Envelhecimento versus aprendizagem e o trabalho dos professores

Para Guilherme Nogueira, doutor em Neurociência do Envelhecimento, o declínio das capacidades nem sempre está relacionado com a idade cronológica

imagem: AdobeStock

Guilherme Nogueira

Doutor em Neurociência do Envelhecimento (aspectos cognitivos e emocionais). Professor de Neurociência do Comportamento e da Aprendizagem. Pesquisador CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Coordenador do Grupo de Estudos dos Aspectos Neuroafetivos do Comportamento e da Aprendizagem – GEANCA. Vice coordenador do Grupo de Pesquisa “Tecnologias, Corporeidade e Cognição – Implicações na Aprendizagem e na Subjetivação Humana” – UFRGS. Membro do Grupo de Pesquisa “Envelhecimento e Saúde Mental” – GPESM/PUCRS.

Ao levantar essa controvérsia “envelhecimento versus aprendizagem e trabalho dos professores”, se faz necessário um aprofundamento maior acerca de cada aspecto, separadamente. Do ponto de vista científico, hoje é um equívoco a correlação direta entre envelhecimento e incapacidade. Da mesma forma, é um equívoco pensar que o cérebro perde a capacidade aprendente com o envelhecimento e que, o arcabouço de conhecimento adquirido nas fases anteriores é o único recurso que dispomos para as fases subsequentes. E quanto ao trabalho dos professores dentro dessa relação? Teríamos um limite cronológico ou biológico para encerrar nossa contribuição no campo da educação? A perda da eficiência, eficácia e efetividade do professor, em relação a sua contribuição na educação, estaria diretamente relacionada com o avançar da idade?

O declínio acentuado das capacidades, que configuram um perfil frágil e de alta dependência, comumente associado ao envelhecimento, não está absolutamente relacionado com a idade cronológica. Dados demonstram que alguns idosos com idade acima dos 80 anos, apresentam capacidade física e mental comparáveis aos níveis de muitos adultos jovens, sugerindo uma mudança nas percepções de envelhecimento e saúde.

Sendo o envelhecimento um processo inevitável, a qualidade do envelhecer e a longevidade passaram a ter maior atenção, o que levou ao surgimento do conceito de “Envelhecimento Bem-sucedido”. Esse conceito é utilizado para um envelhecimento calcado na satisfação com a vida, um prolongamento ao tempo médio de vida, preservação das capacidades funcionais e de autodomínio, além de engajamento com a vida ao longo do tempo – dar “Sentido” à vida. 

Nessa complexa “trama” de relações interdependentes e complementares que compõem nosso “tecido social” aparece a figura do professor. Uma figura que, numa primeira e simples “leitura”, traz na “bagagem” uma formação acadêmica que o prepara para transmitir ao outro seu domínio de conhecimento. Domínio esse, adquirido por meio de dedicados momentos de estudo ao longo de sua formação e que visa contribuir para o aumento do arcabouço informacional dos alunos – um importante alicerce para o desenvolvimento.

No entanto, a profissão de professor vai muito mais além e contribui de forma muito mais ampla para um desenvolvimento saudável, do ponto de vista individual e coletivo. O processo de aprendizagem é somente a primeira etapa de um complexo “arranjo” estrutural do comportamento humano e do funcionamento social. É por meio da aprendizagem que o cérebro amplia seu arcabouço de conhecimento, qualificando o comportamento aprendido. O professor, porém, é figura partícipe do desenvolvimento dos alunos contribuindo, potencialmente, no auxílio da estruturação de traços de personalidade, formação de padrões de comportamento e pensamentos, entre outros aspectos fundamentais para o alicerçamento da conduta social – o processo de Educação.       

Os avanços neurocientíficos demonstram ser o cérebro o centro do aprendizado, onde os estímulos provenientes do meio são captados pelos diferentes sistemas sensoriais, transformados em impulsos elétrico/químicos, os quais são processados em áreas específicas do cérebro, transformam as informações em conteúdos de linguagem, as armazenam para utilização imediata ou em tempo futuro e as transformam em refinados padrões motores – o comportamento. 

Esse complexo processo, envolve diferentes “cascatas” de eventos neurobiológicos e causam modificações estruturais e funcionais mais ou menos duradouras. Ao considerar os potenciais impactos modulatórios em nível neurobiológico, decorrentes do processo de aprendizagem e que, fundamentalmente, irão influenciar no funcionamento do cérebro, nas representações mentais e no comportamento, atentamos para o importante papel do professor/educador na modulação do cérebro – um verdadeiro “neurocirurgião”, com instrumentos diferentes.   

Do ponto de vista neurobiológico, o cérebro é uma estrutura programada para aprender. Alavancas motivacionais neurobiológicas nos impulsionam à busca de estímulos que se mostram recompensadores e à produção de respostas comportamentais, que permitam a atenuação e/ou eliminação de estímulos ameaçadores. 

