Simplicidade e conexão humana são caminhos para a felicidade

Um dos nomes referência no campo da Felicidade nas Organizações, a professora e pesquisadora em Psicologia Positiva, Carla Furtado aborda como ser feliz, principalmente em um ambiente voltado para a educação

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: J.P. Telles / Divulgação

Muitos filósofos possuem diferentes formas de pensar o que traz felicidade. Aristóteles acreditava no equilíbrio e harmonia praticando o bem. Epicuro descreveu que é por meio da satisfação dos desejos. Já Confúcio associou a harmonia entre as pessoas.

Enfim, como ser feliz? Para elucidar o tema, o Educação em Pauta entrevistou a professora e pesquisadora em Psicologia Positiva, Carla Furtado referência nacional na temática sobre saúde mental, bem-estar e sustentabilidade. Ela é uma das duas únicas brasileiras formadas pelo Schumacher College, na Inglaterra, e pelo GNH Centre, no Butão, como Facilitadora FIB (Felicidade Interna Bruta).

Carla desenvolve programas de felicidade com impacto real no engajamento dos colaboradores e na performance das empresas. É fundadora do Instituto Feliciência, precursora no Brasil em ações, programas e cursos de promoção da felicidade pessoal e corporativa. Essas atividades são pautadas pela Psicologia Positiva, pela Neurociência e pelo sistema FIB. 

“Ao dar uma aula, acredito que o professor precisa ter uma intenção, ter o desejo de estar com os alunos.”

CARLA FURTADO – psicóloga

Também é docente de Pós-Graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), na extensão da Cátedra Unesco na Universidade Católica de Brasília e professora convidada do Hospital Israelita Albert Einstein, no curso Saúde Mental nas Organizações.

De alunos a gestores, a especialista em psicologia positiva direciona os pontos possíveis para tornar o ambiente escolar um espaço mais saudável e feliz. Dentre os caminhos, está a educação positiva, que desenvolve habilidades para que as pessoas sejam realizadas no seu modo de vida.

Educação em Pauta – Quais são os desafios da felicidade?

Carla Furtado – São vários, inúmeros. Quando falamos de felicidade do ponto de vista da psicologia, podemos começar por duas questões básicas. O primeiro desafio se vincula com as condições básicas de vida. Em um país como o Brasil é muito difícil falar que “a felicidade está nas suas mãos” com tantas pessoas vivendo em extremas necessidades, envolvendo fome e desemprego. Então, o desafio está em ter uma vida digna, uma sociedade na qual as pessoas tenham uma vida digna. É tentar reduzir essa desigualdade social.

O segundo ponto é como significa a felicidade. Cada pessoa no nosso planeta tem o direito de identificar a felicidade como ela é. Contudo, existe uma certa confusão, a felicidade está associada a alcançar determinados patamares de vida, com relação às questões socioeconômicas. A ideia de um consumo para o caminho da felicidade é muito perigosa. É sair dessa esfera do consumo que pode trazer apenas prazer, mas não felicidade.

Educação em Pauta – Você mencionou “sair da esfera de consumo”. Como é possível?

Carla Furtado – Dentro da psicologia positiva abordamos dois pilares. Um deles é entender a felicidade como algo que pode ser potencializada por emoções positivas, sendo que, muitas vezes, pode ser confundida à natureza de consumo. Não me refiro somente ao ato de comprar, mas sim ao de comer, ao de beber, como se fosse um caminho, um veículo da felicidade. Na realidade, quando se experimenta esse tipo de prática, é um prazer, uma experiência volátil. Fisiologicamente falando, é uma descarga de dopamina, que é muito intensa, mas muito rápida.

O outro pilar está atrelado a alcançar mais emoções positivas, à necessidade de sair desse pensamento do consumo. É ter relações para ter um caminho mais saudável e potente. Isso pode acontecer apenas com uma pessoa, desde que você possa contar com ela. É experimentar emoções positivas por meio de atividades que não sejam em relação ao trabalho. Claro, o trabalho pode trazer emoções positivas, contanto que sejam sensações associadas a um hobby, como jardinagem, à prática de cozinhar, de atividades artísticas, tudo aquilo que traga satisfação. Esse é o fomento de emoção para fora do consumo.

Somos muito estimulados a consumir e, por vezes, está associado à felicidade. Você pode querer trocar o carro para ter novos amigos. Vemos muito isso na publicidade que vende um estilo de vida, em que você será mais feliz a partir da aquisição de um determinado bem.

Educação em Pauta – A felicidade está em momentos mais simples?

Carla Furtado – Esse pensamento compactuo e será encontrado em algumas linhas filosóficas. Realmente, a felicidade está muito mais na capacidade que podemos desenvolver e perceber o valor da vida, daquilo que é ordinário, não como algo extraordinário. É aquilo que você faz no dia a dia, o simples. A nossa vida não é tão fantástica e fabulosa, você não precisa estar em iate no Mar Mediterrâneo. Em média, as vidas são simples e corriqueiras e precisamos “re-sensibilizar” daquilo que é belo, a simplicidade da vida.

