O que a escola pode aprender com os grupos de pais no WhatsApp

Buscar uma relação de confiança com as famílias e criar espaços de diálogo permanente podem minimizar conflitos e ruídos de comunicação que possam surgir por esse canal

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

Existem ambientes onde a escola vai marcar presença de qualquer maneira, seja por criar um canal oficial de interlocução com sua comunidade, seja pelo simples fato de ter sido o elo entre as pessoas que lá estão. Os aplicativos de conversa, como WhatsApp e Telegram, são os principais exemplos: grupos de pais de alunos são utilizados para facilitar a comunicação, mas podem funcionar como ponto de partida para ruídos de comunicação e desentendimentos entre o grupo e a escola, ou mesmo entre eles.

Já que não é possível evitar ou controlar esses ambientes, é fundamental que as escolas fiquem atentas e sejam proativas no processo de comunicação, minimizando a chance de que o pior aconteça. Quando não for possível, lance mão da estratégia mais adequada para minimizar os danos.

“Eu me deparo pelo menos uma vez por semana com situações sensíveis ou estremecimentos relacionais entre escola e comunidade educativa por conta de narrativas que vão se formando no WhatsApp”, revela a professora decana da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da PUCRS, Rosângela Florczak.

Ela elenca três pontos que precisam ser observados para aumentar as chances de sucesso na interlocução com os pais e alunos. O primeiro é manter um olhar apurado e abrangente para compreender o uso dos comunicadores instantâneos, que nada mais são do que a midiatização do bom e velho “boca a boca”. Ou seja: eles falam pelos aplicativos o que já costumavam falar no café, no parque, no clube ou ao buscarem os filhos na própria escola.

O segundo ponto é estabelecer uma comunicação baseada na relação de confiança entre pais e escola. Afinal, o motivo para eles buscarem informação com seus pares é a sensação de não haver hierarquia no grupo. “A escola se coloca em um lugar hierárquico. Aqui tem uma pista interessante, que é horizontalizar os diálogos, conversar com as famílias com mais frequência e simplicidade”, pontua Florczak. Em vez disso, muitas escolas continuam fazendo reuniões em que, segundo ela, os últimos 10 minutos são reservados para que os pais falem, enquanto todo o restante é ocupado pela própria escola, em uma espécie de monólogo. Enquanto isso, nos mensageiros instantâneos os pais falam e a escola, não. 

O terceiro cuidado é aprender a gerar informações formatadas para circular no WhatsApp – ou similares. Isso faz com que a mensagem seja rapidamente compreendida e logo se espalhe, se for o caso. Florczak cita o caso de uma universidade que, para conter uma crise, emitiu um comunicado de quatro linhas pelo aplicativo e em poucas horas a manifestação já repercutiu na imprensa – sem precisar de nota oficial. Portanto, tudo que a escola gera de informação institucional, especialmente o que vai render polêmica, tem que ter uma versão WhatsApp.

Elo entre escola e família

O mesmo aplicativo que serve para comentar os assuntos da comunidade escolar sem que a instituição possa participar, também pode ser utilizado para aproximar gestores e educadores das famílias. A professora de Educação Midiática e Digital em colégios particulares de São Paulo, Tatiana Luz-Carvalho, descobriu, durante as pesquisas do mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), que até a pandemia muitas famílias sequer tinham ideia do que os filhos faziam na educação infantil da escola.

“Quando tiveram contato com o que a escola mandava para casa é que foram entendendo. Esses recursos aproximam bastante as famílias da escola e, agora que a gente vive um período de retorno ao presencial, como queremos continuar?”, questiona Tatiana. Não existe uma receita para decidir que recursos continuarão sendo utilizados pelas escolas. A escolha deve ser feita com base nas particularidades de cada comunidade, mas uma coisa é certa: os canais oficiais precisam ser definidos e organizados.

O importante é que a escola crie espaço de diálogo com as famílias. Ela pode se dar tanto nas redes quanto presencialmente. A oportunidade está no senso de comunidade. “Como a gente vai cuidar da escola, envolver as famílias, pensar em um festejo, pensar nos assuntos voltados aos estudantes, no andamento pedagógico”, ilustra Tatiana. 

