Do mimeógrafo à inteligência artificial, o professor se reinventa

Docentes acompanham a evolução tecnológica para manter as aulas interessantes, mostrando que inovar é para todos

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Gemini

O professor é um verdadeiro contador de histórias. Não importa o componente curricular que lhe é atribuído, a figura do docente inspira estudantes para o resto da vida. Por isso, nada melhor do que uma boa história para comemorar o Dia do Professor. O portal Educação em Pauta resolveu homenagear aqueles que buscam, incessantemente, novas formas de cativar a audiência, se mantendo atualizados em relação às novas tecnologias.

Com 45 anos de sala de aula, a professora de Biologia e Matemática Virginia Theil, do Colégio Sinodal Alfredo Simon, de Pelotas, lembra de quando começou. Os momentos marcantes de sua trajetória são guardados com o mesmo carinho com que mantém muito bem preservado o mimeógrafo que ganhou há algumas décadas.

“Como eu trabalhava muitas horas e ainda fazia faculdade, minha demanda era muito grande. Não dava tempo de chegar na escola e pedir para ‘rodar’ os materiais. Quando casei, meu marido me deu de presente”, conta.

Além disso, o cenário era composto pelos tradicionais “quadro verde e aquele giz duro”, como define. Na rede pública, as dificuldades eram ainda maiores. Os estudantes não dispunham de livros individuais e as provas eram escritas no quadro, depois copiadas por cada um no papel almaço.

Acompanhando as tendências

Ela lembra que a primeira atividade digital utilizada junto aos estudantes foi com a linguagem de programação Logo. Esta certamente foi uma das primeiras ferramentas desenvolvidas com finalidade pedagógica e, além de familiarizar com o uso dos computadores, ajudava no ensino da matemática. Virginia aplicava para trabalhar o plano cartesiano, por exemplo.

Conforme o tempo passava, as tecnologias iam se substituindo – e Virginia se mantinha alerta. “Aos poucos, apareceram as coisas. O xerox, mas também era um material ainda caro. Depois, o computador, peguei aquele primeiro, usei disquete, CD e depois o pen drive”, lista a professora. 

Até que veio a pandemia, em 2020, e mídias alternativas para armazenar e apresentar conteúdos já não eram suficientes. O distanciamento social exigiu que os professores encontrassem formas de dar aula, exercícios e até avaliações de forma remota, com o menor prejuízo possível ao desenvolvimento dos estudantes. “Antes era aquele uso mais simples, mas depois da pandemia deu uma virada e acho que o povo agora tenta acompanhar isso. O professor precisa estar atento a estas questões”, destaca.

Tão perto e tão longe: a ajuda veio do próprio genro, mas que morava em Portugal. Em meio a um doutorado em Ciência da Computação, ele também se via diante de muitos cálculos e precisava aprender tudo isso de forma remota. “Eu não tinha lousa digital e tinha horror de gravar vídeo. Então pensei: ‘pelo amor de Deus, essa gente vai ter que me socorrer’”, diverte-se Virginia.

Ao buscar ajuda dos universitários (literalmente), descobriu que eles utilizavam um aplicativo que transforma o smartphone em uma webcam, o Droidcam. Então ela utilizava uma lousa branca no colo, onde escrevia enquanto explicava os conteúdos, como se estivesse em um quadro na parede. Era uma aula com visão em primeira pessoa, igual aos jogos com que grande parte dos adolescentes estão habituados

O resultado, segundo ela, é que até hoje aqueles estudantes lembram que ela foi a única professora que escrevia em um quadro durante a pandemia e pedem a volta da lousa branca. Fruto da irresignação diante da dificuldade, tendo buscado alternativas para que a aula continuasse sendo produtiva.

“Mudou a forma de ser aluno e de ser professor. De 2010 para cá tivemos uma mudança muito rápida, algo que não aconteceu, digamos, nos 20 anos anteriores. É fundamental que o professor esteja sempre em formação. Se fores te acomodar com o que aprendeste na graduação ou na especialização, tu vais te dar mal”, alerta.

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Foco no resultado pedagógico

O Colégio Sinodal Alfredo Simon conta com a plataforma Somos, que traz questões dissertativas, objetivas, jogos, atividades diversificadas e conteúdos multimídia. Também há duas telas interativas à disposição dos professores e terminais portáteis com computadores, que podem ser levados até as salas de aula.

Nada se pode usar em exagero. Não pode ser o jogo pelo jogo. Tem que fazer depois de trabalhar o conteúdo, que a cada questão dê uma conclusão, um relatório. Os estudantes gostam muito da tela interativa em geometria, por exemplo. Muitas vezes, a mesma atividade funciona para uma turma e não para outra. Muitos dizem que preferem uma folha de exercício”, relata Virginia.

A coordenadora de Tecnologias Educacionais na TI Corporativa dos Jesuítas do Brasil, Mônica Py, segue a mesma linha. Para ela, a tecnologia educacional serve como um apoio para os processos de ensino-aprendizagem. 