Educação em Pauta – Pensando na área da educação, como ser feliz em um ambiente de ensino?

Carla Furtado – A educação positiva introduz os conhecimentos da psicologia positiva para os alunos. Não é uma disciplina isolada, é algo que permeia todo o processo de ensino da criança, do adolescente e do adulto, educando-os para a felicidade.

Para isso, primeiramente, a instituição de ensino tem que saber se precisa melhorar sua cultura e seu modelo de liderança. Não adianta somente instrumentalizar aqueles que fazem parte da instituição se o ambiente não for saudável. Segundo, é necessário verificar como está o nível de sofrimento, mitigar e buscar apoiar as pessoas dentro do possível. A preocupação com a saúde mental é algo ainda mais presente em decorrência da pandemia. Terceiro, é fazer a verificação, como estão as pessoas na instituição de ensino. É preciso diagnosticar, ter a leitura do que está ocorrendo. O nível de felicidade é possível de mensurar por meio de vários tipos de escalas ou instrumentos científicos, que são validados no Brasil. 

Além disso, é preciso trabalhar o savoring, que é a percepção do valor da vida, a capacidade de apreciá-la, e o mindfulness, a atenção plena, que favorece uma série de habilidades socioemocionais, como a empatia e a resiliência.

>> Em uma live “O Que É Felicidade no Trabalho?”, a psicóloga comenta mais sobre o tema:

Educação em Pauta – Para desenvolver essas habilidades, algumas universidades possuem disciplinas sobre a felicidade. Como você analisa isso?

Carla Furtado – Em um ambiente acadêmico, a felicidade tem sido ministrada por professores da área de psicologia positiva. É muito interessante, existem situações diferentes. Por exemplo, na UnB, a Universidade de Brasília, em que a disciplina está presente nos cursos de engenharia. Não é somente para formar alunos, mas sim para instrumentalizá-los. Muitas vezes, os estudantes demonstram sofrimentos de várias formas, sendo a evasão uma delas. Existem estudos relacionados a esse tema e a UnB resolveu institucionalizar como forma de apoio, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais dos alunos.

Educação em Pauta – Neste ano, foi finalizado o primeiro ciclo do Novo Ensino Médio. Você acredita que poderia ter algo relacionado à felicidade nos itinerários formativos?

Carla Furtado – Há alguns anos, eu imaginava que a educação positiva iria caminhar com maior velocidade no Brasil. Ainda tem muito espaço para esse trabalho, não vejo tantas iniciativas nessa área. Acredito que seria um grande ganho para os alunos do Ensino Médio. É uma possibilidade, ao menos, de expô-los a um conhecimento que não está disponível, precisam ao menos experimentar. 

Não atuo em escolas, mas a minha atuação em organizações tem me surpreendido bastante. A atenção plena tem permitido a vários trabalhadores aderirem a essa prática. Nas escolas, a possibilidade dos jovens de ter esse desenvolvimento socioemocional é algo que vem ao encontro do que o mercado de trabalho tem buscado.

Educação em Pauta – A sala de aula, muitas vezes, é um ambiente desafiador aos professores pelas novas exigências dos estudantes, pela necessidade de atualização de práticas pedagógicas, entre outros fatores. Quais recomendações você daria a eles?

Carla Furtado – Vou falar como professora, sem ter algo a partir de uma questão científica. A valorização possui aspectos que se perdem, não só nessa atividade profissional, mas sim na vida, que é o valor da conexão, da qualidade de presença, do olho no olho e da escuta verdadeira. 

Falando também como aluna, como estou sempre estudando, percebi que muitas vezes se perde a oportunidade de uma pequena comunidade. Enquanto aquele grupo de estudantes está junto, não importa que seja um curso de um dia ou uma graduação, se desperdiça os laços, essa qualidade de conexão humana. 

Olhando para a ciência, se há um caminho, apontado pela medicina, pela psicologia ou pela neurociência, é o de ser mais feliz por meio das conexões humanas. Chegamos onde estamos porque constituímos uma tribo e esquecemos isso. Ao dar uma aula, acredito que o professor precisa ter uma intenção, ter o desejo de estar com os alunos.

Educação em Pauta – E quais recomendações aos gestores, para que se tenha essa conexão humana?

Carla Furtado – Muitas vezes, a falta de conexão do professor em sala de aula está vinculada com uma desconexão com a própria instituição. Quando se cria ambientes mais positivos, com respeito e troca, você fomenta a propagação deste tipo de comportamento.

Para o trabalhador, o reconhecimento é uma moeda muito valorizada, claro, junto a isso, ter boa remuneração e boas condições de trabalho, mas ser reconhecido é muito importante. Se a ideia é ter alunos com experiências positivas com a educação, é preciso ter ambientes que proporcionam isso, e não acontece ao acaso, com intenção e compromisso. É fugir das muitas coisas mecanizadas ou só correr atrás de resultado financeiro, que é importante para a escola privada. É inegociável, mas precisamos construir um ambiente positivo. É conseguir usar seus próprios recursos para atender suas necessidades e ter boas trocas com as pessoas e dar sua contribuição para o seu grupo social.

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