O que esperar da próxima década em educação e tecnologia
Antecipando o Dia da Educação, celebrado em 28 de abril, um futurista, dois gestores e dois pesquisadores relatam suas visões sobre os novos rumos do ensino e das escolas
Assim como a tecnologia apresenta inúmeras possibilidades de ensino e aprendizado, também nos sinaliza desafios à frente. Telas e aplicativos de celular enviam convites para que os educadores saiam da zona de conforto e abrem diferentes portas para isso – como a inserção de mais conectividade e digitalização de currículos e aulas. A tecnologia transforma, ainda, a interação entre escolas, alunos e famílias em diferentes níveis. Neste cenário, que pode o futuro nos reservar? Que propostas farão parte dos processos de ensino e aprendizagem e como gestores e professores lidarão com uma geração cada vez mais conectada e influenciada pelo conteúdo das redes sociais?
Há dúvidas até mesmo sobre como estará este cenário em cinco ou dez anos. Futurista edutech, e pós-doutor em Inteligência Artificial Generativa, Mídia e Conhecimento e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcelo Barcelos indica que será intensificado o desenvolvimento de sistemas de letramento digital compensatórios, já que grande parte dos professores possui pouco conhecimentos específicos, como edição de vídeos, algo que poderia trazer os alunos de uma forma mais intensa para a sala de aula.
“Os smartphones, com todas as suas possibilidades, trazem dispersão. A grande discussão do futuro, ao meu ver, é como desenvolver instrumentos efetivos para que esses dispositivos estejam na escola e façam os alunos produzirem conhecimento a partir deles”, orienta o futurista.
Uma alternativa para essa inclusão de ferramentas tecnológicas com efetividade na educação são os chamados Media Labs e Fab Labs, proposta que é a base de um projeto de Barcelos. Os Fab Labs consistem em um laboratório maker, que transforma ferramentas analógicas visando a resolução de problemas como o mobiliário escolar e até o formato dos materiais usados em sala de aula. Já os Media Labs promovem o uso de ferramentas gratuitas para ajudar na criação e execução de projetos. Isso seria, na visão do pesquisador, uma solução para o gap que existe entre as possibilidades digitais às quais os alunos têm acesso e as que o professor oferece.
“A ideia é prototipar novas ferramentas a partir de outras que já existem. Peças de uma televisão velha ou até um ferro de passar podem ganhar novas funções e serem utilizadas para montar objetos que serão usados no próprio laboratório. Também é um espaço para propor ações para difundir as possibilidades de uso de ferramentas como Canva e o GoogleForms, por exemplo”, propõe o pesquisador.
Barcelos afirma que os Labs também podem ser uma porta de entrada para profissionais de outras áreas colaborarem com a escola e tornarem o aprendizado e o desenvolvimento de projetos ainda mais cativantes e promissores. Convidar ou contratar, mesmo que por um curto período, programadores, artistas e até designers para desenvolverem propostas dentro das instituições traz vantagens para professores, alunos e até para a gestão.
“Precisamos perder esse medo de abrir a escola. Embora existam iniciativas muito interessantes, a escola ainda precisa olhar com mais atenção para os ecossistemas de inovação locais e os Labs podem ser ambientes importantes para essa interação”, avalia Barcelos.
O pesquisador e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) José Moran ressalta que tecnologias mais sofisticadas e um mundo mais desafiador tornam o papel do professor mais complexo, porém ainda mais relevante. Ter a capacidade de aprender sempre e reavaliar suas propostas de aprendizagem será um diferencial do professor do futuro.
Investir em uma evolução intelectual, emocional e ética é, segundo Moran, a base formadora para um professor que quer orientar, inspirar e encantar seus alunos. “Na educação básica, especialmente, o professor seguirá sendo insubstituível. Não pelo conteúdo em si, mas pela relação que constrói com os alunos, pela escuta, pela capacidade de despertar a curiosidade e de criar um ambiente de confiança”, delineia o professor.