Mantendo contato

Depois de entender como o público está se comunicando e definir os canais de relacionamento, o passo seguinte é identificar uma rede de embaixadores, que tem funcionado bem para diversas escolas. Pode ser entre professores ou em um grupo de notícias e informações, onde vão circular em primeira mão as coisas que a escola precisa que estejam presentes nos diálogos informais.

Outro fator que pode ser determinante é, além de horizontalizar, simplificar a comunicação. Quanto menos pomposa e mais fluida ela for, melhor. Florczak define como “frequente, simples e redundante” porque sempre que uma informação for importante, deve sair em vários formatos, alcançando todo mundo.

“As famílias estão querendo e precisando falar. Há anos se discute a necessidade de um diálogo mais fluido. Agora meio que se impôs e as escolas estão tendo boas experiências. O importante é manter o lugar de adulto da relação, não brigar com quem está batendo boca. Manter seu lugar de espaço tranquilo, com serenidade, deixa o WhatsApp fervilhar. É a segurança que a escola passa que vai desmontar os boatos”, sustenta Florczak.

Mensageiros podem ser vilões também dentro da escola

Existem regras e até mesmo uma etiqueta para utilizar os mensageiros instantâneos. Afinal de contas, ele está sempre na palma da mão e é um ambiente digital íntimo da pessoa. Por isso, é fundamental que a escola ensine aos alunos como usar da melhor forma. Falar sobre questões do cotidiano pode ser até divertido em sala de aula – e pode ser aproveitado para inserir lições sobre tipos de conteúdos compartilhados, checagem de informações e riscos de espalhar determinados teores de mensagem.

“A mentira, a fofoca e a notícia falsa sempre existiram. Mas as redes amplificam esse tipo de comportamento”, ressalta Tatiana Luz-Carvalho. “Isso é absolutamente importante ser trabalhado com os estudantes, trazendo a educação midiática como transversal ao conteúdo. Falar sobre o impacto de ação que tenho no digital para minha comunidade, amigos, família. Muitas vezes não se tem essa noção. Não é culpa da escola, mas ela tem responsabilidade educativa”, defende.

O professor é outro agente importante nesse processo – e a escola também está sujeita às regras de etiqueta. Segundo as pesquisas de Tatiana, os docentes se sentem estimulados a utilizar as novas tecnologias e estratégias de comunicação, mas também apresentam esgotamento, ansiedade e estresse. Isso porque o WhatsApp mistura a vida privada com a pública. Detalhes como a foto de perfil precisam ser pensados de forma que não interfiram na imagem do profissional, mesmo que esteja em período de descanso.

Uma saída é a escola centralizar o contato das famílias em um número de WhatsApp reservado para esse fim. A comunicação das famílias com os professores fica restrita ao e-mail. “Opta-se por usar o recurso porque é fácil. Mas em detrimento do quê? Da saúde dos profissionais?”, reflete Tatiana.

Solução concentrada

Quando a crise não pode ser evitada, o erro mais comum é combatê-la pulverizando informação. Se o problema for com uma turma específica, a mediação deve ser direcionada àquele grupo. Um comunicado para toda a escola, ou aberto em uma rede social, provavelmente fará a situação tomar um vulto ainda maior.

Para completar, o ideal é que os gestores chamem as famílias para uma conversa presencial, tirando o problema do ambiente onde surgiu. Sendo inviável, pode ser feita por WhatsApp, mas o ideal é o tradicional olho no olho.

Com tantas formas de se comunicar à disposição da escola e das famílias, o maior erro é sempre deixar de falar e ouvir. Um bom exemplo é apresentado por Florczak: um diretor que reserva um horário semanal para receber famílias interessadas em conversar. Basta agendar e ir até a escola.

Caso não seja possível implementar esse tipo de dinâmica, ou mesmo para alcançar todas as famílias, o WhatsApp é, sim, uma boa ferramenta. Passado o período de isolamento da pandemia, descobriu-se que os pais sempre estiveram disponíveis para usar a ferramenta – quem aprendeu que ela é útil, na verdade, foram justamente as escolas. Bom para todo mundo.

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