Por que a microcertificação deve estar no radar de todo gestor

Cursos rápidos são tendência em todo o mundo e podem se tornar principal fonte de receita para instituições de ensino nos próximos anos

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: AdobeStock

Trabalhabilidade. Skill visibility. Empregabilidade. Upskilling. Reskilling.

A educação está em constante transformação e estes são alguns dos termos que estão ganhando força na Europa e nos Estados Unidos. Todos têm a ver com um tipo de especialização cada vez mais demandada pelo mercado e por alunos (e ex-alunos, como veremos adiante): as microcertificações.

Também chamados de microformações, tratam-se de cursos rápidos que desenvolvem habilidades específicas, que serão empregadas – e comprovadas – no curto prazo. Geralmente, ocorrem a distância ou em encontros rápidos e dinâmicos, dando flexibilidade para a educação continuada de profissionais ou estudantes.

O crescimento da procura está relacionado à educação por competência, em que interessa muito mais o que o profissional de fato consegue entregar do que os diplomas que ostenta na parede. No entanto, a comprovação se faz necessária para que os recrutadores ou algoritmos encontrem a mão de obra que procuram – e é aí que aparece a skill visibility. Mais eficiente do que saber onde e quando um profissional concluiu a graduação é entender rapidamente, por exemplo, que ferramentas ele domina ou que competências específicas acumula e que serão importantes para as tarefas a ele delegadas. 


– Duas forças estão movendo tudo isso. A primeira é a longevidade: as pessoas precisam trabalhar por mais tempo. A segunda são as mudanças no mundo do trabalho, fazendo com que elas precisem aprender mais sobre o que fazem ou dominem coisas novas – analisa o membro do Conselho Deliberativo do CNPq e do Conselho Científico da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) Luciano Sathler.

Quando a opção é por aprender coisas novas, o caminho é o chamado upskilling, ou seja, incrementar o hall de competências. Aqueles que buscam aprender mais sobre funções que já exercem se encaixam no conceito de reskilling. Os dois são fundamentais em função da longevidade referida por Sathler, caso contrário, a colocação no mercado de trabalho fica seriamente comprometida.

Eis que aparecem outros dois termos importantes para compreender a tendência das microcertificações: empregabilidade e trabalhabilidade. O primeiro se refere à formação pensada para inserir e estabilizar o estudante no mercado de trabalho. Já o segundo tem a ver com o desenvolvimento de competências complementares, mas que se mostram cada vez mais essenciais, como as chamadas soft skills e o domínio de ferramentas específicas de acordo com a carreira escolhida.

O papel das instituições

Feito este preâmbulo, é hora de entender o que tudo isso tem a ver com a realidade das instituições de ensino. Na verdade, tudo. Estar alinhado com o que o mercado de trabalho demanda é o ponto mais óbvio, mas, com um pouquinho de estratégia, dá para tirar ainda mais coisas do cenário apresentado.

Olhando para a educação formal, tem-se uma reorganização do Ensino Médio, a partir das novas diretrizes e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estruturado sobre eixos e itinerários de aprendizagem de acordo com competências. O aluno começa a ser orientado para o que pretende desenvolver na vida profissional e até mesmo pessoal. Neste contexto, o currículo passa a prever uma gama de atividades que podem extrapolar os limites físicos das escolas.

– Parte da carga horária poderá ser trabalho voluntário, ou em uma empresa, visita guiada a museu. E aí o que acontece? O aluno vai terminar o Ensino Médio com o diploma, mas também pode ter certificados de curso técnico, microcertificado de voluntariado e experiência no campo de trabalho durante uma semana. Esse conjunto de microcertificados vai falar tanto ou mais do que o diploma de Ensino Médio – detalha Sathler.

Uma grande possibilidade é a formatação de parcerias com instituições de Ensino Superior. É comum que laboratórios fiquem ociosos boa parte do tempo, especialmente em cursos noturnos. A parceria entre escolas e universidades pode garantir uma formação mais completa, com diversos microcertificados que vão aumentar a trabalhabilidade dos alunos e, de quebra, ainda estimulam o vínculo com o nível superior e aproximam o futuro universitário e a instituição.

IES e as microcertificações

Se é vantagem para as escolas de Ensino Médio, que vão oferecer novas oportunidades e competências aos estudantes, é mais ainda para as faculdades e universidades. Além de ocuparem espaços até então ociosos, divulgam o trabalho e a estrutura para prospectar futuros alunos.

