Estratégias para engajamento dos professores no uso de metodologias ativas

Especialistas afirmam que formação continuada é a melhor forma de atrair docentes para o uso de técnicas e recursos novos

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Freepik

A proposição de metodologias ativas não chega a ser algo novo em Educação. Grandes teóricos do ramo – desde Vygotsky, passando por Piaget e o brasileiro Paulo Freire – defendiam uma educação que tinha o aluno como elemento central. É para o aluno que se cria as experiências de aprendizagem, é ele o foco do desenvolvimento de competências e habilidades, e por isso precisa ser sensibilizado para uma educação cada vez mais significativa e que faça sentido pra ele. 

Ainda que centenário, esse pensamento demorou um pouco para ganhar força nas instituições de ensino. Especialista no tema, Lilian Bacich, diretora da Tríade Educacional, justifica porque mais recentemente as escolas têm se debruçado sobre o tema.

“Houve o rompimento de um paradigma. Aquela escola do século passado, em que os estudantes iam para obter informações a partir de um professor que era responsável pela detenção do conhecimento, se modificou. Hoje, temos a informação na palma da mão com os recursos digitais. O aluno não precisa mais da escola para obter informações, mas para apoiar a transformação da informação em conhecimento. E isso não é algo simples de ser feito”, afirma.

Interagir, construir conhecimento, desenvolver criatividade, colaboração, pensamento crítico são habilidades essenciais no século 21, e a escola precisa se capacitar para que o aluno elabore essas capacidades. Conforme o professor José Moran, pesquisador de mudanças na Educação na USP, as instituições educacionais atentas às mudanças escolhem fundamentalmente dois caminhos, um mais suave, com mudanças progressivas, e outro mais amplo, com mudanças profundas. 

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O caminho mais suave mantém o modelo curricular predominante, disciplinar, mas prioriza o envolvimento maior do aluno, com metodologias ativas como o ensino por projetos de forma mais interdisciplinar e a sala de aula invertida. O mais amplo traz modelos disruptivos, sem disciplinas, que redesenham o projeto, os espaços físicos, as metodologias, baseadas em atividades, desafios, problemas, jogos e em que cada aluno aprende no seu próprio ritmo com supervisão de professores orientadores.

Independentemente do modelo que a escola adote, ela precisará se dedicar a fornecer formação continuada aos professores. Aliada à tecnologia, a Educação está em constante transformação – bem como os recursos a serem usados em salas. E, para isso, as instituições precisarão superar obstáculos. Para Moran, o primeiro é a resistência de alguns docentes em adotar um novo modelo. 

“Uma parte deles está esperando que essa moda ceda um pouco e a escola continue como sempre foi. Mas a pandemia trouxe mudanças drásticas no mundo: inteligência artificial, economia criativa, que impactam as profissões. E a escola precisa ser adequada para preparar pessoas para esse mundo. Não é moda. As escolas têm que ter políticas claras sobre isso. E o professor tem que entender se quer ter empregabilidade e relevância. Terá que se adaptar”, afirma Moran.

Formação continuada

Na avaliação de Lilian Bacich, outro obstáculo a ser enfrentado é o conceito de educação ultrapassada cristalizada nos professores desde a formação inicial, e que podem retardar a compreensão e a adequação dos docentes às metodologias ativas:

“Nos cursos de Pedagogia e licenciaturas, vemos aulas que remetem a esse paradigma do século passado. As aulas que os futuros professores em formação recebem são, muitas vezes, expositivas. E aí, se enquanto aluno da Educação Básica, ele também teve aulas mais expositivas mas recebeu esse ‘reforço’ no Ensino Superior, é muito difícil quebrar essa lógica”.

Por isso, na análise da especialista, a escola cumpre um papel fundamental ao oferecer formação continuada aos docentes, para que desenvolvam as competências que a instituição considera necessárias a seus profissionais. 

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“Existem algumas estratégias que as escolas podem buscar implementar em seus processos formativos. Em primeiro lugar, pensar que realizar formações dentro das escolas com foco em metodologias ativas, não significa oferecer uma palestra sobre o tema, mas garantir uma formação em que, por meio de metodologias ativas, o professor possa desenvolver os seus conteúdos, os componentes curriculares em sala de aula”, inicia Lilian.

Um segundo ponto que a escola deve atentar para uma formação continuada de sucesso é  a regularidade desse trabalho.

“Se a escola elegeu uma temática relevante para ser trabalhada com seu corpo docente, é importante que ela seja recorrente. Então, mensalmente, bimestralmente, vão ser feitos estudos, numa prática muito focada em desenvolver planejamentos e levar essa temática da sala de aula”, recomenda.

Professores viram alunos

Os especialistas destacam que a formação oferecida precisa ser coerente. Não se estimula um docente a usar metodologias ativas por meio de aulas meramente expositivas. A atualização deve seguir o mesmo modelo, com uso de técnicas e recursos que tornem os  trabalhos envolventes e dinâmicos – e que possam ser reaproveitados, posteriormente, em sala de aula. Uma forma de desenvolver essa atividade é a criação de comunidades de aprendizagem entre os próprios professores. 

“Nem sempre trazer alguém de fora é suficiente. Muitas vezes, dentro da instituição as competências dos professores são bem diversas e há profissionais em condições de apoiar seus pares nesse processo. E isso permite personalizar o trabalho conforme as necessidades. Que aqueles professores que têm mais dificuldade tenham um par mais experiente para ajudar, aqueles professores que têm mais habilidade poderem se reunir, trocar e também desenhar formações internas. Acho que há potencial para as escolas fazerem algo muito interessante e viável, sem demandar um investimento muito grande”, diz Lílian. 

José Moran acrescenta à lista dos obstáculos da formação, a carga horária e a rotina pesada de parte dos docentes.

“Há uma questão de conjuntura. Os professores trabalham em vários lugares, há problemas de planejamento, turmas grandes, isso atrapalha. Mas a maioria dos professores tenta fazer o melhor dentro de sua realidade”, observa.

A alternativa seria compartilhar com professores um conjunto de referências sobre metodologias ativas. Podcasts, conferências, vídeos interessantes sobre novas abordagens educacionais ajudarão a subsidiar o profissional.

Por fim, Lilian Bacich chama a atenção para um ponto relevante: a própria escola precisa avaliar se está preparada para a aplicação das metodologias ativas. 

“É preciso identificar a visão da escola para isso. Muitas vezes, ela tem interesse de que seus professores utilizem metodologias ativas, entende que os estudantes precisam disso em sala de aula, mas não disponibiliza espaços possíveis para essa prática. Por exemplo: o professor está em sala de aula, mediando trabalhos em grupo e a turma fica barulhenta. Mas a escola quer silêncio, organização, não quer bagunça. Se for essa a visão, não há coerência entre o que se espera do professor e o que a escola pode oferecer. Será preciso adequar a visão da gestão para garantir que o professor desenvolva o trabalho com os alunos com sucesso”, pontua.

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