Os impactos da lei sobre o uso de celulares no ambiente escolar
Ainda sem prazo estabelecido para sua adaptação, nova lei traz desafios e um trabalho de conscientização da comunidade escolar
Já está em vigor: os celulares em sala de aula deverão ser desligados, exceto em circunstâncias específicas, trazendo um impacto direto na dinâmica educacional. Sem vetos, a Lei nº 15.100/2025 foi sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia ocorrida no dia 13 de janeiro, no Palácio do Planalto.
Em linhas gerais, os estudantes que cursam até o quinto ano do Ensino Fundamental 1 serão proibidos de usar o aparelho. Já os alunos do sexto ano do Ensino Fundamental 2 e do Ensino Médio poderão utilizá-lo somente para fins pedagógicos (com orientação do professor). Também é tolerada a tecnologia para garantir acessibilidade aos jovens com deficiência ou em casos de violência no entorno da unidade de ensino.
Este movimento da proibição uso de celulares no ambiente escolar tem relação, entre outros pontos, com uma fobia que, cada vez mais, está presente na sociedade: a nomofobia. Esta perturbação, que é o medo de estar sem celular, pode causar ansiedade, depressão e isolamento, além de problemas físicos, como dores de cabeça. Para ter uma dimensão, o uso do celular é considerado um vício similar ao uso de drogas ilícitas, pois ativa o sistema de recompensa do cérebro.
A grande dúvida sobre a lei é o prazo determinado para que as escolas se moldem a ela. O presidente do SINEPE/RS, Oswaldo Dalpiaz, destaca que é preciso aguardar as orientações do Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS), responsáveis por fornecer as diretrizes adicionais para auxiliar as instituições de ensino na adequação às novas regras.
Dalpiaz relata que muitas escolas do sistema privado já fizeram ou estão fazendo esta mobilização sobre a utilização do celular em sala de aula. “Grande parte deste trabalho é realizado para a conscientização do uso, muito mais do que olhar a proibição”, comenta.
Para ele, o resultado obtido até agora, mostra que, quando os pais e os alunos são envolvidos no processo, existe uma adesão significativa, sendo o melhor caminho a ser seguido. Ou seja, o proibir por proibir não é educativo.
Na sua visão, o essencial é alterar o modo de uso de celulares no ambiente escolar. “O caminho mais seguro e mais consistente é o convencimento, o diálogo, a persistência de mostrar as vantagens humanas que o bom uso pode construir. Existem valores, modos de viver e se relacionar que necessitam ser redescobertos. Talvez este seja um bom momento para isto”, sugere.
No entendimento da coordenadora do curso de Pedagogia da Faculdade da Associação Brasiliense de Educação (FABE), Raquel Ferlin, diante desta lei, é preciso muito cuidado para que não haja uma perda de conhecimento por não usar as tecnologias. “Hoje em dia, existem muitos recursos, por isso acredito que devemos preparar os alunos e conscientizá-los”, aponta.
Em pensamento semelhante, a diretora do Colégio Santa Inês e integrante da diretoria do SINEPE/RS, Ir. Celassi Dalpiaz, em um artigo publicado no portal Educação em Pauta, destaca que: “de nada serve demonizar a tecnologia sem entendermos o compromisso parental de oferecer às crianças e jovens o nosso olhar adulto, regulando-os no uso e nas escolhas e oferecendo-lhes outras possibilidades de trocas.”
Raquel também apoia o diálogo como algo essencial e, para isso, sugere que seja realizado de maneira clara, franca e assertiva, bem como as regras podem ser inseridas durante a reunião de pais. “Pode comentar sobre a lei e pedir o apoio deles em relação a isso. Até porque não adianta a escola segurar o aparelho na entrada e entregar nos 15 minutos finais, sendo que nas outras 20 horas do dia o estudante ficou mexendo nele”, constata.
Por ser também coordenadora pedagógica do Fundamental 2 e Ensino Médio do Colégio Gabriel Taborin e vivenciar o dia a dia do ambiente escolar, ela sugere que a integração das normas seja de maneira simples. “Por exemplo, em nossa escola reunimos os alunos do quinto, sexto e sétimo anos em um auditório. Montamos uma apresentação em que falamos diversos assuntos, como as regras do uniforme ou as novidades do colégio”, diz.
Outra ação que deve ser focada é inserir o que está previsto e quais sanções previstas no regimento da escola. “Antes de penalizar o aluno, primeiramente, é necessário conversar com ele e, depois, avisar seus pais. É preciso criar uma flexibilização. Muita rigidez não contribuirá no comportamento dos jovens”, pondera.
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Nível de preparação das escolas
Pelo Rio Grande do Sul, as escolas apresentaram estágios diferentes quanto à adaptação da lei. Em comum, nota-se que os efeitos da pandemia, com as aulas online, trouxe uma maior dependência das tecnologias, entre elas, os celulares.
