“Você inclui todo mundo na sua agenda, menos você”

Após ter sido diagnosticada com a síndrome de Burnout, a jornalista Izabella Camargo tem se dedicado à Produtividade Sustentável, transmitindo a sua importância na vida das pessoas e empresas

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Giancarlo Cadengue Poletto / Divulgação

Exaustão extrema, estresse e esgotamento físico. Esses são os sintomas da Síndrome de Burnout ou da Síndrome do Esgotamento Profissional.

O Brasil é o segundo país do mundo com mais casos de Burnout, conforme indica o International Stress Management Association (ISMA-BR). Professores, advogados, jornalistas, bombeiros, policiais, advogados, agentes penitenciários e bancários são as oito profissões, apontadas por especialistas, com mais diagnósticos com essa síndrome. 

Um exemplo conhecido desse distúrbio aconteceu com a jornalista Izabella Camargo. Em 2019, a ex-apresentadora da TV Globo teve um “apagão” ao vivo ao apresentar a previsão do tempo e foi afastada da emissora por recomendação médica para tratar da síndrome de Burnout. 

Esse acontecimento ressignificou o seu modo de viver. Intitulada pela própria como “faxineira da saúde mental”, a sua missão é limpar as mentes das pessoas, tornar suas vidas melhores e, por consequência, serem mais felizes em seus trabalhos. 

Especialista em produtividade sustentável, Izabella é certificada no curso de Gerenciamento do Estresse pela International Stress Management Association no Brasil (ISMA BR). É autora do livro “Dá um tempo!: como encontrar limites em um mundo sem limites”. 

Atualmente, se dedica a realizar palestras pelo Brasil sobre autocuidado, produtividade sustentável e prevenção da Síndrome de Burnout. Para saber mais sobre essa “virada de chave”, o Educação em Pauta fez uma entrevista exclusiva com a jornalista.

>> Confira sua breve história e os impactos após seu diagnóstico:

Educação em Pauta – Como é possível minimizar o estresse no ambiente do trabalho?

Izabella Camargo – Nós só vamos minimizar o estresse quando atualizarmos a nossa identidade e entender como é o nosso ambiente de trabalho. Para cada profissão, cada ambiente, existe uma série de variáveis que podem provocar o estresse. Alguns são sabidos por todos, outros realmente são imprevistos. Mas do que estou falando? Desde o “bom dia” até o “boa noite” vão acontecer situações que podem provocar estresse, sendo positivo ou negativo, vai depender da nossa reação. Então, primeiro, preciso atualizar a minha identidade, comigo e com a empresa. Será que estamos na mesma página? É a mesma empresa de anos atrás? Não existe fórmula mágica ou bala de prata, existe humildade de reconhecer as mudanças. As empresas vão mudar e nós também. 

Segundo: quais são os momentos mais tensos do meu trabalho? Por exemplo, um fechamento de uma revista, um jornal ou qualquer coisa que tenha um período prévio, que já é tenso. Você tem que ter clareza que essas situações vão exigir mais tempo e atenção, isso para não sobrecarregar sua agenda. Não marque novas coisas, tenha tempo para os imprevistos.

Nós precisamos ter clareza sobre como é nossa semana, nosso mês, e saber como lidar com isso. Eu posso reduzir as situações de estresse, posso controlar a minha reação diante de uma situação. Existem empresas com ambientes tóxicos, mas também comportamentos tóxicos, sendo que estes estão ao nosso controle. Preciso entender: eu gosto de trabalhar aqui? Tenho que ter as variáveis de estresse. Qual será o meu deadline? Qual será o período mais tenso? O que preciso despender energia e tempo para essas atividades as quais me comprometo.

Para mim, isso é a coisa mais factual, que todo mundo pode treinar. Claro, não é algo que vai acontecer de um dia para o outro. Tem que começar de algum ponto de partida e é isso que estou fazendo, levar esse entendimento às pessoas.

Educação em Pauta – O que é importante dar prioridade na vida?

Izabella Camargo – Quando estamos falando de “atualização de identidade”, esse é um termo que nasceu junto com o movimento da Produtividade Sustentável, que criei depois de ter vivido um estilo de vida insustentável. Eu comecei a ligar alguns pontos, não só do presente, como do passado e como o nosso mercado aponta para o futuro. Se queremos um mundo sustentável, precisamos começar pela Produtividade Sustentável.

