Professores contam como aplicam as metodologias ativas
Professores da Educação Infantil e do Ensino Médio relatam suas experiências com abordagem que coloca o aluno como protagonista de seu aprendizado
Um elemento central. É assim que as propostas de metodologias ativas enxergam os estudantes há mais de um século. Nomes de peso do pensamento pedagógico como Piaget e Vygotsky já acreditavam que a sala de aula pode ter diferentes formatos e o aprendizado pode ocorrer por caminhos diversos do tradicional. Atualmente, um debate importante sobre estratégias para o engajamento de professores no uso de metodologias ativas tem ganhado espaço em diferentes níveis educacionais. E algumas experiências em escolas aqui do Rio Grande do Sul demonstram que elas podem ser transformadoras tanto para alunos quanto para professores e gestores.
Em 2022, depois de quase dois anos de aulas em formato remoto, em que as trocas entre alunos e professores ocorriam no ambiente virtual, a Escola Fátima, de Sapucaia do Sul, recepcionou seus alunos de volta ao presencial com criatividade e dando aula de companheirismo com um projeto de feira multidisciplinar e multicultural. Os alunos do 8º e 9º ano ficaram encarregados pela pesquisa e pela execução de apresentações sobre diferentes aspectos sociais e culturais de diversos países. Já os alunos do 6º e 7º anos escolheram diferentes estados brasileiros para serem a fonte de seus trabalhos, que tomaram conta do pátio da escola em 62 estandes, comandados por 238 estudantes. O incentivo principal da feira era colocar os jovens em movimento, buscando informações em diferentes plataformas, da tecnologia ao bom e velho livro de história.
“Foi o nosso primeiro evento presencial na escola pós-pandemia. Estávamos todos atrás de uma tela de computador e agora tínhamos a oportunidade de resgatar o convívio social. Esse trabalho permitiu que eles trabalhassem o respeito a diferentes opiniões. Cada um com a sua identidade colaborou para o resultado final”, lembra Eliane Borges Lundin, coordenadora pedagógica dos anos finais da Escola Fátima.
Além de apresentarem danças e comidas típicas dos países pesquisados, os alunos produziram fanzines, um tipo de publicação típica dos anos 80 e 90 no Brasil, materializando com muita autenticidade o estilo de cada participante do projeto. A ideia de utilizar o formato partiu da leitura do livro Os Fanzineiros, de Breno Fernandes, cujos protagonistas criam um fanzine para movimentar uma cidade do interior.
“Decidimos unir essa proposta prática da feira com a leitura que estávamos realizando. Eles puderam aplicar o conhecimento adquirido em algo que eles pudessem colocar a mão na massa, já que fanzine é algo muito artesanal”, explica o professor Fernando Juarez de Cardoso.
Mas como uma geração tão ligada às tecnologias se virou com papel, caneta, cola e tesoura? A resposta está na preocupação da escola em dar protagonismo para seus alunos dentro de seus projetos. Segundo a professora Nádia Vanzetto Meireles, cada estudante trouxe uma assinatura própria para os materiais produzidos.
“O bacana foi que cada um colocou o seu estilo no trabalho. Foi gratificante para eles utilizarem essa técnica de colagem e cada um colaborou com a sua individualidade”, comenta.
Maria Eduarda Zanette estava no oitavo ano quando participou da feira. Sua equipe escolheu o Egito para ser o centro da pesquisa, local conhecido por sua riqueza histórica e cultural.
“Foi bem legal poder pesquisar e participar da feira. Usamos bastante internet para realizar a pesquisa. Na minha casa, gostamos muito de livros de história e eles também foram uma fonte de estudo para mim. Os professores ajudaram muito na confecção do fanzine e também em toda a construção das apresentações”, conta a estudante.
O aprendizado, com certeza, é o foco das metodologias ativas. Mas mais do que aprender sobre diferentes culturas e realidades, Eliane afirma que é o desenvolvimento humano que sai na frente em propostas como a feira multicultural da Escola Fátima.
“Isso faz parte do carisma da escola. Buscamos o desenvolvimento integral dos nossos educandos, baseado em valores, em protagonismo e em espiritualidade. Trabalhamos para manter essa sensibilidade para formar um jovem que vai sair da escola preparado para enfrentar a vida lá fora”, conclui Eliane.