“Quando a gente pensa em uma atividade, espera um resultado apoiado pela tecnologia. A gente quer a intencionalidade pedagógica disso tudo, que vai nos mostrar o processo do indivíduo. A escolha da tecnologia é o meio. O fim está lá na frente, onde se consegue enxergar, dada a estrutura curricular, como o aluno desenvolveu aquela competência”, entende.

O suporte tecnológico ajuda, por exemplo, a atender diferentes tipos de estudantes. Enquanto alguns aprendem de forma mais visual, outros são mais auditivos ou cinéticos. Diferentemente do papel almaço de que Virginia se recorda, o digital veio para potencializar e ajudar a engajar o aluno dentro de um contexto de aprendizagem.

Já à instituição, como um todo, cabe desenvolver um ecossistema em que os entes tenham uma experiência diferenciada com essa tecnologia. Segundo Mônica, é preciso entregar mais do que se fazia em tempos passados. As famílias querem acessar informações via dispositivo móvel, conferindo como aquele estudante performou naquele dia e ter feedbacks das atividades.

Sensibilizando professores

Se os estudantes precisam ser engajados na dinâmica das aulas, antes disso os docentes também precisam estar dispostos a adotar ferramentas digitais e potencializadoras dessa conexão interpessoal e intergeracional. Com quase 25 anos de experiência como professora e 15 como gestora, Mônica acredita mais em um processo estrutural das instituições do que em uma sensibilização individual.

“Isso nos leva sempre a uma cultura na instituição. A cultura, pela natureza dela, não é da noite para o dia, tem de ser construída, para então levar alguns profissionais com olhar mais tecnológico, aberto, a passar por essas oportunidades. Outros, não tanto”, pondera.

Esse movimento também não é uniforme. Ela lembra do uso do smartphone, com aplicativos e plataformas educativas. O uso foi incentivado por muito tempo e, hoje, já se constrói o entendimento contrário, com a proibição do uso dos dispositivos nas escolas – exceto para algumas atividades pedagógicas, obviamente, mas o acesso se tornou muito mais restrito. Outros países, como a Suécia, avançaram para a digitalização absoluta do ensino e, tempos depois, também recuaram estrategicamente.

Por fim, há a pluralidade entre os próprios professores. Cada um carrega um histórico e um conjunto de competências que define muito a forma como se relacionam com tecnologias digitais. Além de não estarem no mesmo nível, em função disso, muitos relutam à ideia de acompanhar as novas tendências.

“No dia a dia, a gente não tinha acesso à informação, depois veio a internet, em casa, depois na mão, no celular. Os professores mais antigos têm essa mentalidade, mas não adianta fazer uma formação no começo do ano e lá no final, cobrar o resultado”, aponta Mônica Py. 

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Inteligência Artificial é a nova fronteira

Entre os avanços vistos nos últimos anos, o que mais chamou a atenção da sociedade, como um todo, foi a Inteligência Artificial (IA). Na educação não é diferente. A professora de Tecnologia da Informação no curso de Pedagogia da Uniftec, Stéfani Mano Valmini, vê a intensificação do uso da IA como o principal foco de inovação no radar dos educadores.

Para formá-los, Stéfani, que também dá aula de robótica para crianças de 4 e 5 anos na Escola de Educação Infantil Pequeno Ser, de Caxias do Sul, acredita que é preciso pensar sobre as mudanças que as máquinas podem promover e o que ainda é humano, focando nessas atividades. “Como não existe fórmula mágica, o principal ponto é mostrar as possibilidades, trazendo aplicações práticas de como podem usar ferramentas no trabalho e com os alunos. Não proibindo, mas instigando o uso crítico”, explica.

Além de ferramentas, os professores também aplicam conceitos da era digital em sala de aula. Isso ajuda para que tudo faça sentido, já que os estudantes nasceram nesse contexto e compreendem o mundo de uma forma diferente da lógica que existia na era analógica pós-revolução industrial. “Eu trabalho resolução de problemas e pensamento computacional, independentemente da carreira que quiserem seguir. As práticas estão imbricadas nesses conceitos, utilizamos para tudo”, exemplifica Stéfani.

Virgina já está de olho na IA, mas sempre de forma crítica. “Este ano os alunos farão uma linha do tempo, sobre determinado assunto. Neste trimestre, devem fazer um folder com história em quadrinhos desse mesmo tema, e queriam usar IA. Eu disse que podem, mas que a gente precisa saber como pedir a ela e que o projeto tinha um objetivo, essa HQ precisava estar alinhada com o objetivo da pesquisa”, relata.

Entre as ferramentas, ela tem utilizado o LiveWorksheets, sistema que reúne uma série de possibilidades – como trabalhos em grupo, inclusive online, avaliações, exercícios de fixação e comunicação com uma caixa de mensagens própria do aplicativo. “Dando uma vasculhada, a gente acha muita coisa. O importante é lembrar que a tecnologia é uma ferramenta, não a solução para a aprendizagem. Ajuda o professor no seu trabalho e na sala de aula. Hoje é muito mais fácil fazer prova digitando do que escrevendo em uma matriz de mimeógrafo”, conclui a professora.

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