Primeiramente, atualizando a minha identidade. O que é isso? Por exemplo, esse ano vou fazer 42 anos e, por mais que eu queira fazer as coisas como fazia aos 20 anos, meu corpo mudou, minhas ideias mudaram, minha energia mudou. Essa atualização pode ser feita sozinha ou com ajuda de terapeuta.

Vou trazer um nome bonito, o “turismo interno”, ou seja, o autoconhecimento. Preciso ter a humildade de saber reconhecer as minhas habilidades de hoje, o que consigo fazer de forma saudável. Quando tinha 20 anos, podia dormir 4 horas, podia ter dois trabalhos e fazer faculdade. Atualmente, posso também ter dois trabalhos e fazer uma faculdade, mas minha saúde vai definhar.

O que eu falo muito nas minhas palestras e nos encontros onde vou é sobre a autorresponsabilidade. Não adianta cobrar da empresa um ambiente saudável, se eu não tiver coerência nas minhas ações. Hoje em dia, a origem de grandes problemas de saúde e relacionamento é quando você quer dar conta de uma agenda do presente, com as características que você tinha do passado. É preciso parar de alimentar essa ilusão. Não busque recursos artificiais, anfetaminas, cafeína ou outros tipos de estimulantes.

Esse movimento da Produtividade Sustentável eu criei para CNPJ e CPF falarem a mesma língua. O negócio precisa ser sustentável, não posso mais moer meus talentos achando que isso não vai trazer consequências. Os departamentos de RH e as lideranças precisam enxergar sentido para a sustentabilidade do negócio.

>> Veja o vídeo “É pra trabalhar mais ou viver mais?”

Educação em Pauta – Como chegar ao equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal?

Izabella Camargo – Primeiro, temos que entender o que significa equilíbrio: altos e baixos constantes em que você sabe manejar o estresse diante disso. Engana-se quando não temos mais desafios, mais problemas, teremos isso o tempo inteiro. 

Equilíbrio é saber que na semana que você teve que trabalhar mais, na seguinte tem que trabalhar menos. Se em uma noite dormiu menos do que precisa, na seguinte tem que recuperar. Não acreditar que no ano que vem, quando for tirar férias, vai estar se cuidando.

A Produtividade Sustentável passa por uma revisão de valores e comportamentos da empresa e dos profissionais. Muitas empresas estão gastando muito dinheiro, indo para o ralo, com serviços que os funcionários não usam. Você vai ouvir de líderes que pagam plano de saúde e terapias, mas as pessoas não fazem. 

Sem comunicação, não tem confiança, é preciso revisar valores e comportamentos para que não se jogue dinheiro fora. Cuidar do funcionário custa caro, tem uma série de elementos que já foram defendidos ao longo das últimas épocas. Tem os EPIs, para segurança física. Agora, estamos entrando na era de segurança psicológica, que é considerar a cultura e os processos. É preciso consertar o problema, não ficar elucubrando. É necessário revisar os valores da cultura das empresas e as dinâmicas que ainda estão na prática. 

Educação em Pauta – Em um ambiente de ensino, quais dicas você daria para criar um ambiente de produtividade sustentável?

Izabella Camargo – Falo muito para professores, em ambientes escolares de vários perfis. Como estamos falando de pessoas, não tem como promover algo que não experimento. Não é possível ensinar os alunos se os professores estão doentes. Isso não é diferente em banco ou hospital, estamos falando com pessoas.  

Inclusive, os professores fazem parte de um grupo mais sensível ao Burnout junto às profissões das áreas da saúde, jornalistas e bancários. São profissionais que não podem errar, estão sob pressão constante. Logo, um ambiente não tem diferença alguma, pois os professores são dignos de pausas, de valorização, de reconhecimento, como qualquer outro profissional. 

O gestor de uma escola é como o de uma empresa, que precisa gerir recursos, demandas e saídas. É preciso ter muita coerência no seu discurso para oferecer um ensino de qualidade, ter pessoas saudáveis. E a produtividade sustentável é para todos, são elementos comuns a qualquer negócio.

Tenho tido muita aceitação em ambientes conservadores, com experiências muito bem sucedidas, isso porque está na hora de olhar para as coisas como elas são. Ou investe no falando do problema ou investe considerando solução, que passa por faxina.

Hoje, me apresento como faxineira, porque preciso limpar ideias que não funcionam mais. Eu respeito o que funcionou no passado, mas hoje não mais. Preciso eliminar essas ideias equivocadas e trazer as mais eficientes e modernas que vão promover mais saúde e sustentabilidade do negócio de quem seja. 

