Para onde vai o ensino técnico

Análise dos dados levantados pelo Censo Escolar da Educação Básica aponta tendências e mostra perfil dos cursos e alunos – mais de 10% têm acima de 40 anos. Nossa reportagem conversou com Carlos Milioli, integrante da diretoria do Sinepe/RS e especialista na área

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

O ensino técnico é uma alternativa interessante para lançar, com agilidade, profissionais capacitados no mercado de trabalho. Também se presta a qualificar aqueles que já estão na ativa – daí a grande quantidade de matrículas em cursos subsequentes, quando o aluno já concluiu o Ensino Médio. Este e outros números ajudam a entender como estão situados os cursos e como aproveitar as oportunidades que eles representam.

O primeiro ponto é diferenciar os tipos de matrícula, para que se possa analisar algumas tendências. 

No Rio Grande do Sul, a maioria dos alunos da rede privada frequenta as modalidades concomitante (49%) ou subsequente (46%). Das mais de 48 mil matrículas, 23,7 mil estão na primeira e 22,3 mil na segunda. A rede pública, por outro lado, concentra maior número de alunos no modelo integrado.

“São números normais e esperados”, comenta o diretor administrativo da Escola Técnica Cristo Redentor, Carlos Milioli, que é integrante da direção do Sinepe/RS. “A oferta de Ensino Médio Integrado na rede pública é maior do que na privada, e também porque na rede privada a faixa etária é um pouco mais alta, são alunos que já concluíram o Ensino Médio e buscam a matrícula subsequente”, completa.

Ainda que muitas instituições privadas ofereçam cursos técnicos e o ensino regular na mesma escola, o fazem de forma concomitante e não integrada. Isso faz com que os cursos andem em paralelo e gerem duas matrículas, em vez de uma. Mas este cenário também pode ter uma mudança em breve, com a chegada dos itinerários formativos.

Previstos no Novo Ensino Médio, os itinerários formativos dão mais liberdade para que o aluno escolha um caminho para os estudos. Dentro dessa perspectiva está contemplada a possibilidade de oferecer o ensino técnico como um quinto itinerário – somando-se a Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Ainda não se tem uma confirmação, mas, muito provavelmente, as escolas privadas que optarem pela oferta desse quinto itinerário poderão enquadrar as matrículas como de Ensino Técnico Integrado. “Deve gerar um incremento nas matrículas com o integrado. Isso é o que mais representativo ocorrerá no segmento nos próximos anos. Muitas escolas, principalmente estaduais, oferecerão este quinto itinerário”, destaca Milioli. 

O especialista pondera que ainda não há um levantamento sobre os projetos que estão sendo traçados pela rede privada, mas acredita que pode aumentar o número de cursos integrados.

Número total de matrículas

Tirando dois anos de exceção, a rede pública manteve crescimento constante entre 2011 e 2020. Enquanto isso, a curva de matrículas na rede privada foi instável, alternando subidas e descidas com mais frequência. Essa diferença se explica, em parte, pela existência do Pronatec, programa nacional que impulsionou o setor.

Houve um pico nos anos de 2014 e 2015, ano em que o Estado alcançou o maior número de matrículas da história: 132,1 mil. Na rede privada, naquele ano, foram mais de 60 mil matrículas. De lá para cá, o número caiu em função do fim do programa, mas se manteve em uma faixa que variou entre 47 mil e 52 mil alunos.

Carlos Milioli ressalta que o número de matrículas teve esse grande incremento e depois reduziu a partir de 2016, mas se manteve em um patamar superior ao que existia antes do Pronatec. “Isso mostra para a sociedade o valor do investimento do Governo Federal em programas assim, para o desenvolvimento do país”, defende.

Segundo ele, é uma premissa que qualquer mercado desenvolvido necessita de pessoas qualificadas para atender à demanda por novos profissionais e, a partir do momento em que um determinado programa estimula essa formação em nível técnico, acaba sendo bem recebido. A qualificação técnica, especialmente quando alinhada com as carências dos setores de produção e o olhar atento às futuras necessidades da sociedade, responde de forma ágil para o desenvolvimento.

Conhecendo o aluno

Nem mesmo o Censo Escolar é capaz de desenhar um perfil específico do aluno de ensino técnico. Isso porque varia muito de acordo com cada instituição, curso ou região. Começa pela faixa etária, que compreende de adolescentes a idosos, e vai até o perfil socioeconômico, passando por área de formação, objetivos e grau de instrução.