Outra percepção é de que, a partir da volta do presencial no pós-covid-19, o apego ao aparelho ficou mais intensificado. As instituições de ensino entrevistadas têm registrado usos inapropriados dos estudantes, o que vem prejudicando seus aprendizados. Também foi reparado uma maior frequência de contatos entre pais e estudantes via celular durante o período em que estão em ambiente escolar, contribuindo para tirar a atenção dos jovens.
A diretora pedagógica do Colégio Sagrado Coração Jesus, de Arroio do Tigre, Bruna de Almeida Flores, relata que é perceptível estes impactos. Situações simples como o aluno esquecer um livro dentro do carro, anteriormente, acontecia de ir até a secretaria da escola, que, por sua vez, comunicava os pais. “Atualmente, muitos alunos enviam um WhatsApp direto para a mãe ou o pai e, um deles, traz o material esquecido. Quando percebemos a presença deles na escola, nem sabemos do que se trata”, registra.
Outro impacto é a qualidade de sono dos estudantes. Em muitos casos, é visível o cansaço de alguns estudantes que, por virarem a noite jogando ou conversando com amigos nas redes sociais, demonstram pouca disposição para aprender no dia seguinte.
Percebendo isso, no ano passado, o colégio iniciou as iniciativas para restringir o uso do celular. “Até porque houve uma recomendação do SINEPE/RS de que precisaria no futuro ter regras estabelecidas”, salienta Bruna.
Mesmo não tendo um protocolo formalizado, o Sagrado Coração Jesus divulgou para estudantes e familiares a determinação em que, no início das aulas, os telefones devem ficar em uma mesa na entrada da sala. No entanto, esse protocolo liberava o uso no intervalo.
Como foi algo experimental, Bruna comenta que, em 2025, durante a formação pedagógica dos professores, a lei será trazida de maneira mais detalhada, além de agregar outras informações. O intuito é ajudar os educadores a saber lidar como intervir, caso aconteça um ato de desrespeito. “Traremos uma psicóloga que fará uma explanação sobre esse uso indevido de telas e a nomofobia, até porque acreditamos que essa restrição pode causar muita ansiedade”, registra.
Com relação aos pais, o colégio irá muni-los de conhecimentos tanto da lei como da fobia, sendo realizado no período de férias escolares. “Os adolescentes, principalmente, ficam excessivamente em telas. Com a nova determinação, ao voltarem para a escola, desde o primeiro dia, o uso do celular vai cair muito. Por isso, estimulamos que esse hábito já seja diminuído aos poucos, antes de começar as aulas”, conta.
Já em Santa Maria, no Colégio Pallotti – Antônio Alves Ramos, antes de o ano letivo iniciar, a semana pedagógica será a ocasião para realizar trocas com os professores. Para os pais, será enviado um informativo com as principais orientações. Neste conteúdo, constará a importância de não trazer o aparelho, bem como o quanto estas iniciativas colaboraram na concentração dos alunos e em suas interações sociais.
No primeiro dia de aula, a vice-diretora do colégio, Geonice Zago Tonini Hauschildt, informa que haverá momentos de conversa com os familiares sobre a lei e as medidas que deverão ser tomadas. Também ocorrerão visitas às salas de aula com a equipe de psicologia escolar para instruir os estudantes. “Queremos torná-los partícipes dessas questões. Eles precisam compreender e também se perceberem, assim acreditamos que o engajamento será muito maior”, pontua.
Em 2022, o Colégio Pallotti – Antônio Alves Ramos contou com um grave fato em que um aluno apresentou um excessivo vício nas telas. Geonice lembra de um adolescente, que estava do sétimo ano, que teve que ficar cerca de 20 dias afastado, pois demonstrou fortes crises de ansiedade. Na oportunidade, ele contou com o auxílio da equipe da escola e, externamente, de um psiquiatra. O aluno conseguiu regressar às aulas e passar de ano, mas, por opção da família, não continuou no colégio.
No Colégio Rosário, em Porto Alegre, os estudos sobre a limitação do uso de celulares foram iniciados no ano passado. De acordo com a vice-diretora educacional, Vivian Bitello Monteiro, a instituição de ensino buscou conhecimentos de diversas formas, inclusive por meio de livros e artigos científicos relacionados ao tema.
Também promoveu um diálogo com os estudantes, entre novembro e dezembro de 2024. Na ocasião, a direção fez reuniões com líderes estudantis, que expuseram o que sentiram em relação às limitações do uso do celular. O que se constatou é que mais de 90% dos grupos aceitaram esta iniciativa. “Precisávamos entender como eram as perspectivas de um adolescente frente aos processos que adotamos. Posso dizer que foram diálogos muito interessantes e reflexivos”, complementa.