Não preciso falar mais sobre a produtividade, as pessoas já fazem o melhor delas no que podem. Uma pessoa que é irresponsável, que não é comprometida, não se sustenta. A empresa não se preocupa, reconhece isso e manda embora. Agora, se uma pessoa que trabalha bastante está alinhada com uma empresa madura, que se propõe a falar a mesma língua, todo mundo vai prosperar, ganhar mais. 

Fuja das pessoas que pedem para ter sangue nos olhos. Você não precisa sangrar para apresentar os resultados, tenha, sim, brilho nos olhos.

Educação em Pauta – E qual é a importância de dar pausas no trabalho? O estar presente, como em momentos simples, como na hora do almoço, evitar mexer no celular. Como aproveitar mais esses momentos?

Izabella Camargo – Muitos de nós quando vamos ao banheiro levamos o celular, quando se desloca no elevador, quando vai tomar água, isso vai consumindo cérebro e energia. O estar presente significa ter atenção ao que está fazendo. É tão legal estar falando com você (nessa entrevista), sei que você está ouvindo o que estou falando, está contendo o meu raciocínio. Imagina quando eu dou entrevista ou você faz algum trabalho em que a pessoa não está ali. Não é só ruim comigo, é com você também. A presença é um estado de coerência com aquilo que você se propôs.

Todos nós, quando acordamos, temos uma reserva de energia. Imagina que o nosso cérebro seja um balde cheio de água. Se usar todo esse balde para lavar banheiro, vai faltar água em outras áreas da casa. Se acordo com uma reserva e uso meu cérebro com distrações, seja a qualquer momento em multi telas, fazendo várias coisas ao mesmo tempo, estou consumindo a água do balde, a energia do cérebro. Vai faltar depois para o que realmente se precisa, aquilo que vai trazer uma satisfação no fim do dia com outra atividade, tudo isso para que a sua vida não seja apenas casa e trabalho. 

Então, as pausas são fundamentais para a manutenção da nossa atenção, da nossa energia e, consequentemente, da nossa saúde. E qual o final desse funil? É a produtividade. Não estou falando de resultado para a empresa, estou falando de você com você. 

Antes do smartphone ser uma continuação do nosso corpo, íamos tomar banho sem o celular, esses pequenos intervalos de tempos nos davam respiro. Se hoje, em qualquer situação, estou usando a energia do cérebro, a água do balde, ao chegar o final do dia, estou exausta, cansada.

É preciso entender que essas minhas distrações me tiraram da presença. Se a distração é para se atualizar, ler uma notícia, é uma coisa, agora, viver em busca de algo prazeroso no celular, aí temos um problema. É a mesma coisa com a tristeza e a depressão no trabalho. Estar triste com um fato, é tristeza, mas se espalhar por todas as áreas da minha vida, é depressão. Tudo isso faz parte do autoconhecimento, por isso que o gerenciamento do estresse é fundamental. As situações vão acontecer o tempo inteiro e vai depender de você, se vai levar como aprendizado ou como problema. A decisão é sua.

Educação em Pauta – No início da entrevista, você mencionou sobre as mudanças das empresas. Nos dias de hoje, algo representativo são as formas de trabalhar no presencial, virtual ou híbrido. Qual é sua visão sobre isso?

Izabella Camargo – O remoto atrapalha quem não tem organização. É maravilhoso para quem se organizou. Pode ser ruim quando você não tem condições de trabalhar, sendo uma empresa que exige os mesmos rendimentos do presencial. O home office é ótimo ou ruim, vai depender da responsabilidade da empresa em suprir o profissional com recursos que ela precisa trabalhar. Vejo muitas pessoas que se deram muito bem e outras não.

Para mim fazer por telefone essa entrevista contigo é maravilhoso, isso é home office. Se tivesse que estar presencialmente onde você está, pensa no custo de tempo! 

Outro dia estava vendo o Jornal Nacional e o meu marido fez uma pergunta devido a uma entrevista que estava ocorrendo via Zoom e ele me falou: “nossa, isso seria impossível na sua época”. E eu respondi: “totalmente”. A gente gastava duas horas para chegar no entrevistado, colhia 10 minutos de sonora e voltava (para a redação da TV). Olha o tempo que se perde? Então, o que é home office? Posso fazer a entrevista da minha casa? Posso! 

Então, dependendo do trabalho que você tem, o home office é maravilhoso. Da cidade que você trabalha, poupa tempo. Você tem que se organizar para não se distrair com outras demandas da casa e da sua família no horário de trabalho. Claro, se você tiver clareza desse horário.