A natureza como sala de aula
Enquanto os alunos de Sapucaia do Sul desvendam os mistérios de países distantes, outros estudantes da Região Metropolitana de Porto Alegre descobrem as maravilhas da natureza que não estão nos livros de Biologia. Com vários projetos de metodologias ativas para o ensino de Ciências no Novo Ensino Médio, o Colégio La Salle, de Canoas, transforma adolescentes em jovens pesquisadores.
“Temos uma proposta na qual os alunos estudam o método científico por meio de metodologias ativas. Também desenvolvemos, junto com o Núcleo de Ciência e Tecnologia do colégio, o projeto de uma horta. Por meio da agroecologia, da agricultura convencional e da agroflorestal, analisamos diferentes formas de cultivo de alimentos”, conta o professor Jerônimo de Oliveira Loureiro.
Os alunos também trabalham com ciências da natureza tendo como sala de aula o bosque da escola. A ideia de sair de um ambiente fechado para estudar de perto plantas e animais faz parte do livro escrito por Jerônimo, Metodologias Ativas em Ambientes Naturais: Outside Learning, que propõe um contato direto com a natureza para trazer proximidade ao tema e também incentivar o uso de espaços externos das instituições como locais de aprendizagem. Para Jerônimo, metodologias ativas como essas deveriam ser parte do cotidiano e não algo que foge do padrão.
“Eu considero que a prática educacional onde o professor tem a capacidade de colocar o aluno como sendo o grande protagonista do seu processo de ensino, apontando as direções em embasando o aluno com ferramentas e conhecimento, é o grande espírito das metodologias ativas”, explica.
A também professora do Colégio La Salle de Canoas, Andréia Borne Barreto, teve um desafio e tanto no início do ano letivo: trabalhar a temática de pandemias, endemias, surtos e epidemias na disciplina de Estatística e Probabilidade no Novo Ensino Médio. Pensando nisso,ela dividiu os estudantes em pequenos grupos para realizarem pesquisas sobre doenças e vírus, realizando uma classificação entre eles que incluísse os sintomas, o processo de diagnóstico, transmissão e prevenção, tudo isso ilustrado por meio de gráficos.
“O engajamento dos grupos foi de excelência, sem exceções. Fizeram apontamentos importantes sobre a geometria existente no formato de cada vírus, discutiram sobre drogas utilizadas no combate e trouxeram curiosidades referente aos conceitos pesquisados. Fizemos um fechamento sobre as apresentações e os alunos destacaram”, lembra. Para Andreia, o desafio acabou confirmando o quanto as metodologias ativas despertam curiosidade e interesse dos alunos, além de trazer autonomia aos estudantes.
Incluir e pertencer
As metodologias ativas também estão presentes nas pesquisas desenvolvidas por professores. E podem proporcionar descobertas e experiências incríveis quando o tema é a inclusão. A pedagoga e professora da Educação Infantil e Séries Iniciais do Colégio Israelita Brasileiro, de Porto Alegre, Nicole Sauthier, realizou um estudo de caso sobre as vivências e a aproximação trazidas pelo brincar no processo de pertencimento de um aluno com deficiência na Educação Infantil. Ela explica que utilizou documentações pedagógicas, como diários de aula e outros registros do cotidiano do estudante, para demonstrar o poder do brincar na construção do espaço de pertencimento da criança.
“Atribuímos o codinome Pequeno Príncipe para o aluno, inspirados no romance de Antoine de Saint-Exupéry. Fui criando categorias para realizar o desenvolvimento do artigo, desde o momento em que ele chega na escola e o processo de adaptação até o momento em que ocorre o pertencimento desse aluno”, explica Nicole.
Ao longo de dois anos acompanhando o “Pequeno Príncipe”, ela viu surgir novas formas de comunicação e também interações entre ele e o restante dos alunos. Por tratar-se de uma criança não-verbal, o modo encontrado em determinado momento para realizar a comunicação com ele foi o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS), desenvolvido nos Estados Unidos em 1985 por Andy Bond e utilizado com crianças diagnosticadas com autismo. Unindo a observação do cotidiano com as anotações realizadas no período, a pedagoga percebeu o aluno também ensinando colegas e professores.
“Ao partilhar os momentos de interação e brincadeira com os colegas, Pequeno Príncipe foi conquistando seu lugar no grupo, vencendo as barreiras da sua deficiência, desenvolvendo amizades e fortalecendo vínculos. Ao reconhecer os colegas e ser reconhecido por eles, percebe-se que a escola deve se tornar um lugar facilitador de acesso, onde cada aluno tem a oportunidade de se desenvolver, tendo suas qualidades e singularidades respeitadas e valorizadas, bem como seus sentimentos”, conclui.
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