A inteligência artificial, um tema cada vez mais em destaque dentro da educação, também terá um papel importante dentro da educação básica. Para Moran, a IA irá favorecer a personalização dos processos de aprendizagem, colaborando para que os estudantes aprendam no seu próprio ritmo e estilo. O papel dos tutores virtuais, já presentes em muitas plataformas de Ensino à Distância (EAD) e também em instituições que oferecem o formato híbrido, será o de complementar o trabalho dos professores e alunos, do planejamento à avaliação. Acolhimento e inclusão também serão beneficiados pela IA.
De acordo com Moran, essa ferramenta pode ser útil para monitorar a saúde mental dos estudantes e docentes e ajudar a implementar decisões no nível pessoal e da gestão. Tradutores automáticos e tecnologias assistivas podem ampliar o acesso ao ensino para estudantes com alguma deficiência ou de diferentes contextos linguísticos. “O conteúdo curricular será muito mais estudado por plataformas personalizadas com IA e a parte mais criativa do desenvolvimento de competências acontecerá em projetos de experimentação em grupos”, explica Moran.
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Observar com atenção como as questões sociais se apresentam na comunidade escolar também pode potencializar os processos de aprendizagem. A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Iana Gomes de Lima, destaca que muitas instituições investem em iniciativas que tratam de temas como empoderamento feminino e valorização da cultura negra. Para ela, isso mostra o quanto o espaço escolar é um lugar de produção de novos conhecimentos. “É importante que os professores, bem como as gestões, se fortaleçam em um trabalho coletivo, pensando em projetos que tratam desses temas. São assuntos importantes para diminuir as desigualdades sociais do nosso país e valorizar culturas que foram, por muito tempo, alijadas dos processos educacionais”, pontua a professora.
Professores que atuam em conjunto para construir propostas que confluem fortalecem o desenvolvimento dessas temáticas e trazem respaldo para que novas ideias sejam colocadas em prática. Essa segurança para trazer novidades para a sala de aula também tem seu peso no relacionamento das escolas com a família. Na visão de Vanessa Rodrigues, diretora do Colégio Madre Imilda, de Caxias do Sul, a tendência é que, nos próximos anos, a escola se torne mais próxima dos pais e responsáveis. Isso se dá a partir de novas demandas sociais e emocionais que impactam diretamente no ambiente escolar, como o bullying e os desastres climáticos.
Dentro dessa proposta de gestão, Vanessa acredita que o desafio maior é conseguir engajamento dos estudantes unindo práticas inovadoras e, por vezes, tecnológicas, com o conhecimento já existente dentro da ciência do ensino, trazendo novos significados para o ato de ensinar.
Ressignificar é um verbo constante para a educação do futuro. Colocar o aluno no centro do processo e propor uma aprendizagem ativa, conectada com os dilemas da sociedade contemporânea é um norte indicado pela coordenadora pedagógica dos anos iniciais do Colégio Marista Champagnat, Vanessa Ramos Guimarães. Isso, no entanto, só é possível se houver um reconhecimento do protagonismo do professor como um mediador de experiências, que coloca seu foco não apenas nas tecnologias, mas em como utilizá-las com um olhar pedagógico.
“É necessário que voltemos a ver o papel da escola como espaço sistêmico vivo, ético e relacional. A pandemia escancarou essa urgência: a escola como espaço de convivência, troca, escuta e acolhimento, é insubstituível. Ela é, antes de tudo, um lugar de sentido”, afirma Vanessa.
A coordenadora pedagógica espera que, na próxima década, a educação priorize as relações humanas e empáticas, o que implica no desenvolvimento de competências essenciais como empatia, pensamento crítico, criatividade, colaboração e responsabilidade socioambiental.
“A educação que precisamos hoje, e que desejamos para o amanhã, não é apenas conectada. Ela é fraterna”.
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