A inteligência artificial e o bullying: debate dentro dos muros da escola

Para advogada especialista em direito digital, instituições de ensino devem desenvolver iniciativas de educação digital voltada para o uso responsável

imagem: Freepik

Cláudia Bressler
Advogada especializada em direito digital e professora

Recentes episódios em que estudantes fizeram uso de inteligência artificial para alterar fotografias, utilizando-se de imagens de mulheres nuas para inserir o rosto de suas colegas, mostraram uma nova forma de praticar e entender o bullying ou o cyberbullying.

O fato tem desdobramentos perante a Autoridade Pública, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) criminaliza a conduta de quem disponibiliza, transmite, publica ou divulga registros que contenham pornografia, envolvendo criança ou adolescente (art. 241-A). Significa afirmar que os próprios adolescentes respondem pelos seus atos, nos limites do ECA, o que pode resultar na aplicação de medida socioeducativa, após o devido processo legal; assim como possivelmente trará consequências aos seus pais, segundo determina o Código Civil, pois são chamados a reparar os danos causados por seus filhos, tanto danos materiais, como danos morais.

Importante, ainda, destacar que as escolas têm sido questionadas quanto à sua responsabilidade, haja vista que, embora não sejam atos necessariamente praticados no ambiente escolar – o contexto digital não tem limites no espaço físico – em grande parte estão identificados a partir de “alunos de determinada turma ou instituição de ensino”, o que evidentemente traz o debate para dentro dos muros da escola.

O ambiente digital absorveu todas as relações humanas, de modo que não se pode mais pensar o convívio familiar, as atividades letivas, o trabalho e as relações sociais somente a partir da perspectiva “offline”. Essa forma de convívio traz complexidades para as soluções jurídicas dos conflitos, assim como demanda atuação pedagógica atenta a essa realidade, pois é na escola que são forjadas as primeiras experiências dos alunos com o limite da norma.

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Existe um dado fundamental na história da civilização que é a necessidade e a capacidade de conviver. Tudo o que se conquistou em termos de desenvolvimento humano, científico, tecnológico, é fruto da condição humana de aprender com os demais. A lei tem por finalidade organizar a convivência para que a interferência de condutas entre as pessoas tenha um sentido positivo e, na escola, os alunos têm a possibilidade de refletir sobre esse contexto.

Os instrumentos normativos escolares estão fundados na função pedagógica de que a ação de todos precisa ser estruturada a partir de limites que respeitem a coletividade, o respeito, direitos e obrigações de uns para com os outros. Para a violação da lei, o direito estabelece sanções, que devem ser consideradas no seu aspecto punitivo e pedagógico.

Todavia, o ambiente digital tem confirmado uma realidade inarredável: a tecnologia está isolando as pessoas, que estão perdendo a sua capacidade de ser coletividade. Estão com as referências éticas e os limites legais fragilizados.

A escola tem um papel essencial nesse momento da História: fomentar a reflexão sobre o que é ser civilização. E esse caminho se faz desde a educação infantil, com exercícios concretos sobre não poder fazer mal ao outro e o porquê.

As instituições de ensino têm empregado inúmeros esforços para adotar novas tecnologias, trazer experiências com a inteligência artificial, criar espaços de programação, ou seja, iniciativas necessárias para um mundo em transformação que precisam estar integradas à formação humana. 

A par das novidades tecnológicas, não se pode perder a consciência de que elas são instrumento, não a essência da formação. Para bem dominar a técnica, é preciso existir conteúdo que a fundamente, salientando-se que a escola tem espaço ímpar para desenvolver iniciativas de educação digital voltada para o uso responsável, a formação de lideranças éticas, a reflexão sobre o que representa ser civilização.

Se não existir o reconhecimento de que a coletividade deve ser valorizada e protegida – com as suas diferenças e semelhanças –, as novidades tecnológicas poderão ter efeito catastrófico, o que já se percebe em vários ambientes. A escola tem lugar privilegiado. Deve ocupar esse espaço com consciência e segurança.

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