Bullying e Cyberbullying: combater é a melhor alternativa

Lei que criminaliza as práticas foi sancionada no início do ano e especialista comenta mudanças que impactam estudantes e instituições

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Dia 7 de abril marca o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola, uma data para trazer alertas, especialmente nos ambientes escolares, sobre essas duas práticas que, recentemente, passaram a ser criminalizadas no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no dia 15 de janeiro deste ano, a lei nº 14.811, que inclui os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal Brasileiro. As medidas presentes na nova lei abordam a prevenção e o combate à violência contra crianças e adolescentes em estabelecimentos educacionais e também em outros ambientes, incluindo o virtual. 

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, em 2018, mostra o Brasil em segundo lugar no número de casos de cyberbullying, uma classificação alarmante e que traz ainda mais riscos com a chegada de alguns avanços tecnológicos, como a inteligência artificial. Recentemente, nove adolescentes de uma escola de Porto Alegre foram acusados de produzir e compartilhar vídeos falsos de nudez de 16 meninas. As imagens teriam circulado entre alunos de uma escola da capital gaúcha e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil. 

“A inteligência artificial permite inúmeras edições e alterações de voz e imagem, conferindo bastante veracidade ao conteúdo. Esses aplicativos podem ser encontrados gratuitamente na internet, sendo usados para os mais variados fins, incluindo a manipulação de imagens para que confiram uma aparência de nudez, quando ela não existe de fato”, explica a advogada e professora universitária Rosane Leal da Silva. 

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Pesquisadora das interfaces entre Direito e Tecnologias, Rosane acredita que o tema do bullying e do cyberbullying, especialmente este último, é dotado de  grande complexidade, uma vez que envolve crianças e adolescentes, tanto na condição de autor da conduta quanto de vítima. Logo, são merecedores de proteção integral, e cabe à família, à sociedade, as escolas e às empresas que atuam no segmento de tecnologia e ao próprio Estado adotarem medidas de prevenção e de atuação diante das violações de direitos. 

“A lei sancionada agora trata de temas relevantes, ainda que tenha misturado num só diploma legal inúmeras condutas que são distintas, pois o cyberbullying não necessariamente vai gerar uma abuso e uma exploração sexual. Esses temas podem estar relacionados, mas não necessariamente unidos numa mesma situação”, esclarece a advogada. 

Não é de hoje que o bullying e o cyberbullying estão na pauta dos legisladores brasileiros. Em 2017 foi prevista a Lei 13.185 que estabeleceu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática. Esta legislação definiu como intimidação sistemática tanto a violência física quanto psicológica, e estabeleceu as condutas que vão ser entendidas como bullying, como a violência verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material e virtual. Rosane explica que, apesar da visibilidade que a nova lei tem tido, especialmente na mídia, já havia a previsão de criação de programas e ações voltadas ao combate ao bullying e ao cyberbullying.

“Além desse dever dos estabelecimentos de ensino, expressos no art. 5º desta Lei, também havia previsão de elaboração de relatórios que subsidiariam a proposição de ações e programas sob responsabilidade dos Estados e dos Municípios, voltadas ao tema. Todavia, pouco foi visto de articulação nesse período de quase 10 anos de vigência da lei, numa completa inércia dos garantidores da proteção integral, enquanto os casos de violência aumentaram consideravelmente em razão da maior apropriação e inserção de crianças e adolescentes no ambiente digital”, lembra. 

A nova lei sancionada em janeiro deste ano classifica o bullying como “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais” e garante como punição o pagamento de uma multa, se a conduta não constituir crime mais grave. Já o cyberbullying é caracterizado na legislação brasileira “se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos online ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real”. Neste caso, a pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa.

O que antes era apenas um alerta para que escolas e outras instituições combatessem as práticas abusivas, seja no presencial ou no ambiente virtual, agora é passível de prisão. Para o dia 7 de abril não ser apenas um momento pontual para a discussão do bullying e do cyberbullying nas escolas, Rosane destaca a importância da família, que não pode se eximir de agir, tampouco minimizar a ação de quem comete o ato sob a alegação de que “era brincadeira”. As plataformas e demais provedores de aplicativos, que também deveriam estar encarregados de promover a defesa de seus consumidores nestes casos, respondendo pela segurança dos serviços prestados, parecem pouco interessadas no assunto. 

“Usualmente, essas plataformas se isentam de responsabilidade invocando os artigos 18 e 19 do Marco Civil da Internet. No entanto, essa previsão é questionável, especialmente considerando o dever de proteção integral previsto no art. 227 da Constituição Federal e no compromisso, igualmente constitucional, de defesa do consumidor”, avalia Rosane. 

Agora, com a criminalização das práticas de bullying e cyberbullying, pode-se ter a impressão que o número de casos irá diminuir. Porém, Rosane argumenta que essa ideia de que criminalizar condutos trazem garantias de que elas não mais ocorram é uma ilusão de segurança jurídica. “As crianças e os adolescentes envolvidos nas condutas precisam ser educados, sensibilizados e preparados para o uso das tecnologias, a partir da compreensão de que suas condutas no ambiente digital podem trazer implicações reais e séries à vida de outras pessoas. Essa conscientização não se dará por obra da edição de uma lei, sem que a legislação esteja guarnecida de ações concretas visando à educação digital da população desse grupo etário. Portanto, essas ações já deveriam ter sido empreendidas na lei de 2017, que indicava um programa que deveria congregar ações do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, chegando até as escolas. Mas a julgar pelo crescimento dos casos, parece que algo falhou nessa implementação”, completa. 

Muito além da importunação

Uma lei da importância da nº 14.811 também é passível de debates. Um exemplo é a sua redação, que prevê crime intimidar sistematicamente, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, “sem motivação evidente”. Este último trecho, segundo a professora Rosane, faz refletir sobre o que há por trás de muitos casos de bullying e cyberbullying. Para ela, em alguns casos, há uma motivação evidente, como questões relacionadas à orientação sexual e à própria raça da vítima ou grupo atingido. Logo, o próprio conceito de bullying relaciona-se a determinados grupos que, em razão de uma certa vulnerabilidade, se tornam alvos. 

“Defendo que não dá para ignorar que o cyberbullying e o bullying também ocorrem em razão de sentimentos de homofobia, racismo, misoginia, temas que precisam ser trabalhados nas escolas e na sociedade, em geral. Apenas dizer que é sem uma “motivação evidente” pode fazer com que essas situações fiquem encobertas”, explana. 

A nova lei também alterou o artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente é crime com pena de reclusão de quatro a oito anos e multa”.

“A Lei incorporou novas condutas, tipificando a transmissão, o auxílio ou facilitação à transmissão e a exibição, em tempo real, de cena de sexo explícito ou pornográfica com a participação de crianças ou adolescentes. Essa ampliação da Lei é muito importante, pois com as tecnologias da informação e da comunicação, a todo momento são criados novos aplicativos, o que exige atualização constante”, finaliza a advogada.

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