O combate às fake news passa pela educação midiática

Preocupação com a desinformação não pode se limitar a campanhas de conscientização no contexto eleitoral, ao contrário, deve estimular iniciativas permanentes de educação midiática

imagem: Depositphotos

Bruno Ferreira

Jornalista e professor. Mestre em Ciências da Comunicação e especialista em Educomunicação pela ECA/USP. É assessor pedagógico do EducaMídia, do Instituto Palavra Aberta, e formador de professores do Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Há alguns anos a sociedade aprendeu um novo termo para se referir a mentiras espalhadas nos meios de comunicação, sobretudo os digitais: fake news. Não por acaso essa expressão se popularizou. As chamadas “notícias falsas” fazem parte da cultura digital e, consequentemente, do cotidiano social. Mensagens dessa natureza são ainda mais preocupantes no período eleitoral, que mobiliza preconceitos e paixões, o que faz com que a aceitação de uma mentira seja rápida e irrefletida.

Assim, o chamado viés de confirmação, tendência de buscar ou acreditar em conteúdos que confirmem nossas crenças e valores, coloca-se à frente da necessidade de verificar afirmações, atitude que faz parte do cotidiano da prática jornalística, mas que hoje precisa ser um hábito a ser desenvolvido por toda a sociedade, uma vez que há informação demais à disposição na internet, mas nem todas elas são confiáveis. No entanto, não é todo mundo que está disposto a interrogar a confiabilidade das informações que consome, justamente porque isso exige desprendimento de convicções e um olhar menos apaixonado para a informação.

Por causa disso, em época de eleições, o sinal de alerta para as fake news é sempre aceso. Campanhas de iniciativa da imprensa, do Tribunal Superior Eleitoral e de entidades públicas preocupadas com a saúde informacional da população reforçam os cuidados com informações de natureza duvidosa ou desconhecida, estimulando a população a se informar sobre o tema por fontes confiáveis, como a imprensa profissional, e a não compartilhar conteúdos que não foram verificados. 

Essas campanhas acompanham a propaganda eleitoral e os movimentos das candidaturas, que mobilizam suas bases por meio das mídias digitais e, algumas delas, disseminam desinformação sobre seus oponentes e sobre o próprio processo eleitoral, a fim de descredibilizá-lo. Para isso, utilizam de técnicas sofisticadas de edição de imagens para manipular – conhecidas como deep fake – que imitam pessoas e modificam contextos com precisão, inserindo pessoas em cenários em que nunca estiveram ou simulando a fala e gestos de uma pessoa. 

Além disso, buscam o disparo em massa de mensagens enganosas por aplicativo de mensagens, estratégia conhecida como firehosing, para garantir o monopólio da primeira impressão sobre um tema, uma personalidade ou instituição. 

As campanhas que deram vitória a Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos, e aqui no Brasil, de Jair Bolsonaro, em 2018, recorreram a estratégias dessa natureza, disseminando amplamente mensagens alinhadas ao sentimento anti-establishment e à rejeição à política tradicional. Tanto Trump quanto Bolsonaro foram assertivos na elaboração de mensagens que, apesar de mentirosas, confirmaram o repúdio de parte do eleitorado aos seus oponentes e a tudo o que representavam. 

Para tal, o uso de aplicativos de redes sociais e aplicativos de mensagens foi importante para espalhar mentiras, levando algumas empresas a responder juridicamente por contribuir para o espalhamento de desinformação. O Supremo Tribunal Federal chegou a bloquear o Telegram no Brasil, em março deste ano. A empresa, além de permitir grupos com centenas de milhares de pessoas, não colaborou com decisões judiciais de bloquear usuários condenados por disseminar desinformação. Além disso, regras do aplicativo para o combate à desinformação não eram tão claras até maio, quando finalmente a empresa e o Tribunal Superior Eleitoral assinaram um acordo para o combate às fake news pela plataforma.

Além da pressão da sociedade civil por maior responsabilização das plataformas e punição a quem produz fake news, há outra importante profilaxia à enfermidade da desinformação. Trata-se de educação midiática, abordagem que defende, entre outras coisas, o letramento informacional da sociedade, para que esta tenha condições de analisar criticamente mensagens midiáticas.

Felizmente, novas iniciativas nessa perspectiva surgem a cada dia, embora ainda timidamente. Uma das mais relevantes é o programa EducaMídia, do Instituto Palavra Aberta, de São Paulo, que até hoje formou gratuitamente cerca de 15 mil educadores de todo o país para implementarem estratégias pedagógicas, em qualquer disciplina ou ciclo da educação básica, com a inserção do letramento informacional em sala de aula, contribuindo para a formação cidadã de crianças, adolescentes e jovens na escola, para que reflitam sobre o que consomem e o que produzem de informação nas redes sociais e plataformas digitais.

No contexto eleitoral, o EducaMídia lançou o projeto Fake Tô Fora, uma série com sete planos de aula sobre o processo eleitoral e o papel da informação nesse contexto. O projeto desenvolve entre os estudantes do ensino médio o hábito de interrogar as informações recebidas online sobre as eleições, subsidiando-os com protocolos para avaliá-las criticamente.

Projetos assim escancaram a urgência de qualificar o direito à comunicação. Não basta viabilizar o acesso às plataformas nem cobrar que estas se responsabilizem pela desinformação disseminada através delas. É preciso que todo cidadão conectado à internet perceba-se como guardião da informação, com poder de barrá-la ou passá-la adiante. Somente a educação pode fazer o cidadão se reconhecer como responsável por esse processo.

¹Artigo originalmente publicado na 2ª edição da Revista Casa Comum e no seu site.

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