Novas regras do EAD desafiam Ensino Superior

Instituições de ensino têm menos de dois anos para se adequarem a mudanças profundas na estrutura dos polos e nas modalidades dos cursos

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Gemini

Formalizado em maio deste ano, o novo marco regulatório do Ensino Superior provoca mudanças consideráveis na educação a distância (EAD), exigindo atenção dos gestores para fazer as adequações necessárias. O prazo para isso é maio de 2027, dois anos a partir da publicação do Decreto nº 12.456/2025

O novo regramento pode impactar profundamente a organização dos polos educacionais em todo o Brasil. Algumas exigências e limitações (veja mais sobre as mudanças, abaixo) estão levando as instituições a pegar a calculadora e pensar em novas estratégias de prospecção. A abertura de polos, de acordo com a portaria que regulamenta o decreto, tem novos limites, que levam em conta critérios como a organização acadêmica e o conceito institucional.

Novos Rumos

A adequação às novas regras tende a tornar os cursos mais caros, o que levará a movimentos intensos no tabuleiro das instituições de ensino superior no país. Os grandes grupos, com uma estrutura financeira pautada nos valores, com tíquete médio que se justifica apenas na entrega EAD, podem ter mais dificuldade para fechar a equação, principalmente por terem de investir em polos próprios em vez de contar com parceiros.

Quando esses players conseguirem se movimentar e alcançarem o modelo ideal, aí sim podem ganhar tração rapidamente. “Esses grupos terão um curso, lá na ponta, que hoje não têm. Estão se movimentando, vão ter de fazer contas, mas depois tendem a ir de forma rápida”, entende o reitor da Santa Cruz Centro Universitário, Dennys Robson Girardi.

Ao mesmo tempo, o EAD como conhecemos hoje pode estar deixando de ser um bom negócio. Com uma série de itens que entraram no marco, como o fato de não poder mais utilizar um polo compartilhado, perde-se atrativos. Era comum que um mesmo polo atendesse quatro ou cinco instituições ao mesmo tempo. Estes, agora, deverão decidir a qual instituição pertencem.

“Aqui a gente já tem uma movimentação de mercado. Alguns vão ter que pensar em um polo próprio, o que demanda investimento e uma estratégia local. A gente fala em 500 mil pessoas impactadas por essas mudanças, que não sabem como vão tocar seus polos”, alerta o especialista. 

Ele exemplifica citando, hipoteticamente, um polo que atendia a oito instituições e tinha um pouco de alunos em cada, mas terá de ficar com uma só. O desafio de captar novos alunos pode ser grande demais para esses negócios diminutos em relação a tudo que se precisa fazer. E o tempo está correndo: as definições precisam ser feitas até o fim do ano.

Entenda a diferença entre cada tipo de atividade prevista no marco regulatório:

- Presenciais: atividades de formação com a participação física do estudante junto ao docente no mesmo tempo e lugar.
- Assíncronas: atividades a distância em que o professor e o estudante não estão no mesmo espaço e tempo, como aulas gravadas.
- Síncronas: atividades em que o professor e o estudante estão ao mesmo tempo, mas não no mesmo lugar, como aulas online ao vivo. As atividades terão um número limite de 70 alunos por professor ou mediador pedagógico.
- Síncronas mediadas: atividades em que há um grupo menor de alunos com frequência controlada.

Regras pedem flexibilidade

Girardi resume, de forma prática, dizendo que tudo pode ser presencial, alguns cursos vão até o semipresencial e outros não podem ser EAD. “E ainda tem um diferencial, nesse novo marco, que antes tínhamos regras gerais nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação que impactavam todas as áreas. Agora, cada área tem a composição de sua diretriz curricular, poderá decidir seu formato”, ressalta. 

Assim, áreas como tecnologia da informação (TI) e administração podem ser EAD com 10% de atividades presenciais e outros 10% síncronas, por exemplo. Mas pode ser que na discussão da diretriz de ciências contábeis se entenda que deva prevalecer o presencial. Não há um modelo de resposta para todos os cursos.

“A indicação para o gestor é compor currículos em que o que é presencial não seja fixo em disciplinas, de modo que possa ter atividades mais integradas. E, no que é síncrono – exceto na formação de professores, que a diretriz é específica do percentual de presencial –, o ideal é pensar em flexibilização e integração de conteúdos para o presencial e o EAD”, sugere o reitor.

Além disso, ele recomenda que os gestores permaneçam atentos ao que ainda pode haver de derivação dessas novas normas, porque o processo não está concluído. Pequenos ajustes ainda estão acontecendo e podem aparecer mais especificidades ao longo da reconstrução de diretrizes curriculares.

Mesmo onde parece óbvio, há margem para novas reflexões. Entre os cursos da saúde, por exemplo, a demanda é pela presencialidade, mas cabe se questionar se vai ser sempre assim. “Há impossibilidade de se ter disciplina EAD em medicina, mas aí a gente avança para a telemedicina. Ao mesmo tempo em que se dá um passo no aspecto regulatório, a gente tem uma necessidade do mundo do trabalho que joga para outro caminho. Qualquer coisa que se vá a ferro e fogo pode ser perigosa”, alerta Girardi.



Confira as regras definidas para cursos específicos:

- Cursos das áreas de Educação e Ciências Naturais, Matemática e Estatística: 50% a distância, 30% presencial e 20% de atividades presenciais ou síncronas mediadas, abrindo margem para que 70% da carga horária seja ofertada a distância.
- Cursos das áreas de Engenharia, Saúde e Bem-Estar e Agricultura, Silvicultura, Pesca e Veterinária: 40% a distância, 40% presencial e 20% de atividades presenciais ou síncronas mediadas.
- Cursos de Licenciatura e Pedagogia: 50% de carga horária presencial e 50% a distância. Porém, em função da mudança do marco regulatório, é possível que as Diretrizes Curriculares de 2024, que pautam a regra, sejam atualizadas.
- Outros cursos de bacharelado e tecnológo na área de Educação semipresenciais: seguem a regra do decreto, que estabelece 50% a distância, 30% presencial e 20% de atividades presenciais ou síncronas mediadas.

