenvolver um pensamento crítico em consequência são mais importantes em um perfil profissional. Paradoxalmente, as tecnologias se tornam cada vez mais uma comodities de estimativa de fácil aprendizado, de assimilação por meio das redes sociais. 

Agora, essas habilidades de desenvolvimento profissional de trabalho em equipe, da colaboração, das conexões, das redes e dessas habilidades comportamentais são grandes diferenciais dos profissionais de hoje e do futuro. 

Educação em Pauta – Como você enxerga a inovação na rede de ensino privado? 

Jorge Audy – Tem muitos exemplos de instituições na educação básica e superior nosso Estado de muita qualidade, competência nas suas atualizações e ofertas. Agora, temos que lembrar que na educação básica, o ensino privado não atinge nem 20% da população gaúcha. O grande desafio é melhorar o ensino na rede pública. Não que o privado não busque espaço para melhorar a sua excelência, seus processos.

A educação privada tem encontrado seus caminhos para qualificar ofertas educacionais de acordo com as demandas que a sociedade tem apresentado. Se for pensar em todo o Estado, isso é pouco. Mais de 80% dos jovens têm a sua formação na rede pública. Esse ensino gratuito precisa ser de maior qualidade, inclusivo, com diversidade e plural.

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