Educação em Pauta – Uma frase sua refere que: “o Burnout é a ausência de si mesmo”. Como se prevenir quanto a isso?

Izabella Camargo – Prevenir o Burnout ou qualquer problema de saúde é quando você não se negligencia, não ignora as dores do seu corpo, não deixe para depois. Quando você ataca o problema na origem. 

Muitas vezes, a gastrite que você tem não é pelo excesso de café, é pelo número de horas de trabalho e precisa beber em uma quantidade a mais, aí vai dar problema no estômago. Qualquer problema grave de saúde, você recebe mensagens do seu corpo, seja uma dor cabeça frequente, uma queda de cabelo, umas manchas na pele, uns problemas no estômago ou no intestino. As dores são mensageiras, te convidam a devolver o equilíbrio que você perdeu por alguma razão, seja por um trabalho que você aceitou ou foi obrigado a aceitar. São vários contextos que te fazem desequilibrar. 

Como é que você previne? Não se ausentando, não se negligenciando. Alimentamos a ilusão de deixar para depois. 

Você inclui todo mundo na sua agenda, menos você. Vamos falar de coisas primitivas? O tempo de sono e a alimentação? Se você dorme com o que sobra na sua agenda, você vai ficar doente a médio e longo prazo, isso é fato. Se você tem 20 anos, você pega gripe, mas conforme o tempo vai passando, seu corpo vai tendo outras necessidades. Podemos ter privação do sono de forma impositiva, quando você não pode. No meu caso, por exemplo, trabalhava na madrugada. Tem também a privação involuntária, aquele que você assiste uma série na madrugada e faz essa escolha por conta própria, prejudicando sua saúde. 

Outro elemento de coisas primitivas é a higiene pessoal. Mulheres deixando de lavar o cabelo, homens deixando de fazer a barba e assim por diante.

Enfim, quando você abre mão do seu tempo de sono, alimentação e cuidados consigo, são sinais gravíssimos.

Educação em Pauta – E as atividades físicas estão neste contexto?

Izabella Camargo – Esse é o quarto elemento. Se você não está dormindo bem, não fizer sua higiene de forma correta ou se alimentar adequadamente, não adianta falar em atividade física. A atividade física é a sua vitamina diária, faz produzir todos os hormônios do bem que precisamos.

Tenho que acrescentar um quinto elemento do faxineiro da saúde mental, que é o tempo de lazer e de família. Existe um estudo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) sobre neurogênese. Há menos de 10 anos atrás, não se imaginava que os neurônios pudessem se multiplicar. Uma experiência foi realizada com ratinhos. Aqueles que faziam atividades físicas produziam 20% mais de neurônios em relação aos que não faziam. Já os ratinhos que tinham momentos de lazer produziam 40% mais de neurônios em comparação àqueles que não tinham essa situação. Ou seja, o tempo para o lazer produz mais neurônios, como a atividade física. 

Tudo isso acaba abrindo mão quando a nossa agenda está muito cheia. Dorme menos, evita o banho e a escovação dos dentes, come mal, não faz atividade física, e pensar que lazer é uma perda de tempo.

Educação em Pauta – E como impor limites a si mesmo?

Izabella Camargo – Os limites são os contratos de tempo que você tem que fazer, primeiramente, consigo e depois com a família e o trabalho. Um banco funciona das 10h às 16h. Esse contrato de tempo está claro. Se eu chegar às 15h30min e estiver fechado, o banco descumpriu o contrato. Se eu chegar às 16h30min e ficar irritada que está fechado, eu estou descumprindo. 

Preciso definir quais são os meus contratos de tempo. O tempo de sono, quanto tempo preciso comer de verdade como ser humano e assim por diante. Nos contratos de tempo primitivo, tenho que começar pelo tempo com a família e depois o trabalho, mas geralmente invertemos essa ordem. 

Vamos supor, você definir que entro no trabalho às 9h e saio às 18h. Se alguém me chamar às 19h e não atender, alguém está desrespeitando o contrato de tempo. Isso pode parecer ser difícil, mas não é, precisa de treino. Por que você tem que estar disponível 24 horas por dia? É impossível, os limites estão nos contratos de tempo. 

Eu tenho que levar a minha filha na escola, isso é um contrato de tempo com a minha família. E o plano B, quando eu não puder? É responsabilidade minha pensar nisso. Por isso, voltamos ao nosso início da nossa conversa, se eu não tiver contrato de tempo definido, será um problema, vai gerar estresse. Os imprevistos podem ser oportunidades quando se tem agenda, caso contrário vira um problema.

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