“Qualquer estimativa de perfil seria um exercício de futurologia. Cada escola tem uma realidade, então o ponto de partida para qualquer instituição é o mapeamento e, a partir daí, atuar com foco nos pontos específicos”, defende Milioli.

Os cursos que são tendência também ajudam a ditar as características comuns a um maior grupo de alunos. O público feminino, por exemplo, tem se mostrado maior (em torno de 60% na rede privada), mas isso se explica pela evidência dos cursos da saúde. Ainda assim, a faixa etária é bastante ampla. “As escolas primeiro precisam pesquisar qual é o público que está se matriculando, comprando o curso, porque na educação profissional temos uma faixa etária muito grande”, alerta Milioli. 

Ele lembra que, segundo o Censo de 2020, na rede privada, mais de 10% dos alunos têm mais de 40 anos, mesma quantidade dos que têm até 18 anos. “São grupos importantes, que nenhuma escola pode desprezar. Deve ser feito um trabalho pedagógico, com técnicas didáticas que atendam, em sala de aula e na modalidade virtual, tanto o de 18 quanto o de 40”, sustenta. 

Cursos em alta

A área com mais matrículas em 2020, na rede privada do Rio Grande do Sul, foi Ambiente e Saúde (44%), seguida por Gestão e Negócios (26%). A rede pública foi liderada por esta última, acompanhada de Controle e Processos Industriais. 

Saúde é a área com mais demanda no mercado e, ao mesmo tempo, quase não é ofertada pela rede pública. Por isso, configura uma boa oportunidade ao setor privado. Enquanto isso, o setor tecnológico tem grande demanda e também oferta, tanto pública quanto privada. Ainda assim, as empresas e entidades relatam carência de mão de obra o tempo todo, o que também aponta para uma oportunidade de expansão na oferta de vagas.

“Saúde deve se manter, especialmente no Rio Grande do Sul, porque é uma característica do nosso Estado. Temos a faixa etária média mais alta da federação e um percentual maior de população idosa. É sabido que esse grupo acaba contratando mais serviços médicos, hospitalares, laboratoriais, o que acaba proporcionando maior empregabilidade. Já é forte, notadamente conhecido pela excelência em serviços médicos”, analisa Milioli.

O dever de casa das instituições

Se as escolas técnicas querem manter o patamar de matrículas superior ao que era verificado antes do Pronatec, por exemplo, devem mostrar que a formação profissionalizante de nível médio também é uma boa opção para a carreira, assim como a graduação. Tudo varia conforme a disponibilidade de tempo, recursos ou mesmo da necessidade de ingressar rapidamente (ou não) no mercado de trabalho.

“Não tenho dúvida que durante muito tempo, para os alunos que estavam concluindo o Ensino Médio, a única alternativa que mostrávamos era o Superior. Continua sendo válido e necessário, mas há mais uma opção, que é mais econômica, mais rápida e com altíssima empregabilidade nos dias de hoje”, reflete Milioli. 

O apelo pode estar nas áreas mais evidentes comentadas acima e em todo perfil de aluno – até mesmo naqueles que já concluíram a graduação. Não é raro ver estudantes de arquitetura ou engenharia civil cursando técnico em edificações; estudante de análise de sistemas frequentando o técnico em informática; o bacharel em enfermagem nas aulas de um curso técnico complementar da área da saúde. “Nosso papel é mostrar para o estudante que existe essa alternativa, não é demérito nenhum. Antigamente talvez houvesse um preconceito, que hoje está desaparecendo graças às oportunidades oferecidas pelo mercado”, conclui Milioli.

A meta traçada no Plano Nacional de Educação, em 2014, era de triplicar as matrículas da educação profissional em uma década. “Não vamos atingir nem de perto”, lamenta Milioli. Ainda que tenha crescido um pouco na comparação histórica, o número de vagas está longe de ser triplicado. 

Mas é possível pelo menos manter uma curva ascendente e deixar a linha “eletrocardiograma” para trás. A receita, segundo o diretor, está no financiamento federal, estadual e, eventualmente, municipal para o desenvolvimento do segmento. “Novos entrantes devem aparecer no mercado para permitir esse incremento de matrículas”, projeta.

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