Investimento na formação de professores

O número de matrículas em cursos de licenciatura EAD disparou nos últimos anos. Segundo o Anuário da Educação Básica Brasileira 2025, 37% dos estudantes em 2014 eram dessa modalidade – no ano passado, o índice praticamente dobrou, indo para 70%. A estatística foi puxada justamente pela rede privada, que passou de 440 mil para 1 milhão de matrículas.

O relatório, elaborado pelo Todos Pela Educação, Fundação Santillana e Editora Moderna, com dados do Censo da Educação Superior 2024, também mostra um salto entre os egressos. Dos estudantes formados em 2014, 34% vinham do EAD, chegando a 66% no ano passado. 

No sentido contrário, além da relativa porcentagem, o número absoluto de matriculados em cursos presenciais despencou. De 911 mil matrículas em 2014, correspondendo a 63% do total, o levantamento de 2024 apontou 525 mil(31%).

Diante desse panorama, o  diretor de Ensino Superior do Instituto Ivoti, Jorge Feldens, acredita que o tão falado apagão de professores já é realidade. “A falta de milhares de professores é um dado absolutamente quantitativo, numérico. Hoje nós até encontramos professores no mercado, mas mais da metade vão para uma escola sem nunca terem pisado em sala de aula. Qualitativamente, o apagão já está acontecendo”, aponta. Por isso, defende alto investimento em formação continuada de professores, especialmente por parte de escolas privadas. 

Além disso, o apagão numérico também deve chegar antes do esperado. Instituições que conseguiram crescer graças ao digital, muitas delas comunitárias, sem fins lucrativos, somam milhares de alunos. Os que já estão matriculados têm o direito de concluir, mas, depois disso, essas faculdades terão muita dificuldade para abandonar o EAD e continuarem sustentáveis. “Essas preocupam porque, mesmo tendo migrado para o EAD, foram para produtos diferenciados, um pouco melhores. Atendiam razoavelmente bem, mas receio que desistam das licenciaturas”, lamenta Feldens.

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No caso do Instituto Ivoti, que nunca migrou para o ensino a distância, praticamente não haverá impacto por parte do novo marco regulatório. Feldens faz uma diferenciação ao olhar para o cenário macro, que entristece e preocupa, e o micro, onde celebra a valorização da presencialidade por entender que é um diferencial gigantesco para garantir a formação de bons professores. Nesse contexto, a instituição tem até ganhado alunos: nos últimos dois anos, saltou de 143 para 210 matriculados, um acréscimo de quase 50%. A projeção é chegar a 250 no próximo semestre.

Voltando ao cenário macro, é importante dizer que há uma luz no fim do túnel – mas exige esforço conjunto. A boa notícia é que ele já deu os primeiros sinais. As licenciaturas têm vivido um período interessante de incentivo ao público jovem. Programas como Professor do Amanhã, do governo gaúcho, e Mais Professores, da União, oferecem formação com bolsas de estudos. Feldens sente falta de alguma iniciativa parecida no setor privado, pois acredita nesse estímulo para que mais estudantes optem pela carreira docente, sendo este um próximo passo.

Mudanças

O documento traz algumas definições que já eram praticadas, mas careciam de um regramento jurídico. Uma delas diz respeito ao semipresencial, que já era visto em algumas instituições, mas não era previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Na prática, a falta de clareza levava a uma variedade de cursos com formatos quase inexatos.

O novo marco resolve uma série de questões que eram praticadas pelas instituições e que tinha insegurança jurídica para elas próprias, sem saber se determinado curso era presencial ou EAD. Muitas ofereciam o chamado híbrido: ora tinha curso presencial com 40% da grade a distância, ora um curso considerado EAD com 30% da carga horária presencial. O pessoal ficava no meio do caminho”, analisa Girardi, que atua desde 2008 em processos de regulação e na área de direito educacional.

Na opinião de Girardi, a legislação reorganiza e define bem como se assenta o presencial, com o máximo de 30% EAD. A modalidade semipresencial com flexibilidade entre presencial, síncrono e assíncrono; e o EAD propriamente dito, que também tem novidades. A partir de 2026, os cursos a distância terão exigência de pelo menos 20% de atividades presenciais – na própria instituição, em campus externo ou síncronas.

Feldens também não vê grandes novidades no novo marco regulatório. Segundo ele, tudo é resultado de uma série de discussões que vinham acontecendo ao longo dos anos, além de sinalizações do próprio Ministério da Educação (MEC) de que algo grande aconteceria. “Ao falar desse novo marco, a gente tem que entender que é um conjunto de novas regras para reorganizar o EAD no Brasil, focando especificamente no que diz respeito a qualidade e estrutura dos cursos”, entende.

Além do rearranjo das modalidades conforme a carga horária presencial e remota, alterações importantes dizem respeito a cursos específicos. O texto deixa ainda mais clara a proibição de cursos de medicina a distância, assim como os de direito. 

“De um lado, havia instituições querendo oferecer, até mesmo fazendo processo de autorização, mas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) era extremamente crítica e avessa. Agora isso fica determinado”, lembra Feldens. Outros cursos da área da saúde, como odontologia, enfermagem e psicologia, que tinham cursos EAD, não têm mais essa possibilidade. O mesmo ocorre com todas as licenciaturas.


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