Para os que já estão na sala de aula, o movimento é de repensar as unidades curriculares ao redor das competências e habilidades. Dando dinamismo, é possível desmembrar as trilhas de ensino em uma arquitetura curricular que ofereça dezenas de microcertificações ao longo do curso. Atividades complementares, de extensão, atividades práticas, eventos ou, inclusive, cada unidade curricular pode dar origem a um microcertificado. Desta forma os alunos podem concluir cada semestre com uma série de habilidades comprovadas (novamente a ideia de skill visibility).

– Elas têm de estar registradas de uma forma digital e a tendência é que aconteça em blockchain, para que os algoritmos encontrem. As competências ficam visibilizadas em uma carteira digital de habilidades. Esse movimento já está na União Europeia, nos Estados Unidos e na Ásia. Está chegando no Brasil – alerta Sathler.

A comprovação dessas competências tem passado muito por ferramentas digitais. O próprio LinkedIn, rede social profissional, tem algoritmos que filtram a busca por prestadores de serviço ou profissionais que aleguem determinadas habilidades. Com a chamada Carteira Digital de Competências e Habilidades, já em prática em outros países, isso fica muito mais fácil e confiável.

Se as microcertificações aproximam os futuros alunos e intensificam a visibilidade da formação dos atuais, falta apenas falar dos ex-alunos. Para Sathler, eles não existem mais: a oportunidade está em oferecer cursos rápidos, flexíveis e acessíveis como opção de formação continuada. Por isso, as microcertificações devem fazer parte da estratégia dos gestores de Instituições de Ensino Superior.

Para permanecer relevante, tenho que me integrar ao ecossistema de inovação e ajudar a desenvolvê-lo na tríade universidade, empresas e governos. O que nós estamos entregando não está sendo valorizado pelo mercado de trabalho. As pessoas estão se diplomando e indo trabalhar fora da sua área de formação ou em empregos que exigem menos do que um diploma – aponta Sathler. 

Segundo ele, há um desalinhamento entre os serviços prestados pelas instituições de Ensino Superior e o que o mundo do trabalho está demandando. E as instituições, especialmente de EAD, que estão muito focadas em ênfase conteudista, são as que mais colaboram com essa desvalorização do diploma. No entanto, elas é que podem ser o principal motor para reverter isso, desde que mudem a oferta para que os alunos possam interagir com professores e colegas, focando nas microcertificações e na trabalhabilidade.

Cooperativismo gaúcho já se beneficia das microcertificações

Criada há mais de 10 anos, a Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop) oferece o curso de graduação de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas, além de diversas pós-graduações focadas no tema e ainda mais customizadas, como gestão financeira para cooperativas de crédito.  

No Congresso Brasileiro do Cooperativismo de 2019, as entidades foram desafiadas a melhorar o nível de profissionalização e governança das cooperativas. Um ano depois, viram a procura por cursos on-line disparar – até mesmo em função da pandemia. A saída foi oferecer opções ainda mais rápidas e dinâmicas.

– Temos módulos de até 50 horas, mas conseguimos calibrar para mais ou para menos de acordo com cada cooperativa e o nível de maturidade dos conselheiros – explica o diretor-geral da Escoop e gerente-geral do Sescoop/RS, José Máximo Daronco.

Os conselheiros a que se refere são os que atuam na gestão das cooperativas. Anualmente, os conselhos fiscais passam por renovação de dois terços de seus quadros e os novos ocupantes precisam compreender as atribuições do cargo. Outro curso atua na formação de coordenadores de núcleos – que possivelmente se tornarão conselheiros nos anos seguintes.

– Intensificamos o projeto de segurança cibernética para empresas de segmentos como energia e infraestrutura. Fizemos o primeiro módulo, com 20 horas, já estamos no segundo e, no começo de 2023 devemos ter o terceiro, além de ampliar para outros ramos, como agro e crédito – conta Daronco.

O maior desafio para oferecer os cursos, segundo ele, é ter um conjunto de professores devidamente preparados. Para driblar este obstáculo, a Escoop busca pessoas que estão dentro das cooperativas.

As aulas são síncronas para permitir maior interação, indo ao encontro do que defende Luciano Sathler. Mas isso também demanda um domínio por parte dos professores, que,  além de conhecerem o dia a dia das cooperativas, precisam dominar a metodologia de atuação no modo virtual, mantendo o engajamento dos participantes. 

O resultado tem agradado a instituição, parceiros e alunos. Os dirigentes das cooperativas reportam que os alunos voltaram às atividades com uma capacidade maior de observação e que novas visões foram implementadas.

– A formação continuada desperta o senso crítico, permitindo a melhoria nos processos de tomada de decisão dentro das cooperativas e, também, uma participação mais efetiva dessas pessoas no processo democrático que a cooperativa constrói para decisões. Devemos proporcionar cada vez mais a educação continuada – conclui Daronco.

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