O processo de aprendizagem não está calcado somente em aspectos cognitivos. É equivocado pensar que a aprendizagem é um processo puramente computacional. Estudos neurocientíficos atentam para a importância dos aspectos afetivo-emocionais e a Neurociência Afetiva demonstra que aspectos emocionais, considerados aspectos primários, alicerçam aspectos cognitivos mais complexos envolvidos nos processos de aprendizagem e no funcionamento social. 

Fundamentos neurocientíficos demonstram, também, que a qualidade dos processos afetivos impacta potencialmente na qualidade da aprendizagem e na estruturação do funcionamento social. Bons vínculos de afeto colocam o cérebro numa perspectiva mais pró-social, ampliando os domínios sociais calcados na confiança, cooperação, preocupação empática, busca de apoio social, entre outros. Além disso, a qualidade dos vínculos de afeto se mostram correlacionados com a capacidade de gerenciamento do “stress”, motivação por interesse, iniciativa e qualidade de muitos aspectos relacionados às funções executivas – um conjunto de funções que auxiliam na organização da conduta social, educando o aprendizado e gerindo o comportamento direcionado à metas.

Novos estudos mostram que líderes de alta performance, que se preocupam em aumentar o desempenho de seus liderados, voltam a atenção para melhor entender as bases biológicas da empatia. Essa busca faz sentido, pois as bases neurobiológicas da formação empática se entrelaçam com o desenvolvimento e aprimoramento do comportamento pró-social, da confiança, da formação de laços de afeto, da cooperação, da busca de apoio social, do comportamento moral entre outros.

Um professor dotado de competência técnica, relacionada com seu domínio de conhecimento, mas que agrega competências socioemocionais e pró-social, aumenta o potencial contributivo para o desenvolvimento dos educandos, pois estabelece relações interpessoais que favorecem a capacidade aprendente, o exercício de padrões de comportamento socialmente desejados para uma convivialidade harmônica e a busca de apoio social para o suprimento de necessidades por parte dos educados.        

Cabe reforçar, que a qualidade do processo de aprendizagem, decorrente da relação estabelecida no binômio professor/aluno, não está correlacionada com paridades ou disparidades cronológicas entre os envolvidos, nem somente se alicerça na competência informacional do professor. A qualidade do aprendizado requer competências que permitam ampliar o arcabouço informacional dos educandos, promover um alicerçamento afetivo/emocional saudável e contribuir na estruturação de padrões de comportamento que permitam uma convivialidade saudável.

De volta ao ponto inicial – envelhecimento versus aprendizagem e trabalho do professor –, ao mesmo tempo que marcadores cronológicos podem servir para medir o avanço na escala de envelhecimento e que, o envelhecimento se mostra como fator de risco para diversas alterações, o avançar da idade permite não só a ampliação do arcabouço de conhecimento, mas a qualificação desse conhecimento – a grande valia das experiências vivenciais. É sabido que, nessa “trama” de relações interdependentes e complementares que ocorre na interação cérebro/ambiente, o desenvolvimento é altamente influenciado pelo ambiente e se ancora nas experiências de vida. Ou seja, com o avançar da idade, o cérebro que melhor nos define é menos dependente da herança genética e muito mais influenciado pelas experiências vivenciais. 

Independentemente da idade cronológica, o histórico vivencial do professor, seu estilo de vida e o sentido que ele coloca na sua atividade profissional e na vida, são fatores determinantes para a qualidade de vida e para a qualidade de “entrega” dos processos relacionados com a atividade profissional. O cérebro não é uma estrutura imutável, a “neuroplasticidade” permite nos manter aprendentes por toda a vida, desencadeando recursos neurobiológicos que possibilitam através do pensar, aprender e agir, moldar parcialmente a anatomia cerebral e o comportamento.                  

Há um grande paradoxo a compreender. A formação de hábitos nos permite maior qualidade de resposta com menor custo energético e impacta, potencialmente, para uma tomada de decisão mais segura. Por outro lado, a “cristalização” dos hábitos, associada a baixa ou perda da capacidade de flexibilidade e adaptação para o novo, nos coloca numa posição de alta vulnerabilidade, dificultando o contínuo desenvolvimento e aumentando os riscos de estagnação producente e de aprendizado – prejuízos que se estendem para além do funcionamento social e podem impactar na própria saúde.

Sob esse prisma pode-se perceber, que as limitações relacionadas com a aprendizagem e a qualidade de desempenho na atividade profissional do professor, não estão calcadas somente no avanço da idade cronológica. O envelhecimento é um processo inexorável, porém estímulos que se colocam em consonância com as “leis” que regem a alavancas motivacionais e a neuroplasticidade, são capazes de modificar milhões e até mesmo bilhões de conexões neurais, impactando potencialmente no aprendizado e nas respostas comportamentais.  

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