A partir destas informações apuradas, a equipe do Rosário pretende, em 2025, promover conversas com as famílias. Segundo Vivian, a grande maioria dos pais concorda em retirar o aparelho dos filhos no ambiente escolar. “Os próprios adolescentes nos disseram para ajudá-los. Notamos que alguns não tinham boas notas ou bom rendimento. Isso porque só queriam saber de jogo, pois, em casa, não tinham hábitos de estudo”, relata.
Para facilitar o entendimento, o Rosário emitirá uma circular oficial em que refere que, durante o ano, exigirá de toda a comunidade escolar uma nova adaptação. Vivian ressalta que haverá muito cuidado nestas definições, pois a instituição de ensino está ciente do quão os jovens são dependentes dos aparelhos. “Queremos educar com autoridade e amor, sendo que os líderes estudantis têm multiplicado as nossas falas. Isso foi algo muito positivo”, registra.
Expectativas das escolas para 2025
A diretora pedagógica do Colégio Sagrado Coração Jesus está na expectativa quanto ao recreio, que vai requerer mais atividades extras aos jovens. Ela relata que, gradativamente, a escola vai reduzir o uso do celular no intervalo. E, para entreter os estudantes, um dos recursos será o ginásio, onde poderão realizar práticas esportivas como vôlei e futebol de salão.
Aliado a isso, os monitores de recreio estarão mais ativos, promovendo, para os mais pequenos, brincadeiras históricas como batata quente, roda-cutia, telefone sem fio e elefante colorido. Para os mais velhos, os jogos de mesa, como xadrez, dama, dominó, Pega Varetas e Torre Desafio.
Na sua compreensão, a limitação do uso do celular necessita essencialmente de uma mudança de hábitos. “Reparamos muitos prejuízos de aprendizagem e comportamental. Acreditamos que os estudantes tenham um grande progresso com essa redução do uso de telas”, avalia.
Segundo informa a vice-diretora do Colégio Antônio Alves Ramos, tanto na Educação Infantil como nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é comum as crianças brincarem no pátio. Sendo assim, a restrição não deve trazer dificuldades de adaptação.
Porém, os estudantes mais velhos devem demonstrar mais empecilhos. Já houve registros de professores solicitando que os alunos do sexto ano ao nono ano do Fundamental guardassem os aparelhos, sendo demonstradas resistências a isso. Para o Ensino Médio, o recreio deve ser um desafio, pois o hábito de mexer no aparelho se acentua. “Eles vão ter que conversar mais no intervalo e essa será nossa batalha”, salienta.
Por fim, a vice-diretora educacional do Colégio Rosário acredita que o início não será tão fácil, deve haver resistências. Para ela, será preciso resgatar a educação de trocas, ou seja, um maior diálogo entre os alunos, bem como as suas relações com os professores.
Observando este cenário, Vivian está otimista. Ela enxerga que deve acontecer uma melhoria na aprendizagem e na convivência. “Acreditamos que será saudável para as relações interpessoais. O estudante precisa vir para a escola para aprender e conviver”, pontua.
Lições de outras nações
Para a elaboração do texto que foi para o Congresso, o autor da lei, o deputado gaúcho Alceu Moreira, consultou institutos e especialistas da área, bem como casos de países que adotam algum tipo de restrição. Em especial, foram avaliados Canadá, Finlândia e Suíça.
Em relação ao Canadá, do que tem de registros mais recentes, houve diversas reações entre os membros da comunidade escolar. Em matéria do New York Post é relatado que, na cidade de Manitoba, alguns estudantes manifestaram apoio à medida, destacando que os celulares frequentemente causam distrações e podem contribuir para o cyberbullying, tornando a escola um ambiente mais acolhedor e confortável para o aprendizado.
No entanto, alguns professores expressaram desafios na implementação de tais políticas, mencionando dificuldades em fiscalizar o uso de celulares e a falta de recursos tecnológicos alternativos fornecidos pelas escolas.
Na Finlândia, no município de Riihimäki, as escolas retornaram ao uso de livros e materiais impressos. Isso aconteceu após quase uma década de integração de laptops e dispositivos digitais no ensino.
Em matéria da Reuters, educadores relataram que os alunos regularmente se distraem com jogos e redes sociais durante as aulas digitais. Com a reintrodução dos materiais impressos, os estudantes notaram uma melhora na concentração e na velocidade de leitura.
Já na Suíça, professores relatam uma melhora na concentração dos alunos e um ambiente de aprendizagem mais produtivo desde a implementação da proibição, de acordo com a apuração divulgada no G1. Além disso, as escolas têm promovido atividades que incentivam a interação face a face e o desenvolvimento de habilidades sociais, compensando a ausência dos dispositivos móveis.
Os pais, por sua vez, têm apoiado as medidas. Eles reconhecem que estas ações trazem benefícios para o desenvolvimento acadêmico e social de seus filhos.
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